Prevalecem as opiniões de que a ZFM renuncia impostos e que pouco arrecadaria, o que não é um fato da realidade. Assim, a nossa escada vai sendo chutada, antes da redução das desigualdades e das deficiências que temos.
Augusto Cesar Barreto Rocha
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Ha-Joon Chang, no livro “Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica”, chama a atenção sobre as nações desenvolvidas que se utilizaram e se utilizam de determinadas estratégias para construir seu desenvolvimento e, quando estão em um patamar mais desenvolvido, chutam as escadas das nações menos desenvolvidas, para que elas não façam uso das mesmas ferramentas. Propositadamente ou não, segundo ele, alicerçado por forte argumentação baseada em fatos, esta estratégia foi largamente adotada ao longo dos últimos séculos, impedindo o desenvolvimento de diversos países.
Ao analisarmos o contexto da Zona Franca de Manaus (ZFM) e as ações tomadas pelo Estado Brasileiro ao longo dos últimos anos, independentemente do partido no Governo, chama a atenção sobre como não tem sido considerada a importância dela para o desenvolvimento da região e do país. Há uma inversão no papel do Amazonas, de um local periférico, que precisa de apoio para se tornar um ambiente próspero, ao ser tratado como se já fosse desenvolvido, tal qual o contextualizado por Chang no caso das nações desenvolvidas. O fato é que, no período entre 2011 e 2015, o faturamento do PIM, em dólares, encolheu 42%. Também é fato que entre 2015 e 2020 encolheu mais 4%.
O cenário macro também é desalentador. A taxa de investimento anual no Brasil (FBCF/PIB) em 2011 era de 20,6% e desceu para 15,4% em 2019, uma queda de 25%. O investimento nacional em infraestrutura de transporte ficou em meros 0,34% do PIB. Como a deficiência de nosso estoque de infraestrutura é enorme e o investimento não tem nenhuma perspectiva de crescimento, fica difícil de acreditar numa mudança de cenário. O Brasil possui o menor estoque de infraestrutura em percentual do PIB, em relação às grandes economias globais: 36%, versus 57% do Reino Unido, 64% dos EUA, 87% da África do Sul ou os 179% do Japão, conforme dados da ABDIB e Inter.b. Na nossa região este abismo é ainda maior e sem qualquer perspectiva de mudança.
Pior do que não ter condições de desenvolvimento é o desalento das faltas de perspectivas. Não vemos uma escada para subir em relação à uma perspectiva de recuperação da Zona Franca de Manaus. O que se verifica são discursos que apontam que a indústria está bem, o que não combina com os fatos e números, servindo apenas para atrair mais críticos, que não entendem a diferença entre fatos e opiniões sobre a região. Prevalecem as opiniões de que a ZFM renuncia impostos e que pouco arrecadaria, o que não é um fato da realidade. Assim, a nossa escada vai sendo chutada, antes da redução das desigualdades e das deficiências que temos.
A mudança da realidade começará a partir do momento em que nós percebermos que não estamos bem, nem quando comparados conosco. Quem está bem não precisa de melhoria. Por outro lado, quem possui problemas seculares de falta de infraestrutura, quem possui uma indústria que encolheu 44% na última década, quem acredita possuir uma riqueza potencial e tem certeza de uma pobreza real é que pode querer a transformação para melhor. Enquanto acharmos que estamos bem, será difícil criar um esforço nacional para que a o Amazonas e a Amazônia saiam da condição periférica e de subdesenvolvimento humano em que se encontram. Juntar esforços internos para esta transformação é um grande desafio. Quem sabe, após isso, poderemos encontrar outros brasileiros que queiram se juntar ao esforço hercúleo para transformar este potencial em realidade. Enquanto isso, nós vamos chutando a nossa escada.
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