Em 35 anos, país gastou mais de 3 bilhões de dólares por ano para lidar com as consequências das invasões biológicas, mas menos de 2% foram gastos em prevenção
No decorrer de 35 anos (1984-2019), as espécies exóticas invasoras custaram bilhões ao Brasil, mas apenas 1,8% do valor foi usado para prevenção. É o que aponta o artigo “Os custos econômicos das invasões biológicas no Brasil: uma primeira avaliação” (em tradução livre). O estudo foi publicado na edição especial da revista “NeoBiota”, uma das mais prestigiadas publicações sobre espécies e invasões biológicas.
Espécies invasoras são aquelas que foram introduzidas, de forma acidental ou não, em um ambiente que não é o seu de origem e, por ausência de predador, conseguem se adaptar, prosperar e competir com as espécies nativas por comida e território. Esse fenômeno é causador de grandes impactos no equilíbrio da natureza, afetando, por consequência, a biodiversidade, os serviços ecossistêmicos, o bem estar e a saúde humana e, também, a economia.
Rafael Zenni, doutor em ecologia e biologia evolutiva, é um dos pesquisadores brasileiros que participou do estudo. Ele explica que essas invasões são um processo inerentemente associado à atividade humana, mas não necessariamente voluntária. “O Aedes aegypti (mosquito da dengue), por exemplo, veio da África por acidente, ainda na época colonial, hoje está presente no Brasil inteiro e, talvez, seguido da Covid-19, seja o maior problema de saúde pública enfrentado atualmente”, explica.
No Brasil estima-se a ocorrência de ao menos 1214 espécies exóticas estabelecidas, das quais 460 são reconhecidas como espécies invasoras, ou seja, que se adaptam ao ambiente e competem com as espécies nativas por recursos como território, água e alimento. No estudo realizado, foram analisadas apenas 16 espécies. A partir do InvaCost (banco de dados global sobre espécies exóticas invasoras), os pesquisadores encontraram que os custos reportados para o Brasil apresentam valor mínimo de 105,3 bilhões de dólares americanos ao longo de 35 anos, custando, em média, US$ 3,02 bilhões por ano. No entanto, foi detectado que US$ 104,33 bilhões (aproximadamente 99% do valor mínimo) estão relacionados aos prejuízos, como danos e perdas, enquanto apenas US$ 1,9 bilhões (1,8%) foi investido em ações preventivas como o de manejo, controle ou erradicação de espécies.
Há uma grande variabilidade dos custos por espécies, o menor valor foi do teiú (Salvator merianae), com US$ 3,15 mil, e o maior foi da mosca branca (Bemisia tabaci), com US$ 27,69 bilhões. A agricultura foi a área mais prejudicada, seguida da saúde.
“É um problema silencioso, mas é um problema gigantesco”, declara o cientista Rafael Zenni.
O ecólogo conta que a prevenção é a única maneira de evitar os impactos causados pelas invasões biológicas: “Ela (a prevenção) exige uma ação integrada, ampla e de longo prazo. É uma atividade bem complexa porque tem que trabalhar com legislação, com todos os tipos de fronteiras (aeroportuárias, terrestres e estradas), então é um esforço contínuo”, explica.
Além da complexidade, o pesquisador também considera que ações de prevenção dependem bastante de um trabalho de avaliação das áreas, espécies e fontes de maior risco, e isso o Brasil está fazendo, pelo menos em termos de espécies invasoras, só agora.
Custo do atraso
Quando não há forte investimento em prevenção, os custos referentes às invasões biológicas ficam mais caros. A tentativa de controlar essas invasões para diminuir seus impactos ecológicos e no bem estar humano, depois que já estão estabelecidas no ambiente, acabam consumindo recursos de diferentes setores. No Brasil, espécies exóticas invasoras podem rapidamente causar danos em campos de plantações e diretamente impactar uma ampla gama de commodities, impondo bilhões de reais em reparação de danos, mitigação de invasão de espécies e, por fim, em estratégias de prevenção. Quando se fala em áreas tropicais, como a Amazônia, essas espécies também afetam de forma severa o bem estar e saúde da população da região. O Aedes aegypti, famoso mosquito da dengue, mas que também transmite a febre Chikungunya e o vírus Zika, é a espécie mais custosa para o orçamento brasileiro quando se trata de controle da população, custando bilhões com inseticidas, larvicidas e cuidados médicos.
Zenni conclui que esses custos são altos e, geralmente, estão mascarados em outras áreas. De acordo com ele, o compartilhamento desses dados econômicos é interessante para uma nova perspectiva, para mostrar a necessidade de prevenir esse desgaste ambiental e econômico, e espera que ações apropriadas sejam feitas com a informação em mãos.
“Esses custos são altos, eles existem em todos os setores da sociedade e as pessoas estão arcando com esse custo. Ele tá na saúde, no SUS, na conta de luz – porque o mexilhão dourado tem um custo para a hidrelétrica, então esse custo é repassado e as pessoas não sabem disso (Limnoperna fortunei é a única espécie de ecossistema aquático com custos reportados e, sozinha, totalizou US$ 9.97 milhões). Invasões biológicas não são uma coisa que acontece do outro lado, em outro lugar, como no parque ou na reserva, mas que também tá no cotidiano das pessoas e tá todo mundo pagando por isso”, informa.
Leia o estudo na íntegra.
Fonte: O Eco
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