No primeiro trimestre de 2021, um terço da derrubada registrada na Amazônia aconteceu nessas áreas, segundo dados do sistema Deter.
Um dos indícios da grilagem é o aumento do Cadastro Ambiental Rural (CAR) sobre essas florestas: a área pública declarada como imóvel rural particular aumentou 232% desde 2016, chegando a 18,6 milhões de hectares em 2020. É mais que três vezes o território do Distrito Federal e 32% de todas as florestas públicas não destinadas na Amazônia.
No primeiro trimestre de 2020, 75% do desmatamento registrado nessas áreas aconteceu onde existe CAR; em 2021, o índice foi para 79%. A quantidade de focos de calor também é superior, 2,2 vezes maior, nos terrenos declarados irregularmente como propriedade particular.
Os números reforçam a conexão entre invasão por particulares e derrubada da floresta. “Como o CAR é um registro eletrônico e autodeclarado, é frequentemente usado para simular uma titularidade da terra que não existe na realidade”, explica o pesquisador sênior do IPAM, Paulo Moutinho. “É uma grilagem institucionalizada, que usa sistemas oficiais para legitimar a invasão de um patrimônio natural coletivo e que deveria ser preservado.”
Ilegalidade
As florestas públicas não destinadas da Amazônia somam 57,5 milhões de hectares, uma área maior do que o território da Espanha e 14% do bioma. Espalhadas na região, elas são patrimônio público e deveriam ser designadas para conservação ou uso sustentável, como regra uma lei desde 2006. O atraso nesta destinação abre caminho para a grilagem.
A maior parte das florestas estão sob responsabilidade estadual (56%). Contudo, é naquelas de domínio federal que a grilagem mais avança, com 73% dos cadastros irregulares, ou 13,6 milhões de ha, em 2020, e 93% do desmatamento registrado no mesmo ano.
“O combate ao desmatamento ilegal na Amazônia começa nas florestas públicas. É preciso avaliar e cancelar imediatamente o CAR nessas áreas, sem prejudicar as comunidades tradicionais”, diz a diretora de Ciência do IPAM, Ane Alencar, principal autora do estudo.
O projeto de lei 510/2021, sobre regularização fundiária, atualmente em discussão no Senado, pode ter impacto direto sobre a situação dessas florestas. Se aprovado, ele pode anistiar ocupações realizadas até 2014, mas principalmente dar a indicação de que a grilagem vale a pena. “De tempos em tempos, as leis no Brasil são reformadas para acomodar irregularidades passadas. Esse é o tipo de incentivo positivo que a grilagem entende, e que precisamos combater”, afirma Moutinho. “Os impactos do desmatamento e do fogo para o clima são terríveis, assim como a redução de chuvas para o agronegócio. É hora de tratar as florestas como ativos, que precisam ser conservados.”
Fonte: EcoDebate
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