O cofundador do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Paulo Moutinho, disse que existe um “paradoxo” sobre o conceito de bioeconomia e defendeu uma discussão para se definir o sentido do termo que se quer adotar dentro do contexto amazônico. Segundo ele, “há uma profusão cada vez mais rápida de conceitos diferentes, cujo efeito de grande guarda-chuva pode matar todo o potencial da bioeconomia e do seu desenvolvimento, especialmente na região amazônica”. Moutinho participou do I Workshop de Bioeconomia, promovido pela FEAUSP em conjunto com o INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), com o objetivo de discutir formas sustentáveis para a geração de emprego, renda e bem-estar na Amazônia. O evento foi coordenado pelo professor Jacques Marcovitch (FEAUSP).
O pesquisador sênior do IPAM afirmou que temos de “fugir da maquiagem” e fazer algo transformador, caso contrário estaremos colocando o prefixo “bio” na frente de todo tipo de economia desenvolvida na região amazônica. “Já escutei que produção de soja transgênica é uma expressão da bioeconomia, assim como uma atividade produtiva livre de fósseis, uma produção sustentável de madeira, ou mesmo o aumento de produtos florestais amazônicos. E temos outras coisas bem estranhas: a produção de óleo em terra indígena é bioeconomia porque traz royalties para os índios continuarem a ter o modo de vida preservado e seus direitos preservados”.
Paulo Moutinho citou como principal exemplo do uso inadequado do termo aquele que é considerado o ícone da bioeconomia da Amazônia: o açaí. Ele lembrou que houve uma supervalorização da produção do fruto nos últimos anos, superando até a rentabilidade da carne e da soja. Mas destacou que é necessário definir qual tipo de produção de açaí queremos qualificar como bioeconomia.
O cofundador do IPAM alertou que existe hoje uma série de métodos de produção de açaí, cuja demanda crescente estaria destruindo, em grande parte, o modo de produção tradicional dos ribeirinhos, resultando no que ele chamou de “açaização da paisagem amazônica”. Moutinho citou como principais métodos de produção a “produtivista” e a “conservacionista”. “A produtivista aumenta realmente a produção de açaí em duas ou três vezes, mas há um custo de redução de 50% da riqueza florística onde esse açaizal está implementado”, analisou o pesquisador.
Paulo Moutinho acredita que “não basta ter um produto ou uma cadeia de valor estruturada, produzindo algo que sai da floresta ou da região amazônica, para chamá-los de bioeconomia. Falar em açaí como sinônimo de bioeconomia é algo que a gente precisa se aprofundar mais”. Disse que não estava trazendo a solução para o problema, mas levantando pontos importantes para conceituar a bioeconomia amazônica e identificar as premissas fundamentais para o desenvolvimento sustentável da região.
Workshop: prioridades para o estudo da bioeconomia
A abertura do Workshop de Bioeconomia teve a participação do diretor da FEAUSP Fábio Frezatti, do diretor científico da FAPESP Luiz Eugênio Mello, além de Carlos Roberto Bueno (Fundação Amazônia Sustentável), Paulo Moutinho (IPAM) e Eduardo Coelho Cerqueira (UFPA). Os especialistas apresentaram as prioridades para o estudo da bioeconomia na Amazônia.
O pesquisador do IPAM, Paulo Moutinho, apontou o “desmatamento zero” como a principal prioridade. “Não há mais como avançar qualquer ação de bioeconomia onde se tenha, com muito poucas exceções, o avanço do desmatamento, seja ele ilegal ou legal. Caso contrário, a própria bioeconomia não se viabilizará”. Também defendeu uma distribuição justa de benefícios: “Se não falarmos disso não teremos uma bioeconomia para a Amazônia: benefícios para quem, para quê e em que escala isso deve ser feito”.
Outros pilares fundamentais apontados por Paulo Moutinho foram o fortalecimento das dinâmicas socioeconômicas e culturais no território, além do respeito e a inclusão dos saberes ancestrais. “É preciso ter humildade e reconhecer os saberes ancestrais, especialmente dentro do processo de produção tradicional”.
Há mais de 40 anos trabalhando na região amazônica, o biólogo e pesquisador do INPA Adalberto Luís Val disse que é errado falar em diversidade na Amazônia no singular, enquanto existem diversos aspectos a serem considerados, além da questão biológica, para a discussão de ações que envolvem a bioeconomia da região. Segundo ele, a diversidade na Amazônia é bastante complexa e abrange outras áreas essenciais citando entre elas a diversidade ambiental, geológica, química e cultural.
Adalberto Val afirmou que o debate sobre a bioeconomia da Amazônia deve levar em conta a “sensibilidade ambiental”. No seu entender, quanto maior a biodiversidade, menor é a densidade de ocorrência de organismos nessas áreas. “Quando estamos pensando em cadeias de valor, em inclusão social e geração de renda, a intervenção ambiental precisa ser pensada com todo o cuidado. Exportar material da Amazônia com custos ambientais significa ter impactos em outros segmentos econômicos extremamente importantes. Quando desmatamos para ter uma monocultura no lugar, significa termos menos serviços ambientais”.
O professor Jacques Marcovitch, da FEAUSP, levantou questões que considera importantes para o debate da bioeconomia da Amazônia. Destacou, entre elas, como centrar o desenvolvimento na dimensão humana e na sustentabilidade ambiental; como promover a capacitação e recapacitação de pessoas para a construção da nova era; como a transição digital torna possível uma economia mais inclusiva e mais resiliente; como a transição digital pode reduzir a informalidade, a própria ilicitude via as novas tecnologias; e como fazer da retomada econômica o espaço de oportunidade tanto na dimensão tecnológica quanto na dimensão da sustentabilidade, sempre colocando a dimensão humana no centro do processo.
Segundo ele, a região amazônica coloca imensos desafios nesse momento para os pesquisadores, para o Brasil e para a humanidade. Marcovitch disse que a crise sanitária aumentou as desigualdades na região, houve deterioração das condições e trabalho e renda, e vivenciamos hoje “profundas mudanças na nova era”, onde despontamos como “construtores” e não como “objetos”.
O professor Jacques Marcovitch enalteceu, ainda, o trabalho da FEAUSP e da FAPESP como instituições que estão sendo desafiadas a pensar novos caminhos para a Amazônia. Marcovitch é o pesquisador responsável pelo projeto Bioeconomia – Estudos das cadeias de valor no Estado do Amazonas, pela FEAUSP/FAPESP. Informações sobre o projeto estão no site https://bioeconomia.fea.usp.br/
Fonte: FEAUSP
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