O Vale do Silício, na Califórnia (EUA), faz parte do imaginário da tecnologia ao concentrar grande parte das potências desse setor em uma mesma região, algo entre a Bay Area de San Francisco e o Vale Santa Clara. No nosso senso comum, o local é como uma porta para um idealizado futuro da sociedade. Mas não precisamos ir tão longe: o Brasil tem seus próprios Vales do Silício, parques tecnológicos que em maior ou menor grau trazem grandes avanços mas que ainda penam para acelerar no país a união do empreendedorismo com a inovação.
Os parques tecnológicos brasileiros via de regra tentam seguir o modelo da sua matriz: sua criação vem da atuação do tripé universidades-empresas-governo. A primeira normalmente fornece os cérebros; isto é, alunos e pesquisadores. A segunda traz o dinheiro, normalmente na forma de capital de risco, além da visão comercial. E a terceira ajuda com incentivos como renúncia fiscal, financiamentos para construção de prédios, parcerias público-privadas e/ou cessão de terrenos.
Na Califórnia, o roteiro foi mais ou menos esse. O Estado abriga a Universidade de Stanford, tradicionalmente uma potência acadêmica em ciências da computação. Stanford também era uma grande incentivadora do empreendedorismo, e muitos de seus ex-alunos abriram empresas que hoje são gigantes, da Hewlett-Packard ao Google. E o governo, na forma dos militares americanos, também fizeram alguns de seus experimentos tecnológicos por lá. Em 1899, um navio enviou a primeira mensagem de telégrafo sem fio para o país, sobre o retorno da frota americana das Filipinas após a vitória na Guerra Hispano-Americana — leia o relato de jornal da época, em inglês. Depois fundaram por lá em 1933 a Moffett Field, centro de pesquisa da Marinha.
Se você prestou atenção nos anos do parágrafo anterior, percebeu que as raízes do Vale do Silício já têm mais de 100 anos. O próprio termo é bem antigo: foi cunhado pelo jornalista Don Hoefler em 1971, há 50 anos! Já os parques brasileiros surgiram bem depois. Um dos mais antigos é o Vale da Eletrônica, surgido em meados de 1985 na cidade mineira de Santa Rita do Sapucaí por conta da concentração de cursos e indústrias de eletro-eletrônica. Mas o primeiro criado e pensado para ser um parque tecnológico de fato foi o Porto Digital, no Recife, em 2000. Nove anos depois, São José dos Campos (SP) criou o seu. Apoiado pelo poder público e com a expertise de órgãos de aeronáutica, se tornou o maior do país, com mais de 400 empresas associadas.
Berços de startups
A gênese de um parque tecnológico pode ter diversas fagulhas, mas sempre começam no tal tripé universidades-empresas-governo. Em São José dos Campos, foi quando um decreto municipal permitiu que uma antiga fábrica fosse desapropriada para dar lugar ao primeiro prédio do parque. No Recife, foi uma das investidas de um grande projeto de revitalização e reocupação do governo estadual para o histórico Bairro do Recife, no centro da cidade. Há, por exemplo, desconto de 2% de ISS (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) para quem abrir empresa no local.
E claro, há os investimentos iniciais. No Porto Digital, no longínquo ano de 2000, foram R$ 30 milhões para construir três prédios e um restaurante. Já o parque tecnológico da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), as estimativas são na ordem de US$ 900 milhões para criar 14 centros de pesquisa, desde a sua fundação em 2003.
Depois de criado, um parque tecnológico tem a função de ser um ambiente com todas as condições para o surgimento de boas ideias. Seus prédios normalmente trazem arquitetura moderna, boa infraestrutura elétrica e de internet, além de escritórios para reuniões de equipes e eventualmente alguns laboratórios de pesquisa. Eles abrigam as empresas que queiram trabalhar em esquema de parceria com a universidade em questão ou mesmo colaborarem entre si. Muitas startups surgem nesses parques, mas eles também podem abrigar médias e grandes companhias.
No caso das startups, elas normalmente concorrem a editais para apresentarem suas soluções e serem escolhidas para serem incubadas por períodos que podem durar de um a três anos, para que consigam escalar seu negócio e ganhar alguma independência. Também podem receber mentorias e a interação com pesquisadores dentro de suas áreas de atuação. Empresas grandes já fazem de outra forma: costumam comprar terrenos, construir instalações e ocupá-los permanentemente — ou pelo menos enquanto a parceria fazer sentido. Em outra frente, podem pagar bolsas de pesquisa a alunos.
No parque da UFRJ, por exemplo, empresas de energia como Petrobras, BG e Technip foram desenvolver soluções para explorar o petróleo do pré-sal na costa brasileira. Já no parque da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a fabricante de eletrônicos Samsung instalou um centro de inovação no ano passado de 90 m². No Porto Digital, empresas como Fiat, Uber, Accenture, Delloite e Globo têm equipes instaladas.
Outros centros de inovação no Brasil são o Sapiens Parque, em desenvolvimento em Florianópolis há alguns anos; o San Pedro Valley, em Belo Horizonte em 2014, e o TecnoPuc, criado em 2003 em Porto Alegre.
Isso tudo volta para a população?
Por estar na ativa há décadas, abrigar gigantes como Google, Apple e Facebook e empregar mais de 1,5 milhão de pessoas, é claramente injusto compararmos diretamente o Vale do Silício norte-americano com os nossos parques tecnológicos. Mas é possível tentarmos entender as razões de nossas iniciativas serem mais modestas, pelo menos à primeira vista.
Atualmente, o Brasil conta com 43 parques tecnológicos em operação e 60 em implantação e projeto, além de 363 incubadoras de empresas e 57 aceleradoras, de acordo com os números mais recentes da Anprotec (Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores), entidade que reúne incubadoras, centros de inovação e outras entidades do tipo no país.
O retorno de todo esse esforço é diverso: boa parte do que é desenvolvido vira produtos ou serviços de empresas privadas. Mas há também os ganhos para as universidades, que conseguem instalações mais avançadas e impulsionam a carreira de acadêmicos e profissionais recém formados.
Os entraves para ampliar os atuais parques, ou desenvolver novos, são diversos. “O nosso desafio hoje é infraestrutura física. Se tivéssemos mais prédios construídos, teríamos mais empresas instaladas. E como dependemos de recursos públicos, precisamos ou esperar por algum edital para a infra do parque ou de algum recurso que o governo do estado dedique a isso”, diz Mariana Zanatta Inglez, gerente do parque tecnológico da Unicamp, que abriga hoje 35 empresas.
Para Luiz Fernando Carvalho, coordenador do escritório de projetos do parque de São José dos Campos, muitos parques ficaram engessados no modelo público, o que acaba condicionando seu funcionamento a políticas governamentais. “Aqui tem recursos públicos mas também privados. Somos uma associação privada sem fins lucrativos, o que a longo prazo ajuda no crescimento”, diz. O Porto Digital também funciona como organização social, cujo conselho de 19 membros é formado por membros do governo, de empresas e professores, sendo trocados em até quatro anos. “Se não houver uma união entre governo e universidades, dificilmente vai evoluir”, diz Pierre Lucena, atual presidente do Porto Digital.
Guilherme Dominguez, CEO do hub de inovação govtech BrazilLAB, concorda. “Não me agrada a ideia de que o poder público tem que ser financiador ou apoiador dos parques. A maioria deles tem modelo de gestão de organização social ou fundação, mas que acabam sendo financiados com recursos públicos. Se o governo mantivesse a estrutura e apoio com bolsas de pesquisa, já seria uma grande ajuda. O resto tem que ser a partir da articulação de pesquisas dentro de estratégias ora locais, ora regionais ou nacionais”, defende.
O ambiente pouco propício do Brasil para fomentar o empreendedorismo e a pouca oferta de profissionais de tecnologia do mercado também são razões apontadas por Lucena para nossos voos mais baixos. “A gente forma muito pouco, cerca de 29 mil em tecnologia por ano [a associação do setor fala em 46 mil profissionais por ano]. Se você tem pessoas capacitadas, as oportunidades chegam. A única forma de melhorar a qualidade de vida nas grandes cidades brasileiras é melhorando a renda média das pessoas. Só conseguimos isso com serviços especializados. E cada parque tem que achar o seu foco; o nosso [do Porto Digital] é software”, define Lucena.
Vicente Ferreira, diretor do parque da UFRJ, vê três problemas estruturais para impulsionar o PIB (Produto Interno Bruto) e nossos parques trazerem a utopia futurista a longo prazo. “Um é olhar para a educação, que é um investimento transgeracional, como vimos na Coreia do Sul. A outra forma é investir em infraestrutura, como no modelo norte-americano. E o terceiro caminho é a inovação, que é conseguir fazer de forma mais eficiente com menor custo. A gente investe muito pouco em inovação, e ainda o fazemos com alguma dificuldade”, defende.
Fonte: Canal Tech
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