As mudanças climáticas são o desafio que define nosso tempo, e energia limpa e transporte verde são as chaves para enfrentá-lo. Há menos de duas décadas, as emissões do setor de energia pareciam estar saindo de controle, enquanto os países estavam travados no debate sobre quem deveria arcar com os custos de uma transição verde. Alguns anos e acordos internacionais depois, as perspectivas são mais promissoras, com fontes renováveis ajudando a reduzir as emissões em 1,2% em 2019.
A descarbonização do setor de energia está caminhando na direção certa, mas com os transportes – a segunda maior fonte global de emissões de gases de efeito estufa – a situação é muito diferente.
As emissões dos transportes aumentaram 0,5% em 2019 e, embora isso seja um avanço em comparação com o crescimento anual de 1,9% desde 2000, os transportes ainda representam cerca de 24% das emissões diretas de CO2 da queima de combustível. Se quisermos manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5 °C, agora é a hora de tornar o transporte verde o padrão.
Na raiz do problema está o fato de que é mais difícil controlar as emissões dos transportes do que do setor energético. É um setor altamente descentralizado, com uma ampla gama de atores em muitos modos distintos, como ferroviário, rodoviário, aéreo e marítimo. O comportamento humano tem um papel mais importante nos padrões de demanda dos transportes e é mais difícil gerenciá-lo de forma proativa. A inovação tecnológica em transportes não tem priorizado a descarbonização, mas sim a conveniência para o consumidor, como o compartilhamento de caronas, com efeitos pouco claros sobre as emissões de carbono.
Antes do impacto da pandemia de Covid-19, economias em crescimento e expansão das classes médias frequentemente significavam migrações do transporte público para mais e maiores veículos. Também há o problema já antigo da falta de planejamento multimodal dos transportes, por conta da fragmentação institucional e jurídica.
O impacto do transporte nas mudanças climáticas é evidente. Mas enfrentar esse desafio exigirá a pactuação internacional de compromissos e muita cooperação.
Esta semana, o Banco Mundial e o WRI Ross Center para Cidades Sustentáveis estão convocando líderes do setor para fazer exatamente isso. O Transforming Transportation 2021 tem discutido como a recuperação da Covid-19 pode ser uma oportunidade para descarbonizar o setor, adotando a chamada abordagem de “evitar, mudar, melhorar”. Em conjunto com outras ferramentas, esta metodologia de três partes busca evitar deslocamentos desnecessários, transferir passageiros para os transportes público e não motorizado, transferir o transporte de cargas para o modo ferroviário, e melhorar a eficiência de combustível dos veículos para aumentar a competitividade dos modos de baixo carbono.
O Banco Mundial já está ajudando os países na reforma de subsídios a combustíveis fósseis e na adaptação de tecnologias como a mobilidade elétrica aos seus contextos. Iniciativas inovadoras também estão em pauta, como regular a exportação de carros usados – em geral mais poluentes e menos seguros – de países de maior renda para países de menor renda, especialmente para a África. O WRI desenvolve conhecimento e ferramentas baseadas em evidências para apoiar cidades e países na implementação de soluções de mobilidade que promovam inclusão, sustentabilidade e segurança, mais recentemente apoiando a transição para frotas de ônibus elétricos em dezenas de cidades em todo o mundo.
A boa notícia é que as trajetórias de descarbonização de transportes e energia estão interligadas, permitindo transformações que se reforcem mutuamente. A disseminação de tecnologias disruptivas, como a eletromobilidade e os ônibus elétricos, significa que a descarbonização da energia acabará por levar a uma mobilidade mais limpa. Além disso, o uso de eletricidade para produzir células de combustível de hidrogênio pode permitir ganhos em descarbonização nos setores de veículos pesados e marítimos. O avanço tecnológico nos transportes beneficiará a energia e vice-versa.
No entanto, para alcançar todo o potencial dessas novas tecnologias, os líderes políticos precisam fornecer incentivos adequados e adotar ações mais ousadas. Devem buscar parcerias com o setor privado e a academia para além das fronteiras da indústria. Graças às regulatory sandboxes (ambientes regulatórios experimentais), pode-se testar tecnologias emergentes e modelos de negócios em menor escala para determinar como elaborar políticas apropriadas que produzirão resultados sustentáveis.
Ainda há muito a ser feito para garantir que a descarbonização dos sistemas de transporte e da infraestrutura beneficie a todos, especialmente os pobres e aqueles com maior probabilidade de perder emprego e renda durante a transição. Construir cidades mais verdes, habitáveis e inclusivas requer modos de transporte de baixo carbono, em conjunto com melhor planejamento urbano; infraestrutura que incentive a bicicleta e a caminhada; e melhor acesso às oportunidades para mais pessoas, com deslocamentos mais curtos e menos perigosos, mais conexões com empregos, assistência médica, educação e espaços verdes.
O novo coronavírus colocou em risco muitos avanços conquistados a duras penas – da redução da pobreza à ação climática. Mas também abriu uma breve janela de oportunidade para ajudar os países a se reconstruírem melhor, enfrentando os obstáculos à economia de baixo carbono, mais resiliente e justa de amanhã.
Há muitas iniciativas promissoras no mundo. Na Índia, o Banco Mundial está ajudando a converter um trecho de 1,36 mil km do rio Ganga em uma hidrovia moderna que reduzirá cerca de 162 mil toneladas de gases de efeito estufa emitidos anualmente. De Bangalore a Buenos Aires, redes de bicicletas mais seguras e extensas estão oferecendo novas maneiras de se locomover nas cidades. Em todo o mundo, o WRI está trabalhando para apoiar e revitalizar os serviços de transporte público após quarentenas e lockdowns. O Banco Mundial também está lançando um ambicioso fundo fiduciário de transporte global para apoiar estudos analíticos e intercâmbio de conhecimento com enfoque em descarbonização. Para melhorar a qualidade do ar e reduzir as emissões, a International Finance Corporation, braço de desenvolvimento do setor privado do Banco Mundial, está investindo em ônibus e caminhões de entrega elétricos. Para ajudar as cidades a entender melhor o acesso a oportunidades, o WRI é pioneiro em análises de dados que mostram o impacto, na escala do bairro, de se investir em transportes e mudar políticas.
À medida que a COP26 se aproxima e o mundo olha para uma retomada sustentável da Covid-19, há uma janela de oportunidade única para acelerar a descarbonização dos transportes. Vontade política, ferramentas tecnológicas e incentivos econômicos estão alinhados para mudar as tendências climáticas do setor. Não devemos deixar essa oportunidade passar.
Este artigo foi publicado originalmente em Devex, parceiro de mídia oficial do Transforming Transportation 2021.
Makhtar Diop é vice-presidente para Infraestrutura do Banco Mundial.
Andrew Steer é o presidente e CEO do World Resources Institute.
Fonte: WRI Brasil
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