Entrevista com Régia Moreira Leite, responsável pela Ação Social Integrada do Polo Industrial de Manaus – por Alfredo Lopes
“Precisamos robustecer essa corrente. E com ela abraçar Manaus, sua gente esquecida, ribeirinhos, as populações indígenas, os moradores da sua imensa periferia, os refugiados, os moradores de rua, os desempregados e os ambulantes. Em contrapartida, nós lhes oferecemos a melhor de todas as sensações, aquela que nenhum dinheiro do mundo paga, a sensação do dever cumprido e a alegria que a solidariedade representa, ou seja, uma razão de ser e um sentido para viver.“
Régia Moreira Leite
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Follow Up – As empresas do pólo industrial respondem por 80% da economia do Amazonas. Recolhem 75% da riqueza gerada para compulsão tributária do poder público. Como virar esse jogo?
Regia Moreira Leite – Às vezes me ocorre que a Lei – do jeito como é tratada no Brasil – não será capaz de virar esse jogo da cultura bacana da lógica da impunidade que estimula os corruptos e os corruptores. Precisaríamos fazer uma revolução de costumes, a partir da Educação nos primórdios da família e da escola. Só assim poderíamos construir um novo Brasil. Pensemos na situação desse momento, onde precisamos sobreviver como empreendedores e, ao mesmo tempo, salvar o maior número de vidas. E para lavar o mar de lama misturado com leite condensado, em meio à crise sanitária e de gestão pública, acho que uma revolução precisava acontecer. Não uma revolução silenciosa, muito menos sangrenta, pois violência gera violência. Mas uma revolução que soprasse um jato de luz chamado esperança pro nosso país. Como fazer, isso me escapa. Mas tenho certeza que nós precisamos disso.
FUp – E qual o papel do setor produtivo neste cenário?
R.M.L. – O Polo Industrial de Manaus luta para sobreviver. Gestores e colaboradores ralam porque já trabalham arduamente, geram riqueza, comparativamente, como nenhuma outra planta industrial e não é valorizado como deveria. Ao contrário, ainda temos que ouvir que aqui viemos para encher as burras de dinheiro e cair fora. Somados os recursos que recolhemos ao poder público nas três esferas, a cada ano, são repassados R$25 bilhões. Como pode gerar tanta riqueza para o Brasil e constatar índices deploráveis de desenvolvimento humano no Amazonas? Muitas outras regiões do Brasil tem uma situação muito mais confortável do que essa que a gente tem aqui. Empresas, entretanto, como a Samsung recolheram mais de 7 toneladas de alimentos em 2020 para aliviar a fome que se espalhou como uma pandemia paralela. Lá os colaboradores contribuíram com a metade e a empresa com a outra metade dos alimentos. Que exemplo de solidariedade tão maravilhoso de trabalhadores e investidores! A Moto Honda da Amazônia foi buscar oxigênio onde tinha. E as concessionárias Honda, de todo o Brasil, completaram a façanha com a doação de 4 mil cilindros carregados que a empresa não cessa de reabastecer. Gastaria horas para contar as lições de generosidade e cumplicidade fraterna das empresas que aqui atuam.
FUp – A Ação Social Integrada (ASI) que você dirige fez um Relatório público impactante positivamente das ações de 2020. Nesta segunda onda, como está sendo a receptividade aos novos pedidos de alimentos e equipamentos de proteção individual para os servidores da saúde?
R.M.L. – Um ou outro pode e deve argumentar que já recolhemos 75% da riqueza aqui gerada que não fica na região como a Constituição determina. A contrapartida fiscal das indústrias devem ser aplicadas para reduzir desigualdades regionais. E não para fazer do Amazonas um pote gigantesco de ouro para de leite que a União, principalmente, costuma recolher para devolver migalhas ao bem comum de nossa gente empobrecida. Se aqui fosse aplicada essa riqueza não teríamos perdido tanta gente por falta de oxigênio, de leitos de UTI, de respiradores e EPIs para proteger a vida de nossos heróis da saúde. Em princípio, isso nos deixaria de fora desse mutirão cívico. Mas desde o primeiro momento fomos acolhidos entre nossos pares, que contribuíram com algo em torno de 240 toneladas de alimentos no pico da fome e do vírus no ano que passou.
FUp – Conte mais sobre o acolhimento solidário de seus pares da Indústria?
R.M.L. – Essa onda da pandemia de 2021 gerou crise sem precedentes nestas quase duas décadas de Manaus. É um momento extremamente assustador e que impactou a todos nós de uma forma diferente daquilo que vivenciamos no ano passado. Em 2020 a pandemia chegou como uma avalanche e a gente não sabia de nada, nem nós empresários, nem o pessoal da área de saúde. O que sabíamos era da urgência em atende o pessoal da saúde com equipamentos de proteção individual, face shield, máscaras profissionais e tudo mais porque a nossa rede de saúde estava extremamente precária. Inacreditavelmente precária. Então começamos a fazer na cara e na coragem. As empresas do Polo Industrial se juntaram para aprender a fabricar face shield. Nunca havíamos feito isso, criamos face shield e diversas indústrias aqui de Manaus seguem fabricando este e outros equipamentos por que estávamos imbuídas do sentimento de ajuda, de proteção de todos os profissionais que estavam na linha de frente. Então a receptividade dessas empresas foi uma coisa linda, maravilhosa e assim, somos muito gratos por tudo o que nós conseguimos e eles, agora, seguem nos ajudando. Este ano a nova onda nos tomou de surpresa. O vírus está assolando e matando muito mais do que o pico do ano passado e de uma forma bastante violenta, trazendo outras demandas com maior urgência. Uma delas, grave e constrangedora, é o oxigênio. E, entre e as outras, a maior ainda é a fome, a miséria, as necessidades básicas, essenciais do ser humanas. Temos focado e centrado esforços neste drama. Temos solicitado e temos recebido um acolhimento muito grande, de todas as empresas com temos buscado enfrentar da melhor maneira a questão. Não imagino como seria se não tivéssemos toda essa ajuda.
FUp – Você veio para a Amazônia de uma região próspera e evoluída como o interior de São Paulo. Que retrato você faz dessa realidade tão desigual vivendo no maior habitat de riquezas naturais do planeta?
R.M.L. – A pandemia mudou a rotina do Brasil e do mundo inteiro. É uma situação que nos ensinou, não apenas nesses novos formatos de trabalhos, de hábitos, de valores. Acho que acima de tudo ela vem mostrar para todos nós seres humanos é que a arma mais poderosa contra toda essa crise que a pandemia trouxe é a solidariedade. A ausência que a gente sente de estar perto de pessoas querida, a falta do abraço, da convivência, tudo isso foi preenchido com atitudes de bondade e de amor ao próximo. E toda atitude, por pequena que possa ser, nos ajuda nessa caminhada. Estamos, por isso, escrevendo nossa história de outra maneira, sob o paradigma da solidariedade. Não sabemos se outra experiência é capaz de nos fazer tão bem. Descobrimos intensamente com a pandemia que ajudar o próximo é um dos atos mais sublimes que podemos nos fazer. É esticar a mão para o outro e buscar entender o que é desolação, a dor e a fome do outro. Muitas vezes este outro é uma criança que, cedo, tem que compreender o paradoxo da desigualdade. E quando a gente se sensibiliza com essa chaga social, além da revolta, descobrimos como é transcendente a Solidariedade. Como seria o mundo se adotássemos o paradigma da partilha. Ser solidário, decididamente, nos faz mais humano, satisfaz o espírito e se reflete ao nosso redor fazendo bem não só para quem recebe, mas para quem nos doa essa dádiva sobrenatural.
FUp – Oriunda do Sudeste, sua empresa atua em Manaus há 18 anos. Como você descreve seu cotidiano pessoal e empresarial nessa trajetória social peculiar chamada Manaus?
R.M.L. – Vivo Manaus há 18 anos. Aqui desembarquei dia 3 de janeiro de 2003. E minha empresa vai completar 18 anos em fevereiro. Fomos convidados por alguns clientes daqui de Manaus que atendíamos a partir da unidade de São Paulo. Vim para dirigir e cuidar dessa empresa e, sem me dar conta, me transformei numa Manauara ferrenha. Adoro defender essa terra, defender contra tudo, apesar de termos uma matriz em São Paulo, e uma outra unidade em Minas, mas o que nós fazemos aqui em Manaus e tudo que a gente consegue construir e fazer aqui é muito forte. Antes copiávamos aquilo que a matriz fazia como padrão e hoje a minha matriz copia as normas e procedimentos que criamos na nossa indústria aqui. E isso me deixa bastante feliz. E apesar de ter menos recursos e talvez até menos profissionais com mais habilidades porque fizeram mais oportunidades de estudo ou de anos de prática em uma indústria gráfica do porte que a gente tem, os profissionais que hoje temos foram treinados e formados por nós e eles conseguem dar resultados excepcionais perante os outros.
FUp – Que mensagem você gostaria de deixar para os que acompanham sua jornada solidaria?
R.M.L. – Quero pedir ajuda, gostaria de apelar para toda a classe empresarial e para todas as pessoas que podem estar nos ajudando nesse momento. É um momento bastante crítico para nossa cidade, onde várias pessoas estão sem os seus recursos, não conseguem gerir isso, gerir o sustento da família. Eu acho que a coisa mais importante, a vontade de ser solidário nesse momento é saber que a gente está fazendo bem ao próximo, você está fortalecendo ainda mais essa decisiva corrente do bem. Precisamos robustecer essa corrente. E com ela abraçar Manaus, sua gente esquecida, ribeirinhos, as populações indígenas, os moradores da sua imensa periferia, os refugiados, os moradores de rua, os desempregados e os ambulantes. Em contrapartida, nós lhes oferecemos a melhor de todas as sensações, aquela que nenhum dinheiro do mundo paga, a sensação do dever cumprido e a alegria que a solidariedade representa, ou seja, uma razão de ser e um sentido para viver.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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