A Floresta Amazônica é o maior celeiro de seres vivos da Terra e boa parte das espécies que existem na região ainda é desconhecida
Por Daniel Hessel Teich
Existem dezessete países no mundo considerados “megadiversos” pela comunidade ambiental. São nações que reúnem em seu território imensas variedades de espécies animais e vegetais. Sozinhas detêm 70% de toda a biodiversidade global. Normalmente, a “megadiversidade” aparece em regiões de florestas tropicais úmidas. É o caso de países como Colômbia, Peru, Indonésia e Malásia. Nenhum deles, porém, chega perto do Brasil. O país abriga aproximadamente 20% de todas as espécies animais do planeta. A variedade da flora também é impressionante. De cada cinco espécies vegetais do mundo, uma está por aqui. A explicação para tamanha abundância é simples. Os 8,5 milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro englobam várias zonas climáticas, como a equatorial do Norte, a semiárida do Nordeste e a subtropical do Sul. A variação de clima é fator determinante para tamanha diferença ecológica. O Brasil é dono de sete biomas (zonas biogeográficas distintas), entre eles a maior planície inundável (o Pantanal) e a maior floresta tropical úmida do mundo (a Amazônia).
A Floresta Amazônica é a grande responsável por boa parte da riqueza natural do país. Com 5,5 milhões de quilômetros quadrados … deles no território brasileiro, possui nada menos do que um terço de todas as espécies vivas do planeta. No Rio Amazonas e em seus mais de 1 000 afluentes, estima-se que haja quinze vezes mais peixes que em todo o continente europeu. Apenas 1 hectare da floresta pode trazer até 300 tipos de árvore. A floresta temperada dos Estados Unidos possui 13% do número de espécies de árvores da Amazônia. A Floresta Amazônica é a grande “caixa preta” da biodiversidade mundial. Há estimativas que indicam existir mais de 10 milhões de espécies vivas em toda a floresta, mas o número real é incalculável.
Para se ter uma ideia do grau de desconhecimento sobre a Amazônia, sua região mais rica em biodiversidade foi descoberta recentemente. O Alto Juruá, no Acre, ostenta o saldo invejável de 616 espécies de ave, cinquenta de réptil, 300 de aranha, 140 de sapo, dezesseis de macaco, além de 1 620 tipos de borboleta. Tudo isso em um ambiente já alterado pelo homem. O curioso é que, segundo os cientistas, foi exatamente a ocupação humana (em baixa escala, é claro) que deu ao Alto Juruá a exuberância que existe hoje. O desmatamento moderado para a criação de roçados e clareiras nos seringais é semelhante à ação de pequenas devastações naturais, como tempestades. Espécies já estabelecidas e dominantes são abaladas e cedem espaço a outras mais frágeis, que, sem esses minicataclismos, não teriam condições de se impor e florescer.
O termo biodiversidade, ou diversidade biológica, é usado para descrever a variedade da vida em uma região. Quanto mais vida presente, mais biodiversa a região se torna. O cálculo da biodiversidade é feito através da quantidade de ecossistemas, espécies vivas, patrimônio genético e endemismo, ou seja, ocorrências biológicas exclusivas de uma região. O Brasil é o país com maior quantidade de espécies endêmicas: 68 mamíferos, 191 aves, 172 répteis e 294 anfíbios. As atuais estatísticas sobre biodiversidade, tanto no Brasil, quanto no resto do mundo, são baseadas apenas nas espécies conhecidas até hoje. Cálculos da Universidade Harvard feitos em 1987 estimavam a existência de algo em torno de 5 milhões de espécies de organismos vivos no planeta. Estudos mais recentes mostram que a biodiversidade global deve se estender a até 100 milhões de espécies. Destas, apenas 1,7 milhão já foram catalogadas. A disparidade entre o que se conhece e o que se acredita existir evidencia como sabemos pouco sobre a biodiversidade mundial.
Novas espécies são descobertas todos os dias e uma amostra desse potencial é registrada nos levantamentos científicos feitos na região amazônica brasileira. É o caso do estudo Novas Espécies de Vertebrados e Plantas na Amazônia, divulgado em 2017 pela organização não governamental WWF-Brasil e pelo Instituto Mamirauá, órgão de pesquisa ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. A iniciativa, conduzida em pesquisas de campo realizadas entre 2014 e 2015, catalogou 381 novos tipos de animal e vegetal, originando um inventário que inclui, por exemplo, o boto-do-araguaia (Inia araguaiaensis), descrito por pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Com pele variando de rosa a cinza e de 1,5 a 2,5 metros de comprimento, ele tem o focinho longo e a testa proeminente. É geneticamente distinto do boto-da-amazônia (Inia geoffrensis), abundante em toda a região, e do boto-da-bolívia (Inia boliviensis), encontrado em uma área menor no sul da Amazônia. Anteriormente, duas outras edições do estudo já haviam listado uma grande variedade de novas espécies, sendo 1 200 identificadas entre 1999 e 2009 e 602 descobertas de 2010 a 2013.
Ainda assim, no Brasil, milhares de animais, plantas e microrganismos ainda estão para ser descobertos, graças à variedade climática e de ecossistemas do país. Na própria Amazônia, há uma diversidade enorme de ambientes, que vão das áreas de mata fechada aos cerrados. Calcula-se que hoje no Brasil s exploração da biodiversidade responda por cerca de 5% do PIB do país, 4% dos quais vêm da exploração da floresta e 1% do setor pesqueiro. Uma pesquisa publicada recentemente na revista Nature mostra que o valor dos serviços proporcionados pela biodiversidade mundial pode atingir os 33 trilhões de dólares por ano. É um patrimônio mal explorado. Pesquisas sobre o potencial farmacêutico de espécies da Amazônia praticamente não existem no país. Também é grande o contrabando de espécies na chamada biopirataria. São problemas que só serão resolvidos quando o país perceber que é mais vantajoso tirar dinheiro da floresta viva do que devastá-la.
Fonte: Veja/ Publicação autorizada
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