A arquitetura de povos originários manifesta uma profunda relação com o contexto no qual está inserida, de modo que os materiais encontrados no local são trabalhados e testados empiricamente até se desvendarem técnicas de construção e modos de habitar que melhor satisfazem os sentidos de abrigo e simbólico de uma comunidade. Na Amazônia, não é diferente. Com diversos povos habitando o seu território – seja na terra ou nas águas -, foram tecidas muitas sabedorias construtivas que são buscadas por arquitetos que trabalham nessas regiões. Assim, conjuntamente, há uma troca de conhecimentos que se embasam em culturas ancestrais para trazer novas alternativas arquitetônicas para a região.
“Vamos tentar sacudir um pouco tudo que aprendemos e nos condicionamos a utilizar, para ver se conseguimos atirar longe conceitos de construção, soluções e espaços inadequados, substituindo-os com criatividade, segurança e coragem por outros adequados a nossa região [amazônica] para benefício das pessoas que aqui vivem e moram nas casas que aqui fazem”, é a forma como Severiano Porto encerrou sua fala no Seminário “Artes Visuais na Amazônia”, em 1984.
Ao reconhecer o profundo conhecimento construtivo presente na Amazônia, um dos maiores nomes da arquitetura brasileira, Severiano Porto, demonstra como acessar essa sabedoria foi fundamental para cumprir com as necessidades ecológicas e trabalhar com os recursos técnicos da região. Ao aprender com pessoas que não passaram por academias, mas que construiram seus saberes a partir das trocas e experiência vivida, o arquiteto revolucionou seu olhar para a arquitetura e nos brindou com edifícios modernos que se adequam ao contexto amazônico de forma ímpar.
Não muito diferente desta conjuntura, hoje, ao enfrentar desafios impostos por localizações remotas – que tornam as obras pouco acessíveis à indústria da construção civil tradicional – e em busca de soluções que respeitem o meio ambiente, buscar pelo uso de materiais locais, assim como a sabedoria da mão de obra que existe nesses lugares, traz bons exemplos de arquiteturas que se relacionam melhor com o contexto amazônico, ao invés de impor uma linguagem extrínseca nesse entorno. Abaixo, selecionamos três exemplos de projetos que recorrem exitosamente a essas alternativas.
“Recorremos às habilidades da mão de obra indígena no trabalho com madeira e cipós para a cobertura e também para a estrutura periférica de 1,50m de largura que “veste” a construção central que, além de protegê-la das intempéries, abriga toda a circulação vertical e horizontal formando marquises, balcões e escadas. Desse modo, a vida no edifício se relaciona com o entorno o tempo todo, visualmente – ver e ser visto – e também construtivamente – o uso da madeira e da palha através técnicas locais”.
“Toda esta infraestrutura é construída sob os princípios do ateliê ‘lo que hay’, ou seja, materiais e sabedoria tradicional local, e as contribuições tecnológicas facilmente replicáveis para valorizar ainda mais o ancestral, colocando-o em um contexto contemporâneo. Todas as estruturas estão situadas sobre pedras enormes encontradas no próprio local, desenvolvendo assim uma tecnologia simples e replicável que utiliza a pedra como cimento, criando a estrutura particular do projeto. Todo o resto é construído com tecnologia e material local; estrutura de bambu, amarrações com vime, cobertura de palha”.
“O projeto foi estruturado em um planejamento sustentável que prevê o aproveitamento do clima, materiais e tecnologias construtivas locais. A comunidade ribeirinha sempre construiu barcos em madeira passando este conhecimento de pai para filho. Com a escassez de mão de obra local, esta tecnologia deu lugar a um hotel desenhado como um barco invertido. (…) Aproveitando a arquitetura vernacular, a proposta envolve palafitas conectadas por decks, deixando prevalecer uma ventilação inferior reduzindo a temperatura interna”.
Fonte: ArchDaily
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