Nem tudo está perdido, porém. A evolução não para e a revolução – já estamos aprendendo – virá pelo investimento em CT&I.
Por Paulo Takeuchi
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Os trágicos acontecimentos na Amazônia dos últimos dias revelaram muita coisa fora de ordem, da Lei e de lugar na vida da floresta. Estes acontecimentos servem para provocar reflexões e ações que contribuam na construção de um futuro melhor para a sociedade local, nacional e global. Por isso, é importante reunir sugestões, debater problemas, planejar saídas e torná-las a realidade de um novo tempo. Ou seja, é possível antecipar a utopia Amazônia, que combina o patrimônio natural com a prosperidade social.
Vamos conversar, neste espaço institucional da ABRACICLO, sobre palpites e recomendações que a Ciência e a Tecnologia podem oferecer. Afinal, nossa entidade, uma associação de empresas produtivas e que se baseiam em conceitos e práticas avançadas de Ciência, Tecnologia e Inovação, está inserida no ambiente Amazônia, tendo orgulho de “…mostrar como o Setor de Duas Rodas, com suas fabricantes de motocicletas e bicicletas, entre outros produtos, atua para melhorar a mobilidade e o transporte nas cidades e estradas brasileiras, buscando a inovação tecnológica, qualidade, respeito às normas de segurança e de controle da emissão de gases e a flexibilidade, economia e eficiência nos deslocamentos diários”.
Ou seja, ocupamos um espaço sagrado de Ciência, Tecnologia e Inovação no coração da maior sociobiodiversidade da Terra. Nossa atividade supõe ou resulta, em parte, de laboratórios de nanotecnologia, avanços do conhecimento que permitem movimentar o microcosmo da matéria nas dimensões nano. Nano (símbolo n) é um prefixo no SI de unidades denotando um fator de 10−9, ou 1/1 000 000 000. São sistemas e instrumentos aptos a identificar, selecionar, modular e propagar espécies do ambiente natural com alto valor comercial em linha com demandas da indústria e da agroindústria no Brasil. Assim podemos ilustrar a relação íntima entre conhecimento e produção, uma equação vital e definitiva de nossa rotina fabril: os pneus, fator de mobilidade, segurança, conforto, entre outros benefícios na indústria de Duas Rodas. São feitos de borracha, que remetem a uma árvore símbolo da Amazônia, a seringueira, que os empreendedores europeus batizaram de árvore da fortuna, produtora de um leite pastoso, o látex, um verdadeiro ouro branco e fluido.
Originária da Amazônia, a seringueira, a Hevea brasiliensis, é – juntamente com a castanheira – uma das espécies nativas da floresta mais conhecida e também a mais cultivada no mundo, ocupando mais de 14 milhões de hectares. Éramos os únicos produtores mundiais de borracha, até 1910, quando os ingleses conseguiram transplantar seringueira em escala extensiva, nos seus domínios tropicais asiáticos, Indonésia, Tailândia, Vietnã e Malásia. Nossa economia quebrou, pois coletávamos borracha nas intempéries da mata fechada, um custo x benefício medieval. Perdemos a hegemonia mundial e um ciclo de muita riqueza, equivalente a 45% do PIB do Brasil por quase três décadas. Pagamos muito caro pelo desprezo à tecnologia. Hoje só produzimos 35% da borracha nativa de que precisamos. São Paulo, Minas Gerais e Goiás são os principais produtores, que fornecem 75% da borracha usada pelos fabricantes de pneus em Manaus. A Embrapa Amazônia Ocidental, depois de décadas de pesquisa para evitar o mal das folhas na cultura extensiva, conseguiu encontrar soluções tecnológicas para o Microcyclus ulei, o patógeno maldito que resseca o leite na árvore.
Nem tudo está perdido, porém. A evolução não para e a revolução – já estamos aprendendo – virá pelo investimento em CT&I. Fazendas do Centro-Oeste estão replicando a nanotecnologia desenvolvida pela Embrapa Instrumentação de São Carlos e o IAC, Instituto Agronômico de Campinas, para produção de clones demandados não apenas pelos agricultores da região e do Sudeste, como também atendendo encomendas diretamente dos fabricantes de artefatos de borracha, pneus, luvas, preservativos, peças e partes da indústria de duas e quatro rodas. Curiosamente, segundo, Maria Alice Martins, responsável pelo laboratório de Nanotecnologia da Embrapa São Carlos, os melhores clones do ponto de vista de sua adaptabilidade provém da Amazônia, do Vale do Juruá, vizinho do Vale do Javari.
E agora façamos algumas contas: entre os anos de 1985 e 2020, houve uma perda líquida de vegetação no bioma Amazônico – balanço entre perda por desmatamento e ganho com regeneração – de 44,5 milhões de hectares, extensão equivalente a cerca de nove vezes a área do Estado do Rio de Janeiro. Os dados foram compilados pelo MapBiomas em parceria com o Observatório do Clima. O Brasil prometeu no Acordo do Clima reflorestar 12 milhões de hectares até 2030. E se o país resolvesse pagar 50% dessa dívida no cultivo de seringueiras, seríamos, novamente, o maior exportador deste insumo e de saúde climática da Terra, gerando empregos e riqueza socioambiental para salvar a floresta e proteger nossa gente.
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