Liderança indígena faz apelo por mobilização contra a aprovação do marco temporal e do Projeto de Lei 490
O grande líder e xamã Yanomami Davi Kopenawa não está preocupado. Ele está revoltado. O motivo: a devastadora máquina de destruição de seu povo e da floresta amazônica na qual se transformou o governo Bolsonaro. Sendo mais específico, o xamã solicita em mensagem enviada ao povo da cidade (os não-indígenas), a atenção para a votação da tese do marco temporal no STF e, também, do Projeto de Lei 490 na Câmara dos Deputados.
O marco temporal delimita a demarcação de terras indígenas àquelas que estavam em posse dos povos originários no dia da promulgação da constituição, em 1988, e visa oferecer fundamentação legal para evitar a demarcação de novas terras. O PL 490 também busca inviabilizar novas demarcações e permitir o uso de áreas já demarcadas para empreendimentos econômicos. Milhares de indígenas encontram-se em Brasília e outros seguem protestando de seus territórios para impedir o avanço dessa agenda. Nos bastidores, a bancada ruralista arquiteta a aprovação conjunta das duas pautas. Trata-se de um momento de apreensão que pode definir um novo patamar de ameaça à sobrevivência das populações indígenas no Brasil.
É nesse contexto que Davi Kopenawa faz o seu apelo. Para seu povo, que se concentra na Terras Indígena Yanomami no estado de Roraima, fronteira com a Venezuela, o avanço dos garimpeiros voltou a ser uma ameaça com a chegada de Bolsonaro ao poder – estima-se a presença de pelo menos 20 mil deles atualmente na TIY. O mercúrio utilizado na atividade garimpeira polui rios e coloca em risco a saúde e a segurança alimentar dos moradores da floresta. Indígenas isolados precisam mudar os seus locais de habitação por causa da presença dos invasores e teme-se que sejam exterminados, senão por ações violentas, por doenças trazidas pelos brancos.
O resultado do incentivo público de Bolsonaro ao uso de terras indígenas para fins econômicos que não estão em consonância com a conservação e o desprezo que demonstra pelos povos originários pode ser verificado em números: segundo o estudo Cicatrizes na floresta – evolução do garimpo ilegal na TI Yanomami, mesmo com a pandemia, a destruição gerada pela atividade garimpeira aumentou em 30% em 2020.
Segundo dados recentemente divulgados pelo Mapbiomas, entre 2010 e 2020 o garimpo em terras indígenas brasileiras registrou um aumento de 495%. O mesmo estudo aponta que a atividade garimpeira ultrapassou a mineração industrial no país no ano passado.
Além da destruição provocada pela atividade, a presença dos invasores é marcada pela tensão constante, com grupos armados e de narcotraficantes ameaçando as comunidades na TI. Em 1992, a demarcação do território foi uma conquista que parecia indicar um tempo de estabilidade e paz. Mas os invasores retornaram de forma avassaladora com a chegada de Bolsonaro ao poder. Agora, o engendrar de mecanismos legais realizado pelo governo e seus apoiadores fragiliza ainda mais a resistência – não apenas dos Yanomami, mas de todos os povos indígenas brasileiros.
Kopenawa, que sobreviveu a massacres e epidemias, passa a maior parte de seu tempo floresta adentro na comunidade indígena Watoriki. Ao longo das últimas duas décadas, assumiu a responsabilidade de, como a maior liderança de seu povo, lutar em mediação com os não-indígenas, fazendo reverberar sua voz em defesa de seu povo em organizações como a ONU e a universidade de Harvard.
Escute, abaixo, a mensagem em áudio enviada por Davi Kopenawa Yanomami ao povo da cidade, contra o marco temporal e o Projeto de Lei 490:
Fonte: O Eco
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