Dois cientistas que trabalham permanentemente com a questão das mudanças climáticas a partir da Amazônia, Niro Higuchi, do INPA e
Luciana Gatti, do INPE, se manifestaram sobre a dramaticidade do Relatório do IPCC, e da dificuldade da floresta amazônica, sob queimadas
e desmatamento, cumprir seu papel de redução dos distúrbios das mudanças climáticas. Acompanhe.
Por Alfredo Lopes
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O Relatório do IPCC, Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas, na semana passada, determinou um SOS do tamanho do planeta.
Incêndios, enchentes, mortes e destruição sem precedentes e nos países centrais, incapazes de conter ou sanar as mazelas dos episódios. Em
poucas palavras, a gravidade climática fugiu do controle, e começamos a trilhar um caminho sem volta. Mais dramático ainda é descobrir que nosso resguardo climático, a Amazônia continental, segundo estudos do INPE e do INPA, começou a emitir mais carbono do que fixar, portanto, devolver oxigênio nos parâmetros habituais. Motivo compreensível para deprimir sobretudo quem acompanha em laboratório esse agravamento ao longo dos últimos anos.
É o caso de Luciana Gatti, cientista do INPE, debruçada no acompanhamento do desempenho da floresta em combate as sequelas das mudanças climáticas. ‘Na Amazônia, a realidade é pior do que disse o IPCC’, desabafou numa entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, no
último dia 22.
Consultado pelo portal BrasilAmazoniaAgora, outro cientista que trabalha com este movimento planetário chamado floresta amazônica, Niro Higuchi, concordou com a dramaticidade da questão: “As consequências podem ser piores do que as reportadas pelo IPCC.” Tanto Gatti, como
Higuchi se prontificaram a recomendar algumas medidas, entretanto, discordam em seus respectivos encaminhamentos e pontos de partida.
Segundo Higuchi, que atua no INPA há mais de 40 anos, é preciso monitorar fundamentalmente a temperatura da Terra. Diz ele: “Como te mostrei em conversas anteriores, minha intuição é baseada na dinâmica da temperatura dos últimos 140 anos (1880-2020). É clara a relação entre emissões de gases de efeito estufa (GEE) e temperatura de superfície da Terra. No entanto, não é linear e, aparentemente, as leis de Newton não explicam o que aconteceu a partir de 1880. O que me leva a intuir que, se houver uma freada nas emissões, uma força inercial vai se manifestar e a temperatura deve continuar aumentando. No nosso caso, uma freada brusca no carro, o cinto de segurança nos impede de alcançar o para-brisa”.
Para Luciana Gatti, na entrevista ao Estadão, o impacto da descoberta lhe causou depressão: “Tenho uma relação muito forte com a natureza. A Amazônia é como um ser gigantesco, uma divindade enorme. Imaginava que aquela grandeza toda fosse capaz de achar uma saída para o dano que lhe estamos fazendo. Quando vi que não, isso me baqueou. Do ponto de vista científico, a Amazônia, hoje se acredita, está compensando uma quantidade muito grande do quanto a humanidade está emitindo de CO2 na atmosfera. Então, não só não tê-la ajudando como vê-la contribuindo (para emitir mais CO2)… significa que a realidade é pior do que o que o IPCC disse. Cerca de 86% das emissões mundiais vêm da queima de combustível fóssil e 14% das mudanças do uso da terra e floresta. Se imagina que a Amazônia está contribuindo com 20% de toda a remoção que é feita na parte continental. Só que não…”
O dever de casa obrigatório
Para Higuchi, uma das possibilidades num futuro próximo teria consequências deprimentes: “Essa força inercial pode nos levar à uma sensação de impotência. Isso seria péssimo para esta e para a próxima geração. Do ponto de vista técnico-científico, porém, precisamos destacar duas decisões importantes do Acordo de Kopenhagen (COP 15, 2009).”
Diz o pesquisador, uma das decisões é a introdução do REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestal) e a outra são as instruções para: (a) identificar as forças motrizes do desmatamento e degradação florestal; (b) identificar atividades no país que resultem em
reduções de emissões e estabilização dos estoques de carbono; (c) utilizar o guia mais recente do IPCC para esses trabalhos, especialmente, para estoques e diferenças de estoques de carbono das florestas; (d) utilizar a combinação de trabalhos de sensoriamento e inventários de campo para estimar os estoques e diferenças de estoques de carbono. No item (d), a COP deixa claro que sem essa combinação (sensoriamento e campo) não há jogo; e mais: as incertezas propagadas nas diferentes escalas (equações, inventário, imagens de satélite) têm que ser reportadas, completou.
Para Luciana Gatti, “Se a gente conseguir proibir queimada e desmatamento no ano que vem, a Amazônia vai remover mais carbono do que emitir. Então, já vai conseguir se recuperar um pouco. Se ainda fizer projetos de reflorestamento ainda mais. Veja que esse processo está
acontecendo na parte leste da Amazônia que tem área, em média, 30% desmatada. O que nosso estudo está mostrando? Que com 30%
desmatado a Amazônia é mais fonte do que sumidouro”. Para a pesquisadora, na citada entrevista, ao dizer que a Amazônia está emitindo
mais do que absorvendo, não fala só da floresta, mas de tudo o que está acontecendo lá. “Quem está emitindo são desmatamento e queimadas.
As emissões dessas duas são três vezes maiores que a absorção que a floresta está fazendo. A Amazônia ainda remove carbono da atmosfera, mas muito menos do que se acreditava. A média, em nove anos, foi de 130 milhões de toneladas de carbono. Mas desmatamento e queimadas emitem cerca de três vezes esse valor, 410 toneladas. A Amazônia está jogando na atmosfera 290 milhões de toneladas de carbono por ano.
Quando eu falo carbono é só carbono, não CO2. No balanço (entre emissões e absorção de CO2), o total é de 1,06 bilhão de toneladas de dióxido de carbono lançados por ano. Das emissões (totais), 1,51 bilhão vem de queimadas. A floresta consegue remover 30% desse valor. Essa é a Amazônia total. A parte brasileira, sozinha, é bem pior.”
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