Energia eólica e solar fotovoltaica devem continuar ampliando a participação na matriz elétrica nos próximos anos
Um dos maiores parques eólicos da América do Sul começou a operar em junho deste ano em pleno sertão piauiense. Situado 500 quilômetros (km) ao sul da capital Teresina, o complexo Lagoa dos Ventos é formado por 230 aerogeradores, responsáveis por converter a força dos ventos em eletricidade, instalados no alto de torres de 118 metros (m) de altura. O empreendimento, fruto de um investimento de R$ 3 bilhões da empresa italiana Enel Green Power, vai gerar 3,3 terawatts-hora (TWh) de energia por ano, volume suficiente para abastecer 1,6 milhão de residências. A energia limpa e renovável gerada no local evitará a emissão de mais de 1,9 milhão de toneladas de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, quando comparado a uma usina termelétrica, segundo a companhia. Uma expansão em curso, ainda sem data para entrar em operação, elevará a atual capacidade de geração para 5 TWh por ano.
Ao ser inaugurado, o complexo eólico piauiense somou-se a outras 750 centrais similares em operação no país, 90% delas localizadas na região Nordeste. De acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (AbEEólica), essa infraestrutura, composta por 8,8 mil geradores, produziu no ano passado energia para atender a demanda de 28,8 milhões de moradias, o equivalente a 86,4 milhões de pessoas. Desde 2019, a fonte eólica é a segunda da matriz elétrica nacional e a que mais tem se expandido. Com 20 gigawatts (GW) de potência instalada operacional, é superada pela energia hidráulica, com cerca de 103 GW.
“O Brasil foi o terceiro país que mais instalou energia eólica no mundo no ano passado”, informa Elbia Gannoum, presidente-executiva da AbEEólica. Em 2020, foram inaugurados 66 novos parques e este ano, até novembro, outros 54 entraram em operação. “Fomos responsáveis por 43% da nova capacidade instalada adicionada à matriz brasileira e já somos o sétimo país no ranking mundial de geração eólica.” O potencial de geração no país é estimado em cerca de 500 GW, quantidade suficiente para atender o triplo da demanda atual de energia dos brasileiros. O número é três vezes superior ao atual parque nacional de energia elétrica, incluindo todas as fontes disponíveis (hidrelétrica, solar, biomassa, gás natural, óleo diesel, carvão mineral e nuclear).
Embora seja uma energia limpa e renovável, a eólica causa impactos ambientais e sociais: altera a paisagem onde é instalada, as turbinas geram ruído, provocando desconforto nas comunidades vizinhas, e suas pás colocam em risco pássaros e morcegos que vivem no local. Os desafios tecnológicos a serem enfrentados dizem respeito à intermitência da geração e à dificuldade de estocar a energia gerada nos parques (ver reportagem).
Uma novidade do setor é a previsão de instalação nos próximos anos dos primeiros parques eólicos no mar, a chamada geração offshore, já em operação em outros países, como Reino Unido, Alemanha e China. O governo do Rio Grande do Norte firmou em setembro um memorando de entendimento com a empresa Internacional Energias Renováveis (IER) e quer ser o estado pioneiro a gerar energia a partir turbinas instaladas no meio do mar. O Complexo Eólico Offshore Ventos Potiguar deverá ser constituído por cinco usinas com 207 aerogeradores. Localizado a 8 km da costa, terá capacidade instalada de 2,7 GW.
Alexandre Affonso
“Embora mais caros do que os projetos onshore, em terra, os parques no mar têm maior eficiência em termos de geração energética, já que o vento marinho sopra com mais intensidade e de forma mais uniforme, sem obstáculos. São projetos que precisam ter grande escala para se viabilizar”, diz o engenheiro naval Alexandre Nicolaos Simos, do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). “Eles também causam menos problemas de ruído e poluição estética, embora possam afetar o ecossistema marinho.”
No ano passado, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) lançou um termo de referência para licenciamento ambiental offshore. “Até setembro, 23 projetos haviam dado entrada no órgão, a maioria no Nordeste e alguns no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Juntos, somam quase 50 GW de capacidade instalada”, conta Simos.
O pesquisador lidera um grupo que se dedica, com apoio da FAPESP, ao desenvolvimento de geradores eólicos offshore flutuantes. A maioria das turbinas hoje em operação no mar é do tipo fixa, dotadas de pilares fincados no leito. É uma tecnologia empregada em águas rasas, junto à costa. Os equipamentos flutuantes, montados sob plataformas ancoradas com linhas de amarração, são adequados para profundidades maiores, acima de 60 m, comuns em pontos mais distantes da terra (ver Pesquisa FAPESP nº 290).
O Plano Decenal de Energia (PDE) 2030, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética do Ministério de Minas e Energia (EPE-MME), aponta que a eólica offshore é uma das candidatas à expansão da capacidade de geração elétrica no país. O Brasil, no entanto, ainda não possui uma legislação que regule a exploração de energia no mar, mas o Congresso Nacional está discutindo um projeto de lei do senador Jean Paul Prates (PT-RN) que propõe um marco legal para a atividade. “Esses novos projetos deverão começar a sair do papel no momento em que o país definir quais são as condições para sua implantação”, sustenta Simos.
Outra fonte renovável com forte presença no sistema elétrico nacional é a biomassa, principalmente aquela derivada das usinas de açúcar e álcool. “A biomassa em geral representou em outubro deste ano 9% da matriz elétrica, com 15 GW instalados – mais do que uma Itaipu. Foi a quarta principal fonte da matriz elétrica, atrás da hídrica [60%], eólica [11%] e gás natural [9,4%]”, afirma Zilmar José de Souza, gerente de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).
O país conta com 589 usinas termelétricas (UTE) operando com biomassa. O bagaço da cana é o principal insumo, responsável por mais de 80% da bioeletricidade fornecida à rede. O licor negro, resíduo da indústria de papel e celulose, com 11%, e o biogás, com 3,6%, vêm em seguida. “O setor sucroenergético tem 411 UTE em operação comercial, detendo hoje 12 GW de potência”, diz Souza.
Os primeiros estudos feitos no país para reaproveitamento dos resíduos da indústria sucroalcooleira para geração de bioenergia remontam a mais de três décadas (ver Pesquisa FAPESP nº 286). Para a bioquímica Glaucia Mendes Souza, do Instituto de Química da USP e membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (Bioen), um dos desafios do setor é diversificar a base de biomassa destinada à produção de energia. “O principal resíduo hoje é o bagaço da cana, mas o potencial a ser explorado é enorme”, declara, apresentando como exemplos lixo urbano, vinhaça e resíduos florestais, da indústria da carne e do leite. “Novas biorrefinarias estão sendo planejadas para serem flexíveis e trabalharem com diferentes biomassas.”
Segundo a bioquímica, embora haja abundância de resíduos da indústria de açúcar e álcool no país, a diversificação da base da biomassa agrega valor a mais de uma cadeia produtiva e aumenta a segurança energética. “É preciso lembrar que o uso de resíduos vai além da produção de eletricidade, podendo substituir outras demandas com biogás, biometano e calor.” Encontrar fontes alternativas é importante porque bagaço e palha também são usados para produção de etanol de 2ª geração, o que pode gerar uma competição pelo insumo.
Zilmar Souza, da Unica, destaca a importância da bioeletricidade para o equilíbrio do Sistema Interligado Nacional (SIN). “O potencial técnico de geração de bioeletricidade para a rede, com base nos dados da safra 2020/2021, pode ser estimado em 151 TWh. Considerando que a geração sucroenergética no ano passado para a rede foi de 22,6 TWh, estamos aproveitando apenas 15% do nosso potencial.”
Atualmente na lanterna no país entre as fontes renováveis, a energia solar fotovoltaica é a que mais deve crescer nos próximos anos. Estudo da EPE indica que a capacidade instalada no país em 2030 pode chegar a 8,3 GW, pouco menos do dobro da atual. Isso se deve, em larga medida, à redução do preço médio dessa fonte, hoje um dos mais baixos do país. “É mais barata do que hidrelétrica e térmicas movidas a energia fóssil e biomassa. E compete de igual para igual com a eólica”, declara Rodrigo Sauaia, presidente-executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Segundo ele, o potencial técnico da energia solar no país é de 28,5 mil GW nos grandes parques e de 164 GW nos telhados das residências.
No mais recente leilão para compra de energia promovido pela Associação Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em setembro, o megawatt-hora (MWh) da energia solar fotovoltaica foi comercializado por R$ 166,90, valor pouco superior ao da eólica (R$ 160,40) e abaixo do preço da hidrelétrica (R$ 174,30). No mesmo certame, o custo da energia gerada em termelétricas a biomassa ficou em R$ 271,30.
A energia solar no país é dividida em dois segmentos principais. As usinas de grande porte, responsáveis pela chamada geração centralizada, são fruto principalmente da contratação do governo federal em leilões e, mais recentemente, pela compra direta de grandes consumidores de energia elétrica no mercado livre. Esse setor tem 4,3 GW em operação, 2,3% da matriz elétrica nacional. “Ainda é uma fração pequena, mas está avançando e deve continuar crescendo”, diz Sauaia.
O outro segmento, o de geração distribuída, é representado por cerca de 800 mil consumidores que produzem sua própria energia a partir de módulos solares instalados nos telhados das casas e negócios e em pequenos terrenos. Nesse segmento, cujos números não entram no cálculo da matriz elétrica, são 7,3 GW de potência instalada. “Uma particularidade da geração solar distribuída é que ela ocorre por investimento direto da própria sociedade e de forma capilarizada, em todo o território nacional”, conta o físico Roberto Zilles, coordenador do Laboratório de Sistemas Fotovoltaicos do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP. “Além de aliviar a pressão sobre as represas das hidrelétricas, ajuda a diversificar a matriz.”
Zilles coordena com o engenheiro metalúrgico e de materiais Ricardo Rüther, do Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), um projeto cujo objetivo é testar a eficiência energética de um novo tipo de telha solar, projetada para substituir os painéis convencionais com células de silício instalados nos telhados. “Essa pesquisa, encomendada por uma empresa, começou em janeiro de 2020 com um tipo de telha de concreto para residências, chamada de tégula, e expandiu-se para telhas de fibrocimento”, explica Rüther. Essas últimas medem 1,20m por 2,10m, um pouco mais do que os módulos solares convencionais.
Zilles explica que as tégulas e as telhas de fibrocimento são dotadas de um dispositivo fotovoltaico, responsável por fazer a conversão da luz do sol em eletricidade. Em laboratório, os pesquisadores realizam testes para saber se elas estão em conformidade com as normas estabelecidas por órgãos técnicos, como o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). A tégula foi lançada no mercado em agosto, mas a telha de fibrocimento ainda deve levar um tempo para ser comercializada. “Os testes devem se estender pelo próximo ano. Não conheço nada parecido com elas no mercado internacional”, destaca Rüther.
O pesquisador catarinense também coordena um estudo voltado ao aproveitamento de baterias usadas de carros elétricos para acumulação da energia produzida em parques solares. “Dentro de alguns anos teremos um mercado inundado por baterias usadas de veículos elétricos. Elas perdem eficiência para uso automotivo, mas poderão ser usadas para armazenar energia gerada em centrais solares e eólicas”, diz Rüther.
Outro trabalho realizado na UFSC tem como foco a pesquisa de módulos solares móveis, que seguem o deslocamento do sol, e bifaciais, capazes de gerar energia elétrica dos dois lados. “As primeiras usinas de geração central construídas no país, em 2017, usavam painéis solares fixos. Instalados em uma estrutura metálica, eles não se moviam. Estudos apontaram que fazer o rastreamento dos raios solares ao longo do ano poderia gerar um aumento de 30% na produção. A capacidade de captar a radiação solar nas duas faces do módulo, por sua vez, aumentaria a geração em mais 5% a 10%”, conta Rüther.
Segundo ele, o uso de rastreadores solares e módulos bifaciais é uma tendência mundial. Aqui no Brasil, a soma dessas vantagens ajudou a baixar o preço da energia gerada a partir da radiação solar. “Hoje, 100% dos novos parques brasileiros são montados com essas tecnologias.”
Fonte: Revista FAPESP
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