“Um estudo recente, conduzido por cientistas brasileiros e britânicos, descobriu que áreas que sofrem com desmatamento severo podem ter temperaturas até 4,4°C mais altas, com consequências preocupantes para o clima regional e bem-estar humano.”
A mudança climática global é um fator que influencia no aquecimento da Amazônia. No entanto, a maior parte desse aquecimento se dá por causas locais e regionais, principalmente devido ao desmatamento. Um estudo recente, realizado por cientistas brasileiros e britânicos, foi o primeiro a diferenciar essas causas.
Conforme o estudo publicado na revista científica PNAS, áreas da Amazônia com alto índice de desmatamento apresentaram um aumento de temperatura até 14 vezes maior do que se não houvesse sido desmatada. Isso representa um acréscimo de até 4°C ou mais na temperatura.
O estudo foi conduzido por Edward Butt, da Universidade de Leeds, e Francisco Silva Bezerra, do Inpe, além de outros cientistas. Eles se basearam em informações coletadas por satélites para determinar a temperatura da superfície terrestre entre 2001 e 2020. Esse período inclui os momentos de pico do desmatamento e também os anos de redução deste fenômeno durante os governos Lula e Dilma.
Já era sabido que desmatar resultava em aumento da temperatura local. Esse fenômeno já havia sido observado na Amazônia e em outras florestas tropicais ao redor do mundo. Edward Butt, em entrevista à Folha, detalhou que quando uma floresta é derrubada, ocorrem dois efeitos contrastantes na temperatura. O primeiro é a alteração do albedo, que é basicamente a capacidade de uma superfície de refletir ou absorver luz solar. Florestas, sendo mais escuras, tendem a absorver mais luz do que campos ou pastos. Se considerássemos apenas esse aspecto, áreas desmatadas deveriam ter temperaturas mais baixas.
“Mas hoje já compreendemos bem o fato de que o resfriamento associado a um aumento do albedo da superfície não é suficiente para contrabalançar outros fatores. Os mais importantes são a perda de evapotranspiração da floresta [que produz mais chuvas, por exemplo] e da irregularidade da superfície da mata”, afirma Butt. “O resultado líquido desses três fatores é um aquecimento da superfície ligado à perda florestal.”
Efeitos regionais
Uma questão do estudo era entender se o desmate afetava não apenas localmente, mas também em uma escala regional. Em teoria, os efeitos de desmatamento em uma área poderiam influenciar regiões distantes através da movimentação de massas de ar e mudanças nas nuvens. No entanto, a extensão real desse impacto ainda não estava clara.
Os resultados da pesquisa indicam que há uma interação entre fatores locais e regionais. Em linhas gerais, quanto mais desmatamento, maior o aquecimento, o que é consistente com as observações.
Impacto na temperatura
Em regiões onde o desmatamento foi menor que 10%, houve um aquecimento de apenas 0,3°C durante o período analisado. Este valor é consideravelmente inferior à média de 0,78°C observada em toda a Amazônia brasileira. No entanto, áreas que tiveram entre 10% e 20% de sua vegetação suprimida experimentaram um aumento de 0,6°C, o que é o dobro das áreas menos afetadas. Quando se considera o mesmo nível de desmatamento em escala regional (dentro de um raio de até 10 km), o aquecimento triplica. Caso o desmatamento chegue a 50%, tanto localmente quanto regionalmente (neste caso, até um raio de 100 km), o aumento é alarmante: 4,4°C.
Uso da Inteligência Artificial na análise
A pesquisa também empregou técnicas de aprendizado de máquina, uma forma de inteligência artificial, com o objetivo de identificar padrões no impacto de diferentes níveis de desmatamento na temperatura. Basicamente, o aprendizado de máquina “treina” o sistema com um vasto conjunto de dados, permitindo que ele assimile padrões. Após essa fase, o programa analisa novos dados usando os padrões identificados anteriormente para fazer previsões.
Através desta abordagem, os cientistas determinaram que, ao tentar prever as tendências de temperatura na Amazônia, é essencial considerar tanto o desmatamento local quanto o regional (até um raio de 100 km). Isso reitera a ideia de que esses fatores estão interligados.
A perspectiva de que esse efeito de aquecimento se propague mais amplamente pela Amazônia é preocupante. Não apenas devido aos potenciais impactos no bem-estar humano, mas também pelas consequências sobre aspectos como padrões de chuva e a viabilidade de cultivos e criação de animais, que têm uma capacidade finita de resistir ao calor.
Com informações da Folha de São Paulo
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