Novamente estamos no contrapé: destrói-se mais um pouco da indústria nacional, com uma abertura sem benefícios, enquanto o mundo se fecha e despeja dinheiro em suas economias, nós fazemos o oposto.
Augusto Cesar Barreto Rocha
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De gota a gota a Zona Franca de Manaus vem sendo desidratada, por meio de pequenas Portarias, que cortam tarifas de importação, por meio de um PPB ou outro que não saem, por meio de regras que mudam sem consulta pública, por meio de uma reforma tributária que ameaça acabar com o IPI ou ainda pelos recursos que há décadas são transferidos da região para outras regiões do país, ao invés de serem investidos nas reduções das seculares dificuldades regionais. Seguimos como uma região sem infraestrutura, pobre, desigual, de baixo IDH, onde a oportunidade de correção não é usada para isso.
Só vivemos no presente e o Brasil parece estar sempre em descompasso com o que é mais interessante para a indústria e interesses nacionais. Parece que temos uma decisão de ser colônia para sempre, como um país exportador das commodities agrícolas ou minerais. Como se elas fossem o bem mais valioso do mundo e não uma plataforma para se assentarem muitas outras riquezas, com adição de valor. Como se o papel de usar ciência e tecnologia fosse só para os gringos, que nos exportarão seus produtos recheados da nossa bauxita, em forma de alumínio, construídos com os empregados deles, alimentados por nossas proteínas e estimulados por “nosso” café.
Para ir a um passado mais remoto, no momento do nascimento vigoroso das tecnologias eletrônicas e computacionais, fizemos uma reserva de mercado que nos deixou fora das redes globais de desenvolvimento deste setor. No presente, estamos abrindo o país para a fuga do capital estrangeiro, por meio da ausência da ciência (todos os orçamentos para pesquisa científica no país foram reduzidos, isso sem falar nos discursos contra cientistas) e redução das tarifas de importação, que permitirá o continuado ingresso fácil de produtos importados. Quando o câmbio “obrigaria” uma recomposição da indústria nacional, eis que reduzimos os custos para importar, sem contrapartidas e sem pedidos ou pressões formais, desmontando mais uma oportunidade de recuperação da indústria nacional.
Novamente estamos no contrapé: destrói-se mais um pouco da indústria nacional, com uma abertura sem benefícios, enquanto o mundo se fecha e despeja dinheiro em suas economias, nós fazemos o oposto. Em Manaus, vivemos uma produção declinante do Polo Industrial de Manaus, que já faturou mais de US$ 41 bilhões e no ano passado faturou -13,6% do que em 2019. Tenho muita dificuldade de compreender as celebrações que são feitas. Voltamos a 2016 – se não for corrigido o valor pela inflação em dólar – e podemos dizer que este número é muito parecido com os US$ 22.7 bilhões de 2006. Pior do que estar em 2021 sentindo-se em 2016 é estar em 2021 lembrando-se de 2006.
Nesta dura semana, em que o mundo perdeu, dentre outros milhares, Humberto Maturana, Aleksandar Mandic e Paulo Gustavo, precisamos enfrentar a realidade do que está sendo feito com a indústria da Zona Franca de Manaus. Neste compasso, em mais uma década não teremos mais atividades industriais relevantes. A mania de autoelogio e de agir como se tudo estivesse bem, sem estar, é um dos nossos grandes equívocos que precisa ser solucionado. Temos baixo IDH, baixa riqueza e baixa produção industrial, quando comparamos conosco ou com o mundo. Onde estará nosso futuro? Onde quisermos. Ele começa hoje. Porém, é preciso ajustar a leitura da realidade, para que não sigamos a fazer mais do mesmo, a não ser para aqueles hiperindividualistas, que não estão nem aí para a vida dura, a fome ou a morte dos próximos.
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