O governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (Sima), está sacrificando três centenárias e respeitáveis instituições: o Instituto Florestal, extinto pela Lei 17.293/2020, e os institutos Geológico e de Botânica. Sob o embuste da modernização e da economia de recursos em decorrência da pandemia, o governo paulista extingue as instituições responsáveis pela geração de conhecimento em matéria ambiental, especialmente no que tange à conservação de áreas protegidas.
Para acomodar precariamente a situação, o governo anuncia um “novo” instituto de pesquisa voltado para a área ambiental, erigido sobre os escombros de instituições renomadas. Coloca em risco o futuro da qualidade ambiental do Estado de São Paulo, baseando suas ações primordialmente nas finanças, mirando as áreas protegidas apenas sob a ótica de possibilidades de negócios.
Com isso, arrisca o patrimônio ambiental público paulista, ao tirar essas áreas de uma instituição de administração direta, cujo quadro funcional é todo de estatutários – ou seja, funcionários concursados cujo compromisso é com a sociedade – e transferi-las para uma fundação na qual os cargos são indicados e onde prevalece os interesses do governo do momento (pois é quem faz as indicações), podendo flexibilizar a utilização dos recursos financeiros gerados nessas áreas protegidas.
Desde agosto de 2020, quando do encaminhamento para a Assembleia Legislativa do polêmico projeto de lei 529, ficou claro que para o governo paulista a pesquisa científica, a geração de conhecimento e a conservação do meio ambiente não são prioridades. O sucateamento das universidades, o sequestro de recursos da Fapesp e o desmonte dos institutos de pesquisa escancararam o descaso com esses assuntos.
Ao mesmo tempo que o retrocesso ambiental ficou patente com a extinção, sem a devida motivação, dos institutos que são referências na geração e aplicação de conhecimentos na área ambiental, o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) se apresenta cada vez mais neutralizado por uma condução autoritária. Sem mecanismos eficientes de participação social e transparência sobre o sistema de meio ambiente estatal, são destruídos, sem aval do Consema, institutos responsáveis pela própria história ambiental paulista.
O Instituto Florestal (IF) é uma das instituições ambientais mais antigas do Brasil. Atuante desde 1896, teve papel marcante na conservação, na pesquisa, na produção e no desenvolvimento florestal com espécies exóticas, influenciando ações e políticas de âmbito nacional.
Sediado no Parque Estadual Alberto Löfgren (Horto Florestal), zona norte da Capital, desde a sua origem, quando a área foi desapropriada e adquirida para esta finalidade, o IF é o responsável direto pela criação e amplo desenvolvimento de uma rede de áreas protegidas que abrange desde o Parque Estadual da Ilha do Cardoso, em Cananéia, até o Parque Estadual do Morro do Diabo, no município de Theodoro Sampaio, extremo oeste do Estado. Esta atuação garantiu a conservação de remanescentes significativos das diferentes fitofisionomias que ocorrem no Estado, inclusive sendo reconhecido como o Estado que mais preserva Mata Atlântica no Brasil e detendo hoje um patrimônio natural de valor universal, de grande significado, tanto para o bem-estar da população quanto para a economia.
As pesquisas realizadas pelo IF geram conhecimento técnico-científico que têm sido fundamental para dar suporte às políticas públicas promovidas pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (atual, Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente) com especial ênfase para a elaboração de Planos de Manejo das Unidades de Conservação, matéria sobre a qual a instituição tem grande volume de conhecimento acumulado, desde a elaboração do primeiro plano de manejo do Estado de São Paulo, do Parque Estadual de Campos do Jordão, acompanhando as diversas escolas de planejamento ambiental em constante evolução.
Também é do Instituto Florestal o Primeiro Plano de Manejo Integrado entre uma unidade de produção sustentada e uma unidade de conservação de proteção integral, o Plano de Manejo Integrado das Estações Ecológica e Experimental de Itirapina, que também foi o primeiro plano de manejo elaborado com intensa participação da comunidade em São Paulo.
Ao assumir o Governo do Estado de São Paulo, em 2019, o governador João Dória tirou a relevância da área ambiental subordinando a pasta a uma secretaria de infraestrutura. Surge assim a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (Sima), reduzindo a antiga pasta do meio ambiente a uma subsecretaria e entregando a nova pasta a um engenheiro civil, ligado ao ramo imobiliário.
Enquanto a intenção do governo federal de extinguir o Ministério do Meio Ambiente, ou atrelá-lo à pasta de Agricultura, trouxe enorme preocupação nacional, em São Paulo a porteira simplesmente foi aberta. Extremamente criticado na área federal – e com toda a razão diante do desmantelamento normativo e de gestão que vem promovendo, o atual ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles parece ter sua desastrosa passagem pela então Secretaria de Meio Ambiente, durante o governo de Geraldo Alckmin, esquecida pela opinião pública.
Há relatos e indícios de que ainda persiste, nos dias de hoje, dentro da secretaria, remanescentes de sua passagem, marcada por um regime extremamente autocrático e desrespeitoso com os funcionários, especialmente os estatutários; na adulteração de mapas de plano de manejo; de favorecimento ao setor industrial e ao agronegócio; de uma proposta de venda de 34 áreas protegidas do Instituto Florestal; na tentativa de negociar a sede do Instituto Geológico; e o fato de ter planejado, à revelia do quadro de funcionários, a fusão entre os três institutos – o que se concretizou agora, com os mesmos objetivos e métodos, ou seja, Salles fez escola em São Paulo.
No cenário catastrófico da pandemia, em agosto de 2020, o Governo do Estado de São Paulo propôs uma reforma administrativa que afetou duramente diversas áreas, alegando ajuste fiscal e economia de recursos para enfrentar a pandemia da Covid-19. Foi encaminhado à Assembleia Legislativa de São Paulo o Projeto de Lei 529/2020, convertido na Lei 17.293, de 15 de outubro de 2020, elaborado com o objetivo de adotar medidas para equalizar o déficit orçamentário da ordem de R$ 10,4 bilhões para o exercício de 2021. Este projeto de lei, entre outras ações devastadoras do ponto de vista social e até mesmo econômico, propôs a extinção do Instituto Florestal e de mais nove instituições públicas.
O retrocesso salta aos olhos quando, na contramão da evolução do conhecimento ambiental, a Sima propõe desvincular o manejo das áreas protegidas e a produção florestal da pesquisa científica.
É incompreensível que, com o argumento da modernização, o governo paulista tenha optado por manter a Fundação Florestal, que apresenta excesso de cargos de confiança, quadro funcional com diversos aposentados recontratados com salários significativos. Em vez de “modernizá-las”, o governo decidiu aniquilar três respeitáveis e produtivas instituições de pesquisa, órgãos da administração direta na qual os funcionários são estatutários e, no caso dos Institutos Florestal e Geológico, superavitária.
Só é possível enxergar motivação político-partidária para essa atitude. Entram no balaio da extinção juntamente com o Instituto Florestal, da noite para o dia, os institutos Geológico e de Botânica, sempre sob o logro da economia de recursos financeiros e, pior, de modernização. Ocorre que não existe progresso, ou evolução ou modernização ignorando ou desrespeitando a história e o patrimônio científico contido nessas instituições. Não se constrói o futuro desconsiderando o passado.
Os Institutos Florestal, Geológico e de Botânica desenvolvem pesquisas de ponta, seus funcionários lutam bravamente pela manutenção de seus trabalhos, apesar do desmonte estrutural e do esvaziamento dos quadros de funcionários, típicos dos governos neoliberais que comandam São Paulo, há 27 anos. O conhecimento é do povo, instituições públicas trabalham para a sociedade e a ela pertence o patrimônio acumulado.
O retrocesso salta aos olhos quando, na contramão da evolução do conhecimento ambiental, a Sima propõe desvincular o manejo das áreas protegidas e a produção florestal da pesquisa científica. Ora, o conhecimento orienta o manejo, fundamental para a conservação, que permite a investigação científica e o uso do recurso, que orienta o manejo. Ou seja, um processo de retroalimentação que forma um círculo virtuoso que não pode ser quebrado sem prejuízo para a conservação da biodiversidade e para o desenvolvimento científico.
Nesse sentido, está sendo encaminhada uma moção ao Governo do Estado de São Paulo, assinada por deputados federais e estaduais e vereadores as cidade, entre outros, solicitando “providências urgentes para a manutenção integral das atividades de pesquisa científica, da identidade dos Institutos de Botânica, Florestal e Geológico, de suas áreas experimentais e demais funções dessas históricas instituições, considerando sua importância como patrimônio cultural brasileiro de natureza imaterial, impedindo retrocessos em matéria ambiental, em observância da legalidade e do exercício da justiça”.
Uma nova estrutura para pesquisa científica ambiental, construída sem ampla participação do próprio quadro funcional das instituições envolvidas, da comunidade científica e da sociedade civil, constitui um evidente retrocesso e representa uma enorme e irrecuperável perda não apenas para os paulistas, mas para o próprio Sistema Nacional de Meio Ambiente, que estas instituições auxiliaram a construir.
Fonte: O Eco
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