Mais de 100 países assinaram Declaração de Kunming, se comprometendo politicamente a preservar a biodiversidade do planeta
A primeira parte da 15ª Conferência da ONU sobre Biodiversidade acabou nesta sexta-feira (15) com dois grandes resultados que podem ditar os rumos das negociações futuras no estabelecimento de novas metas pós-2020.
Durante a semana, mais de 100 países assinaram a Declaração de Kunming, na qual as nações signatárias se comprometem a colocar a proteção dos habitats no centro das decisões de governo. O governo chinês, anfitrião do evento, também anunciou a criação de um fundo para a biodiversidade que permita a implementação de ações de proteção e recuperação de ecossistemas.
A Declaração de Kunming pede “ação urgente e integrada” para que a biodiversidade seja considerada em todos os setores da economia global. O documento recebeu críticas por não apresentar metas específicas para conter extinções e ter caráter apenas político, não sendo um acordo internacional vinculante, como deixou claro o Ministro do Meio Ambiente chinês, Huang Runqiu, ao apresentar o documento.
Com a perda de espécies de plantas e animais agora no ritmo mais rápido em 10 milhões de anos, políticos, cientistas e especialistas vêm tentando estabelecer as bases de um novo pacto para salvar a biodiversidade.
No centro dos esforços está um apelo das Nações Unidas para que os países protejam e conservem 30% de seu território até 2030 – uma meta conhecida como ’30 por 30 ‘.
Segundo Bráulio Ferreira de Souza Dias, ex-secretário executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e professor da Universidade de Brasília (UnB), o documento é positivo porque indica o nível de ambição política que a segunda parte da Conferência terá, quando, de fato, um novo acordo global deve ser firmado.
“A Declaração é só uma sinalização política. Nesta primeira parte da COP houve troca de ideias entre ministros, diretores de agências da ONU, organizações da sociedade civil e setor privado e é uma oportunidade para que todos possam sentir a ‘temperatura da água’, o nível de ambição dos atores políticos. Nesse sentido, a Declaração de Kunming é importante e vai na direção esperada, que é a de um melhor enfrentamento da crise de perda de biodiversidade”, disse, a ((o))eco.
Fundo para Biodiversidade
Durante a primeira parte da COP-15, realizada de forma híbrida devido à pandemia da Covid-19, o governo chinês também anunciou a criação do Fundo Kunming para Biodiversidade, a fim de apoiar ações de proteção em países em desenvolvimento.
O objetivo é que os governos tenham meios de implementar ações imediatas, assim que a estruturação do novo acordo internacional estiver definida, no primeiro semestre de 2022.
O fundo foi lançado na última terça-feira (13), com o governo chinês ditando o tom, ao investir 1,5 bilhão de yuans (cerca de 230 milhões de dólares) como aporte inicial e convidar outros países a participar.
“Esse gesto da China de criar um fundo de biodiversidade é muito positivo. O valor anunciado é significativo, mas obviamente insuficiente. De qualquer forma, o presidente da China fez um gesto de boa vontade, para iniciar a negociação mais concreta de financiamento”, explica Bráulio Dias.
Após o anúncio do lançamento do Fundo, outros países se comprometeram a investir recursos na recuperação da biodiversidade em nível nacional e internacional.
O Japão anunciou a ampliação de seu Fundo de Biodiversidade em aproximadamente US$ 17 milhões.
A União Europeia declarou que irá duplicar o financiamento externo para o tema e outros países do bloco também anunciaram suas iniciativas individuais: o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou que 30% dos fundos climáticos serão utilizados para a questão e o governo do Reino Unido anunciou que parte significativa de seu financiamento climático será direcionado para a biodiversidade.
Novo acordo internacional
A Estratégia Global de Biodiversidade Pós-2020 será estabelecida somente na segunda parte da COP-15, prevista para acontecer entre 25 de abril e 8 de maio.
Antes disso, em janeiro, negociadores dos países membros da Convenção Sobre Diversidade Biológica vão se encontrar na Suíça, com o objetivo de avançar na construção de um consenso sobre os novos marcos.
Esse encontro será importante porque, após a última rodada de revisão da Estratégia Global pelos países participantes, realizada em agosto passado, o já complexo texto ganhou centenas de contribuições.
O documento traz objetivos de longo prazo, a serem atingidos até 2050, e de médio prazo, para 2030. Além disso, o texto original apresenta um conjunto de 21 metas quantificadas, a serem viabilizadas até 2030 e implementadas antes de 2050.
Além de sugestões de mudança no texto original, os países acrescentaram novos objetivos e outras nove propostas de metas.
“O texto original, proposto em agosto, trazia objetivos de três, quatro linhas. Agora temos um texto de quinze linhas, cheio de colchetes, negritos, que são as partes modificadas pelos países. O desafio é como resolver essa situação, então, o governo da Suíça se ofereceu para hospedar as negociações presenciais necessárias em janeiro, para eliminar os pontos de discordância, encontrar os consensos e fechar o texto limpo para que possa ser aprovado em maio, na COP”, explica o professor da UnB.
Desde janeiro de 2021 – quando o prazo estabelecido no acordo anterior, as Metas de Aichi, acabou – o mundo está sem uma estratégia global para coordenar e mobilizar ações em prol da biodiversidade.
O objetivo da COP-15 é chegar a estratégias que sejam mais eficientes para o período pós-2020. Isso porque a implementação do acordo assinado em Aichi, no Japão, em 2010, foi em certa medida fracassada. Em média, os países implementaram apenas um terço das metas. O Brasil implementou metade delas.
“Essa COP é uma das mais importantes quase que desde o início da Convenção. O Plano Estratégico 2000 – 2010 foi completamente esquecido. O de 2010-2020, as Metas Aichi, tiveram muita tensão, principalmente em áreas protegidas, mas ainda sim houve um avanço e a própria Declaração [de Kunming] reconhece que houve um avanço importante, mas que não foi suficiente para atender a todas as metas”, explica Cláudio Maretti, vice-presidente da Comissão Mundial de Áreas Protegidas da IUCN.
“A gente espera uma espécie de Acordo de Paris para a biodiversidade e para os benefícios sociais associados à conservação da natureza”, diz.
Brasil na COP-15
Com a credibilidade na área ambiental perdida, devido à política do governo federal para o tema, o Brasil se mostra fragilizado nas negociações, principalmente quando o assunto é financiamento.
“A gente vive uma situação de conflito, porque o Brasil, nos últimos 30 anos antes do atual governo, foi um dos países que mais avançou na agenda ambiental no mundo, o problema está sendo a execução desse marco legal e as tentativas do Congresso Nacional de destruir essa legislação. Esse governo está destruindo tudo e eles veem isso lá fora”, diz o professor da UnB, Bráulio Dias.
Apesar dos conflitos citados, o ex-secretário da CDB afirma que os representantes do Itamaraty têm se mostrado dispostos a defender as propostas trazidas pela academia, setor empresarial e sociedade civil brasileira para a construção da Estratégia.
Segundo ele, a saída dos ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente) beneficiou as negociações. “Ficou um pouco mais fácil para nossos diplomatas defenderem posições mais racionais”, diz.
Pelo menos em um dos pontos mais polêmicos do texto da Estratégia, a definição da meta de 30% de áreas protegidas em 2030, o Brasil não se mostrou contrário. O último rascunho do documento mostra que o país não fez mudanças significativas no texto original, mantendo a porcentagem.
“Se tivéssemos um governo esclarecido e que valorizasse o meio ambiente, certamente teríamos mais protagonismo na negociações ”, finaliza Bráulio Dias.
Fonte: O Eco
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