País corre contra o tempo para preservar fatias do agronegócio; regulamentação do mercado global de carbono abre oportunidade histórica para venda de créditos por captura de gases do efeito estufa
É sempre temerário falar do futuro, e a pandemia nos lembrou disso de forma dolorosa. Feita essa ressalva, 2022 tende a ser um ano marcado, do ponto de vista dos interesses brasileiros, pelo estreitamento do vínculo entre meio ambiente e comércio.
O cerco está se fechando sobre o desmatamento da Amazônia, com repercussões negativas sobre o único setor competitivo da economia brasileira: o agronegócio.
Na mesa da Comissão Europeia está uma proposta de resolução que impede a importação de commodities associadas ao desmatamento — seja ele legal ou ilegal.
Essa proposta será analisada pelo Conselho de Ministros, no qual estão representados os 27 países, e pelo Parlamento Europeu.
O Conselho será presidido no primeiro semestre pela França, historicamente a líder do protecionismo agrícola na Europa. O país, por sua vez, estará ainda sob a presidência de Emmanuel Macron, que nutre verdadeira repulsa por Jair Bolsonaro.
O presidente brasileiro endossou um tuíte machista de um seguidor, que comparava a aparência das primeiras-damas da França e do Brasil, com uma observação sarcástica: “Não humilha cara. Kkkkkkk”.
O gatilho da animosidade entre os dois foi justamente a Amazônia. No início de agosto de 2019, o chanceler francês, Jean-Yves Le Drian, veio ao Brasil, reuniu-se com ambientalistas e disse que ia cobrar Bolsonaro pelas queimadas, que atingiam o auge na estação seca.
Bolsonaro criticou a reunião. Três dias depois, cancelou, no último minuto, um encontro com Le Drian, e publicou um vídeo no Facebook cortando o cabelo, no mesmo horário em que estava programada a reunião.
No final daquele mesmo mês, Macron tuitou uma foto do ano anterior da Amazônia com o texto: “Nossa casa está pegando fogo. Literalmente”. Bolsonaro o acusou de usar foto falsa e de adotar “tom sensacionalista”.
Macron enfrenta eleições em maio. A cartada ambiental e protecionista com certeza será útil para ele.
O Parlamento Europeu, por sua vez, tem uma ruidosa bancada de esquerda e ambientalista, que também já expressou várias vezes sua rejeição a Bolsonaro, por questões de direitos humanos e também pelo desmatamento da Amazônia.
O desmatamento crescente e o aumento da sensibilidade com os temas ambientais travaram a ratificação, pelos Parlamentos europeus, do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, firmado em 2019, e anunciado como grande feito por Bolsonaro.
Os europeus querem uma cláusula adicional sobre direitos humanos e meio ambiente. Isso cria um círculo vicioso para o Brasil: adia a exposição da indústria à competição internacional e perpetua a dependência do agronegócio como fonte de moeda forte.
Os interesses de proteger o meio ambiente e os mercados agrícolas se misturam e se retroalimentam.
Tradicionalmente, os governos da Alemanha e do Reino Unido, menos dependentes politicamente do agronegócio nacional, serviam de contrapeso ao protecionismo francês na União Europeia.
O Reino Unido deixou o bloco e a Alemanha tem agora no seu governo os verdes, cuja principal bandeira é a questão ambiental.
A nova coalizão alemã, encabeçada pelos social-democratas, é o primeiro governo europeu da era ESG — sigla em inglês para Environmental (ambiental), Social (social) e Governance (governança). Ela é fruto de um acordo entre os verdes e os liberal-democratas, que representam o empresariado alemão, com uma visão contemporânea de que não há necessariamente conflito entre preservação ambiental e lucros.
Paralelamente, no Congresso americano, tramita um projeto de lei que prevê, em termos muito parecidos, proibir a importação de produtos originários do desmatamento.
É ano de eleições também nos Estados Unidos, que renovarão toda a Câmara dos Deputados e um terço do Senado.
Uma defesa do meio ambiente que não afeta diretamente o estilo de vida dos americanos e os setores produtivos do país, e ainda por cima protege o agronegócio local, parece também uma bandeira eleitoralmente conveniente.
Bolsonaro tem sentido as pressões externas e internas, inclusive do agronegócio brasileiro, que teme essas represálias comerciais.
Elevou as verbas para a fiscalização de R$ 228 bilhões para R$ 498 bilhões, autorizou a contratação de 739 fiscais e a mobilização de 700 policiais da Força Nacional.
De agosto de 2020 a julho de 2021, o desmatamento da Amazônia aumentou 22% em relação ao ano anterior. Mas esse período não reflete, digamos, a conversão do governo brasileiro, a partir da Cúpula do Clima promovida pelo presidente americano, Joe Biden, em abril.
Em julho e agosto, o desmatamento diminuiu 10% e 32%, respectivamente, em relação aos mesmos meses do ano passado.
Em setembro e outubro, voltou a subir, mas em ritmo bem menor, embora a base de 2020 seja muito alta: 2% e 5%, respectivamente. Em novembro, voltou a cair 19%. Os dados são do sistema de alertas Deter do Inpe.
Os focos de incêndios na Amazônia também caíram 35% em novembro, ante o mesmo mês do ano passado. Foi também a menor área queimada desde o início da série histórica em 2015. De janeiro a novembro, a redução foi de 26%.
De acordo com o Ministério do Meio Ambiente, isso é resultado da operação Guardiões do Bioma, que mobiliza 9 mil policiais da Força Nacional. Mais de 17 mil focos de incêndio foram combatidos e 1.100 animais resgatados nos 3 biomas: Amazônia, Pantanal e Cerrado.
Os focos de incêndio de janeiro a novembro diminuíram também 63% no Pantanal e 1% no Cerrado. A operação apreendeu 5 mil m² de madeira e 32 máquinas, e aplicou mais de 1,5 mil multas, segundo o ministério.
A imagem internacional ruim do presidente, combinada com o desmatamento e as queimadas ainda elevados na Amazônia, ainda pesam mais do que esses resultados.
O Brasil está numa corrida contra o tempo para preservar as fatias de mercado de seu agronegócio, e o cenário não é bom.
Rigor da China com o Brasil
Para completar, a China, maior parceira comercial do Brasil, tem adotado um rigor sem precedentes na esfera sanitária.
O embargo da carne brasileira causou em outubro queda de 43% no volume de exportações do produto ante o mesmo mês de 2020.
Começou no dia 4 de setembro, depois que o Brasil, cumprindo um protocolo firmado entre os dois países, comunicou dois casos atípicos — ou seja, não contagiosos — de mal da vaca louca.
A Alfândega chinesa anunciou o fim do embargo no dia 15 de dezembro — 102 dias depois. Foi a maior crise comercial entre China e Brasil em 47 anos de relações bilaterais.
O governo não deveria continuar alimentando fantasias de que a China ou qualquer outro país “precisa mais do Brasil” do que o contrário.
Há uma grande tarefa de casa a ser feita, para assegurar os mercados duramente conquistados pelo agronegócio, para expor a indústria brasileira à concorrência e para transformar a Amazônia não numa vulnerabilidade, mas numa fonte de riqueza ambientalmente sustentável.
Nesse sentido, a regulamentação do mercado global de carbono, na COP26, em novembro, abre uma oportunidade histórica para o Brasil, de vender créditos pela captura dos gases do efeito estufa e investir esse dinheiro em projetos de reflorestamento e tantos outros que diminuem as emissões. Saídas existem. O maior desafio está no timing.
Fonte: CNN Brasil
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