O PL 486/2022, apresentado no Senado, torna crime o cadastro em áreas protegidas e em florestas públicas não destinadas. Tática ilegal é amplamente usada por grileiros na Amazônia
Criado para facilitar a regularização ambiental de propriedades, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) tornou-se uma ferramenta de grilagem de terras, ao ser usado por invasores de forma fraudulenta na tentativa de validar a invasão de terras públicas. Por ser autodeclaratório, grileiros se aproveitam da morosidade da fiscalização para “tomar posse”, processo que inclui, claro, o desmatamento. De acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), a grilagem de terras públicas é responsável por 45% do desmatamento anual na Amazônia, sendo 28% dentro de florestas públicas não destinadas.
Com esses dados em mãos, o IPAM e a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) se articularam junto ao senador José Serra (PSDB/SP) para elaborar de forma conjunta um projeto de lei que torna crime as práticas fraudulentas de inscrição no CAR.
O projeto de lei, que ganhou o número 486/2022, foi apresentado no Senado no dia 9 de março e segue tramitação ordinária na casa. A proposta criminaliza as inscrições ilegais e proíbe o cadastro de imóveis rurais em áreas protegidas, como unidades de conservação e Terras Indígenas, e em florestas públicas não destinadas. Além do PL, José Serra irá tentar recolher as 27 assinaturas necessárias no Senado para formalizar a apresentação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no mesmo teor.
Em sua justificativa, o senador reforça que uma das maiores causas de desmatamento na Amazônia é a grilagem de terras, “atividade ilegal que vem sendo exercida por meio do registro fraudulento de áreas no Cadastro Ambiental Rural (CAR)“.
“Para fazer frente a esse problema, é preciso adotar uma política de vedação de conversão de florestas públicas não destinadas ao uso privado. Essas florestas ainda sem destinação deveriam ser alocadas, o mais rapidamente possível, a finalidades conservacionistas, como a criação de unidades de conservação da natureza, a homologação de terras indígenas e a concessão florestal. Também se faz necessário vedar expressamente as inscrições no CAR de glebas localizadas em áreas protegidas, tipificando penalmente essa conduta, e anular as inscrições já efetivadas em desacordo com a legislação. São medidas que inibiriam o primeiro passo da grilagem e desincentivariam a invasão de terras públicas e desmatamentos associados, devido à impossibilidade de regularização futura dessas ocupações ilegais”, conclui José Serra, em sua justificativa ao projeto.
A proposta altera a lei nº 8.629/1993, para estabelecer a destinação de florestas públicas; a lei nº 9.605/1998, que dispõe sobre sanções penais e administrativas, para tipificar o crime de inscrição fraudulenta no CAR – que passaria a ser punível com detenção de um a dois anos e multa; a lei 11.284/2006, para vedar a conversão para uso alternativo do solo de florestas públicas não destinadas; e o texto do novo Código Florestal, para vedar o registro no Cadastro Ambiental Rural de imóveis rurais localizados em áreas protegidas e em florestas públicas não destinadas.
De acordo com dados levantados pelo IPAM, em 2020, 18,6 milhões de hectares de áreas públicas não destinadas na Amazônia estavam registradas de forma fraudulenta como propriedades privadas no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) – o que representa 32% de todas as florestas públicas não destinadas na Amazônia. Um dos exemplos mais escandalosos dessa lógica é a Terra Indígena Ituna-Itatá, no Pará, onde os registros de CAR se sobrepõem a 94% do território .
Em fevereiro deste ano, uma nota técnica divulgada pelo instituto revelou que 51% do desmatamento na Amazônia entre 2018 e 2021 ocorreu em terras públicas, a maior parte delas (83%) de domínio federal.
O CAR foi criado em 2012 como um dispositivo do novo Código Florestal que tinha como objetivo integrar as informações sobre os imóveis rurais e auxiliar no processo de regularização ambiental. A etapa inicial do cadastro eletrônico é autodeclaratória, ou seja, é o proprietário quem coloca as informações sobre seu imóvel. Depois, estas informações são verificadas e validadas pelos órgãos competentes.
Praticamente uma década após sua criação, entretanto, uma reportagem investigativa de ((o))eco, publicada em dezembro de 2021, mostrou que somente 1% das áreas rurais registradas nos nove estados da região amazônica tiveram os dados de preservação ambiental validados em análise das autoridades. Ou seja, em 99% das fazendas na Amazônia não houve ainda verificação sobre a regularidade ambiental dos cadastros.
“A ciência e o mapeamento de dados de qualidade podem ter um papel fundamental para subsidiar a elaboração de propostas legislativas, como mostra o PL 486. Esta é a convergência que pode livrar a Amazônia da grilagem”, destaca o pesquisador sênior do IPAM, Paulo Moutinho, sobre o novo projeto de lei.
Fonte: O Eco
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