A Câmara dos Deputados aprovou no plenário nesta terça-feira (03) o projeto de lei 2633/2020, conhecido como PL da Grilagem, por 296 votos a favor e 136 contra. A proposta flexibiliza as regras da regularização fundiária de terras públicas federais e passa de 4 para 6 módulos fiscais o tamanho da propriedade ocupada que poderá ser regularizada com dispensa de vistoria pelo Incra. A medida, na prática, permite a regularização de áreas invadidas ou ocupadas irregularmente que podem medir de 5 a 660 hectares, dependendo do município.
As novas regras valerão para propriedades rurais ocupadas em todo território nacional.
O relator da proposta no Plenário, deputado Bosco Saraiva (Solidariedade-AM), defendeu a ampliação da dispensa para até seis módulos fiscais, pois, segundo ele, esse tamanho corresponde a 92% das propriedades passíveis de regularização fundiária.
“Daremos condições ao INCRA de atender com maior celeridade esse grupo, que, segundo números oficiais do Governo, engloba cerca de 92% dos agricultores, que ocupam, aproximadamente, 47% da área a ser regularizada. Já para os ocupantes de áreas maiores, a regularização continua a depender da vistoria prévia. No entanto, também para essas áreas com mais de seis módulos fiscais, a regularização poderá ser realizada de forma mais eficaz, visto que todo sistema ficará menos congestionado”, disse.
A oposição, que tentou obstruir a votação, argumentou que a lei em vigor já contempla a regularização de pequenos produtores rurais, que possuem imóveis de até 4 módulos fiscais – módulo fiscal é uma unidade que varia de acordo com o município e cada módulo pode corresponder de 5 a 110 hectares.
“Eu não lembro a última vez em que esta Casa se reuniu para debater projetos de lei para avançar na titulação dos 5.500 quilombos que reivindicam o seu território, e, até agora, esta Casa não debateu seriamente. Nós temos hoje aproximadamente 50% das terras indígenas que não foram demarcadas. Esta Casa não discute para avançar no reconhecimento e na titulação dessas terras. Nós temos milhares de comunidades tradicionais que reivindicam a criação de reserva de desenvolvimento sustentável, e esta Casa não senta para debatê-la. Estão querendo falar e falam que mais de 90% dos agricultores familiares estão contemplados neste projeto de lei. Mas já existe legislação, e o INCRA não a implementa. Não há necessidade de aprovação de uma nova lei”, reclama o deputado Nilto Tatto (PT-SP).
A votação do texto principal, com a emenda substitutiva do relator Bosco Saraiva (Solidariedade-AM), começou no início da noite e foi aprovada. Foram apreciados 12 destaques que modificam parte do texto principal, além de dois destaques que foram retirados de votação pelo autor da emenda. O plenário apreciou cada um e rejeitou todos os destaques, inclusive as emendas que aumentavam de 6 para 15 módulos fiscais o tamanho das propriedades rurais beneficiadas pelas novas regras. Preferiram manter o texto acordado entre governo e maioria. Agora o projeto vai para o Senado para ser apreciado.
Conheça os principais trechos do projeto
O projeto trata da regularização fundiária das ocupações em terras da União ou do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e valerão em todo o País, em vez de apenas os localizados na Amazônia Legal. O marco temporal continua a ser 22 de julho de 2008, atualmente prevista na lei em vigor.
Os requisitos para a regularização fundiária de imóveis de até seis módulos fiscais serão averiguados por meio de declaração do ocupante, que está sujeito à responsabilização penal, civil e administrativa.
Entre os documentos exigidos do requerente estão:
- comprovação de Cadastro Ambiental Rural (CAR) ativo
- declaração de que exerce ocupação e exploração a área antes de 22 de julho de 2008
A regularização de imóveis poderá beneficiar ocupantes multados por infração ao meio ambiente, se for atendida qualquer uma destas condições: imóvel registrado no Cadastro Ambiental Rural (CAR); adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA); ou o interessado assinar termo de compromisso ou de ajustamento de conduta para recuperar vegetação extraída de reserva legal ou de Área de Preservação Permanente (APP).
O Incra verificará as condições do imóvel junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e também poderá dispensar a realização da vistoria prévia de imóveis com área de até seis módulos fiscais.
Será proibida a regularização em caso de:
- dono de outro imóvel rural em qualquer lugar do País;
- beneficiário de programa da reforma agrária;
- empregador citado no cadastro daqueles que submeteram trabalhadores a condições análogas às de escravo;
- ocupante ou cônjuge/companheiro que sejam servidores dos ministérios da Economia ou da Agricultura, do Incra, da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) ou de órgãos de terra estaduais ou do Distrito Federal
Boxe: Agência Câmara dos Deputados.
Ambientalistas se pronunciam
“Lei totalmente desnecessária, uma vez que a legislação atual já prevê regras mais flexíveis para ocupações de até quatro módulos fiscais. Lei irresponsável, que estimulará novas ocupações de áreas públicas e mais desmatamento. Lei criminosa, direcionada a respaldar grilagem. Mais importante: é evidente que o texto da Câmara tende a ser piorado no Senado, com adoção dos parâmetros do PL 510/2021, de autoria do Senador Irajá Abreu. Os retrocessos não vão parar.” diz Suely Araújo, analista sênior de políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.
Para a coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace, Mariana Mota, a aprovação do PL passa o recado que vale a pena invadir e desmatar terras públicas. “Não há ninguém mais feliz que grileiro nesse momento, tendo governo e congresso a serviço deles. O desmatamento e a violência por terras ganham um grande impulso hoje”, disse.
Para a advogada Juliana de Paula, do Instituto Socioambiental, o país tem lei suficiente para atender à demanda de regularização fundiária. “A lei em vigor, alterada em 2017, já facilitava a titulação de pequenas posses rurais. O texto do PL 2.633 beneficiará grandes latifúndios e desmatadores ao permitir a entrega de títulos sem a aferição da regularidade ambiental da área. O discurso de combate ao desmatamento, portanto, é falacioso. É importante lembrar que temos uma extensão de terras equivalente ao estado do Rio Grande do Norte sem destinação no Brasil. É um enorme patrimônio público, que não pode ter o grileiro e o crime organizado como destinatários privilegiados”.
“O texto aprovado na Câmara possui brecha que pode permitir que áreas de florestas públicas ocupadas e desmatadas a qualquer tempo sejam regularizadas via licitação, com critérios a serem definidos pelo Poder Executivo via decreto. É um grande estímulo à continuidade da grilagem, visando à apropriação e titulação de terras”. Brenda Brito, pesquisadora do Imazon.
Fonte: O Eco
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