“E o que significa voltar a produzir, em Manaus, um componente tão precioso como semicondutores? O que temos a oferecer, logística tupiniquim à parte, recursos humanos já treináveis, ou facilmente qualificáveis, para a missão e miríades de talentos de toda ordem. E o mais importante: experimentar essa alternativa singular e sustentável da produção industrial no coração da Amazônia, que não separa economia e ecologia, há 56 anos.”
Por Alfredo Lopes
__________________
Coluna Follow-up
No auge da pandemia, com a desarticulação da cadeia asiática de suprimentos, o Polo industrial de Manaus, em tempo recorde e de desesperança, azeitou sua capacidade industrial instalada. O que poderia ser feito para salvar vidas – e proteger profissionais da saúde na frente de combate ao vírus – foi feito. Descobrimos que Manaus sabe criar soluções mais do que imaginávamos. E quando se agravou a crise de suprimentos para a indústria, uma pergunta não pôde calar. Por que não apostar na produção de semicondutores – o componente mais cobiçado pela indústria mundial – no coração da Amazônia.
Além de oxigênio, água e oportunidades, por que não produzir e distribui o chip verde? Mais do que gargalos tecnológicos universais, estamos diante daquilo que se chama vontade política. Vamos, portanto, listar alguns itens dessa utopia, lembrando sempre que o termo utopia, nada mais é do que uma realidade que é possível antecipar.
1 Nos anos 90, quando alardeávamos o fato da Zona Franca de Manaus abrigar o maior polo de eletroeletrônico da América Latina, já sabíamos fazer semicondutores, os famigerados chips daquele tempo, que era chamado de circuito integrado. Os tempos mudaram, mas a habilidade de aprendizagem nativa permaneceu.
2 O país talvez não saiba que os primeiros celulares fabricados em território nacional saíram do Polo Industrial de Manaus. Empresas como a Nokia, LG, Samsung, Sharp, Cal-Comp, CCE, Microsoft, entre tantas outras, aqui vieram desenvolver suprimentos destinados, sobretudo, ao portentoso polo eletroeletrônico, um movimento que a indústria asiática esvaziou
3 Em 2010, com sede inicial em Porto Alegre, foi instalado o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada, para desenvolvimento e fabricação de semicondutores/chips eletrônicos. Por falta de adesão da indústria nacional, na onda de esvaziamento dos programas de C&T&I, o Ceitec quase foi extinto, ou vendido em troco do atraso.
4 No ultimo dia 8 de fevereiro, no âmbito do ministério da Ciência, Tecnologia e Informação, foi criado um grupo interdisciplinar com dupla tarefa, revitalizar o Ceitec e colocar em prática, em caráter emergencial, uma politica de desenvolvimento de semicondutores no Brasil.
5 Entre as sequelas da pandemia, plantas industriais de todo país, particularmente, fabricantes de smartphones, automóveis, computadores, drones, aviões e sistemas militares, foram obrigadas a paralisar total ou parcialmente sua produção, por escassez de componentes eletrônicos, principalmente os semicondutores. Algumas deixaram o Brasil e outras ainda se debatem com problema. É hora, pois, de virar a chave.
6 O assunto foi destacado no encontro entre os presidentes Lula, do Brasil e Biden, dos EUA no mês passado, o que nos permite especular que no toma-lá dá-cá, a Amazônia e semicondutores, em algum momento, cruzaram seus destinos. Até porque, na guerra industrial entre EUA X China, os países do continente americano oferecem vantagens competitivas adicionais que poderão favorecer a indústria brasileira.
7 Os primeiros resultados começaram a aparecer. Uma delegação de empresários americanos, com a presença de um representante do governo Biden, desembarcam nesse início de mês no Brasil. É importante assinalar que o Polo Industrial de Manaus conta com diversas empresas americanas, todas participantes do PPA – Parceiros pela Amazônia, patrocinando startups de Bioeconomia e de impacto social, uma iniciativa da Embaixada dos Estados Unidos, que teve apoio do CIEAM. E ademais, os EUA são um dos principais importadores dos produtos da Zona Franca de Manaus.
8 Entre as iniciativas, já encaminhadas pelo MDIC, está uma medida provisória para redimensionar a Ceitec, a redução de tributos, flexibilização burocrática para importação de matéria-prima e programas de treinamento bilateral para profissionais do setor.
9 Da parte do EUA ainda, foi criada a Lei dos Chips, que inclui fundos bilionários de US$53 bi, do governo americano, para qualificação e produção de semicondutores. Aqueles que aderirem a esses fundos, incluindo os parceiros do continente, não poderão participar de qualquer joint-ventures envolvendo empresas da China. Diplomacia àparte, esta é uma oportunidade que não pode ser descartada. Quem sabe, um discreto percentual dos créditos de carbono, produzidos no quintal de nossa casa, não esteja buscando caminhos de benefícios para os habitantes da Amazônia.
E o que significa voltar a produzir, em manaus, um componente tão precioso? O que temos a oferecer, logística tupiniquim à parte, recursos humanos já treináveis , ou facilmente qualificáveis, para a missão e miríades de talentos de toda ordem. E o mais importante: experimentar essa alternativa singular e sustentável da produção industrial no coração da Amazônia, que não separa economia e ecologia, há 56 anos.
Comentários