Entenda os dados de aumento de desmatamento, quedas de autuações ambientais e desperdício de orçamento por trás do pacote de ações que questionam a política de Bolsonaro para o meio ambiente e serão julgadas a partir de hoje (30)
O Supremo Tribunal Federal (STF) dará início, nesta quarta-feira (30), ao julgamento inédito de uma série de ações contrárias à política ambiental do governo de Jair Bolsonaro (PL). Apelidado de “pauta verde”, o pacote reúne um resumo de questionamentos ao que é considerado por especialistas como o maior desmonte na legislação e fiscalização socioambiental da história brasileira.
Serão julgadas ao mesmo tempo sete ações propostas nos últimos anos por partidos políticos e pela Procuradoria Geral de República (PGR). A iniciativa é liderada pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia, esta última relatora de seis das ações pautadas. O julgamento deve seguir até a semana que vem.
O anúncio do mega julgamento foi feito após o Ato Pela Terra, mobilização de movimentos indígenas, ambientalistas e artistas ocorrida em 9 de março, em Brasília, para denunciar o “pacote da destruição”, uma série de projetos de lei que pretendem flexibilizar a legislação sobre grilagem de terras, desmatamento e mineração no país.
A expectativa dos ativistas é que o julgamento represente uma resposta mais firme do Supremo ao desmonte ambiental no governo Bolsonaro.
Na semana passada, sete ex-ministros do Meio Ambiente (Carlos Minc, Edson Duarte, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Carlos Carvalho, José Goldemberg, José Sarney Filho) visitaram Cármen Lúcia e o presidente do STF, Luiz Fux, para debater as pautas das ações.
Em entrevista ao InfoAmazonia, Izabella Teixeira (2010-2016) contou que a conversa foi aberta e técnica e pautou a visão de diferentes ministros sobre a atual conjuntura. “Tivemos olhares distintos, mas as políticas ambientais visivelmente tiveram uma progressividade desde o estabelecimento da Nova República. Ninguém desmontou o que o outro fez”.
Segundo Teixeira, os ministros se posicionaram em unanimidade considerando o atual governo uma “completa ruptura” na política ambiental. “O processo disruptivo provocado pelo atual governo é de retrocessos e não no sentido de colocar outra coisa no lugar para continuar cuidando da natureza. E isso nos parece uma afronta à Constituição”, afirma. Teixeira revelou que Fux se mostrou preocupado com os rumos da degradação ambiental no país e foi assertivo em mostrar que a casa tem “um claro entendimento sobre a responsabilidade do texto constitucional em proteger o meio ambiente”.
O processo disruptivo provocado pelo atual governo é de retrocessos e não no sentido de colocar outra coisa no lugar para continuar cuidando da natureza
Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente
Para a ex-ministra do meio ambiente, a quantidade de ações ambientais a serem julgadas reflete a falta de espaço que a sociedade encontra atualmente para dialogar com as instituições ambientais públicas no país. “A sociedade não acredita mais na capacidade do governo de fazer mudanças sérias com responsabilidade, por isso estão recorrendo ao Supremo. Eu nunca vi tanta ação com temática ambiental”, afirma.
O InfoAmazonia reuniu, abaixo, dados e números por trás das denúncias e contestações que embasam o julgamento sem precedentes de temas ambientais.
Desmatamento em ascensão
A primeira ação que será julgada é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760. Proposta pelo partido Rede Sustentabilidade em novembro de 2020, a ação cobra a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia (PPCDAm).
Lançado em 2004, o PPCDAm é uma cartilha de ações coordenadas para redução dos índices de desmatamento na Amazônia. O plano foi aplicado anualmente até 2019, o primeiro ano da gestão Bolsonaro, quando foi engavetado. O PPCDAm envolvia quatro eixos de atuação: o fomento a atividades produtivas sustentáveis, o monitoramento e controle ambiental, o ordenamento fundiário e territorial e o estabelecimento de instrumentos normativos e econômicos. Em 2016 ele entrou na sua quarta e última fase de aplicação, prevista para terminar em 2020, quando o plano seria revisto.
Segundo Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e atual especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, o PPCdam foi o principal responsável pela redução de 83% no desmatamento na Amazônia brasileira entre 2004 e 2012. “Simplesmente [ o governo federal] engavetou o PPCdam sem nenhuma razão”, afirma Araújo.
Ataque à autonomia dos órgãos ambientais
Outra ação na agenda do Supremo para esta quarta-feira é a ADPF 735, ajuizada em setembro de 2020 pelo Partido Verde. A ação contesta a retirada da autonomia dos órgãos ambientais a partir do decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) da Amazônia, estabelecido em agosto de 2019 pela operação Verde Brasil I, e renovado em maio de 2020, por meio da operação Verde Brasil II.
Com a GLO, o Ibama, o ICMBio e as polícias responsáveis pelo combate ao crime ambiental na Amazônia Legal passaram a responder diretamente ao Exército Brasileiro. A GLO da Amazônia teve fim em setembro de 2021 e foi considerada desastrosa por ambientalistas e servidores dos órgãos ambientais.
Nos dois anos em que esteve em vigor, a Verde Brasil custou aos cofres públicos um total de R$530 milhões empenhados diretamente no Comando Militar do Norte. O valor corresponde a dez vezes o orçamento anual do Ibama em 2020. Em contrapartida, a média de multas ambientais registradas nos primeiros dois anos do governo Bolsonaro foi 30% menor do que a dos anos anteriores (2015-2018).
A Verde Brasil também foi denunciada por desvio de verbas para reforma de quartéis, além de ter seus resultados questionados por servidores ambientais que alegam que o Ministério da Defesa maquiou dados, adicionando uma série de ações que ocorreram sem qualquer participação dos militares, ou nem mesmo na região da Amazônia Legal.
A Associação Nacional dos Servidores Ambientais (Ascema Nacional) se posicionou diversas vezes durante a GLO, denunciando a perda de autoridade e descarte da inteligência construída por anos nos órgãos ambientais em detrimento da doutrina militar. Os servidores denunciaram também perseguição política por parte do Comando Militar.
Cortes orçamentários
Protocolada em fevereiro de 2020 pela Rede Sustentabilidade, também está na pauta do STF para esta quarta-feira a ADPF 651, que questiona o decreto que excluiu a sociedade civil do Conselho Deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). O fundo, criado pela Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, reúne recursos que devem ser aplicados por órgãos públicos dos níveis federal, estadual e municipal, para o desenvolvimento de projetos que visem o uso racional e sustentável dos recursos naturais.
Uma análise do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra que, na prática, “nenhum centavo dos recursos autorizados no FNMA foi executado” entre 2019 e dezembro de 2021. No ano passado, foram R$30 milhões destinados ao fundo, sendo que 20% desse valor vêm dos recursos arrecadados por multas aplicadas pelo Ibama e pelo ICMBio.
“Hoje, os poucos recursos do FNMA, uma média de R$40 milhões anuais nos últimos seis anos, têm sido quase integralmente destinados à reserva de contingência financeira do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Tal despesa financeira é alocada em cada órgão e destina-se, em especial, ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal e do Teto de Gastos. Em poucas palavras bem claras: o recurso não é gasto”, afirma artigo assinado por Alessandra Cardoso, assessora do Inesc, e Suely Araújo.
Outra ação que integra a pauta verde do STF nesta semana e que tem como objeto recursos orçamentários destinados ao meio ambiente é a ADO 59. A ação pede a reativação do Fundo Amazônia, criado em 2008 e gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a partir de doações da Noruega e da Alemanha para projetos governamentais e de organizações da sociedade civil para o combate ao desmatamento e o fomento à economia sustentável.
Assim que assumiu o comando do MMA, o ex-ministro Ricardo Salles tentou mudar as regras do fundo, extinguindo o comitê técnico e orientador sem avisar os países doadores e questionando supostas irregularidades em projetos que seriam beneficiados pelo fundo, em especial, aqueles propostos por organizações não governamentais. Salles chegou a anunciar a suspensão dos repasses para essas instituições, mas acabou voltando atrás por conta de regras contratuais.
O Fundo Amazônia foi objeto de uma crise diplomática no primeiro ano do governo Bolsonaro. Diante das críticas de Salles e da atenção internacional ao aumento de queimadas na Amazônia em 2019, países europeus anunciaram boicotes ao fundo. Em agosto daquele ano, a Alemanha congelou R$155 milhões. “Apoiamos a região amazônica para que haja muito menos desmatamento. Se o presidente não quer isso no momento, então precisamos conversar. Eu não posso simplesmente ficar dando dinheiro enquanto continuam desmatando”, afirmou, na ocasião, a ministra alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze, à revista alemã Deutsche Welle.
O Fundo Amazônia reúne mais de R$3 bilhões que desde janeiro de 2019 não são empenhados, de acordo com o seu relatório de atividades. O montante é mais de 17 vezes maior do que todo o orçamento destinado para a fiscalização de crimes ambientais no Brasil em 2022 (R$190 milhões). Para Suely Araújo, não existe razão para o recurso não estar sendo empenhado.
“É um volume enorme de recursos que tinha que estar sendo usado para controle do desmatamento. A única explicação possível é não querer dar continuidade para ferramentas estruturantes para o controle do desmatamento e proteção ambiental”, afirma.
“É um volume enorme de recursos que tinha que estar sendo usado para controle do desmatamento”
Suely Araújo, ex-presidente do Ibama
Flexibilização do licenciamento ambiental e qualidade do ar
As últimas ações na pauta do STF são a ADI 6148 e a ADI 6808. A primeira é a única entre as sete ações do pacote que foi protocolada pela Procuradoria Geral de República, em maio de 2019. A ação contesta a resolução nº 491 de novembro de 2018 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que dispõe sobre mudanças nos padrões de qualidade do ar. De acordo com a apresentação da ex-Procuradora Geral da República Raquel Dodge, o novo padrão seria brando e inconstitucional, por não reduzir riscos à saúde da população ou preservar o meio ambiente.
Já a ADI 6808, proposta pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em abril de 2021, contesta a Medida Provisória 1.040/201, que prevê a concessão automática de licença ambiental para empresas de grau de risco médio, além de impedir os órgãos de licenciamento de solicitarem informações adicionais àquelas informadas pelo solicitante no sistema da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim).
O PSB argumenta que com a MP, atividades que apresentam riscos ambientais com a dispensa de licenciamento ambiental na transferência de carga de petróleo e derivados em alto-mar ou a exploração econômica de madeira e outros subprodutos florestais.
Fonte: InfoAmazônia
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