“A bioeconomia pode, em uma só tacada, promover atividades econômicas altamente rentáveis ao setor privado e, ao mesmo tempo, ampliar acesso a emprego de qualidade, como aqueles gerados no PIM, renda e bem-estar para todas as comunidades amazônicas. Sem exageros, associado ao agronegócio, a bioeconomia e a biotecnologia pode ser o grande motor de desenvolvimento socioeconômico brasileiro para as próximas décadas. Está passando da hora de a sociedade e o Estado brasileiro fazer essa escolha.”
Wilson Périco e Márcio Holland (*)
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O bioma Amazônia ocupa metade do território brasileiro. É de dimensão multicontinental e extraordinariamente diverso e pluricultural. Cabe ao Brasil 60% de toda essa riqueza natural, tida por muitos especialistas como o pulmão do mundo, mas que já conquistou o coração de todo o planeta. Farto de tanta riqueza natural, o Brasil expõe pobreza e desigualdade. Nossas contradições e dualidades podem ser também nossas melhores armas para a construção de um modelo de desenvolvimento socioeconômico altamente sustentável e com nossa própria marca. A promoção da bioeconomia na Amazônia pode ser a grande saída brasileira da armadilha da renda média.
Nenhum desenvolvimento socioeconômico é sustentável sem a formação do capital humano, ou seja, sem a promoção da educação de qualidade e sem incentivos à formação de talentosos cientistas dedicados a resolver grandes problemas nacionais. Mas, nada disso persiste se não tivermos nossa própria agenda, com nossas características, nossa cultura e nossa história. Já se sabe da literatura de crescimento econômico que “one size does not fit all”, ou melhor, não há uma solução única para o problema de todos os países. O Brasil se revelou uma grande potência mundial no agronegócio com muita pesquisa e desenvolvimento e abrindo novas fronteiras de produção cerrado adentro, de modo altamente sustentável. Em quatro décadas, a produção agropecuária aumentou seis vezes, mas a área utilizada se expandiu apenas 33%.
Se foi possível com o agronegócio no Cerrado, por que não com a bioeconomia na Amazônia? É possível desenvolver atividades econômicas altamente lucrativas no norte brasileiro alinhadas com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis das Nações Unidas. São as atividades associadas com produção de fármacos, cosméticos, alimentação, psicultura, turismo, além da promoção da chamada indústria 4.0, tanto a partir do parque industrial existente, quanto à essas novas atividades.
No lugar do desmatamento e da queimada desmedida, intensa promoção da pesquisa, desenvolvimento e inovações (PD&I) em bioeconomia, biotecnologia e sociobiodiversidade. Estímulos ao desenvolvimento do microempreendedor amazônico sustentável garantirá treinamento profissional e renda às comunidades mais remotas dos centros urbanos, assim como garantirá insumos na forma de óleos essenciais, castanhas e sementes para a “indústria da bioeconomia”.
Não há falta de recursos para tal. Nem há ausência de experiências bem sucedidas no país nesta direção.
Há recursos de fundos como FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), o FTI (Fundo de Fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e Interiorização do Desenvolvimento do Amazonas), e o FMPES (Fundo de Fomento às Micro e Pequenas Empresas), e do investimentos em P&D como compensações por incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus, que poderia ser agrupados em um grande fundo de desenvolvimento da bioeconomia, sob nova governança, com avaliação transparente de usos e relatórios periódicos. Há recursos advindos das vastas receitas tributárias geradas pelo Polo Industrial de Manaus para a União (cerca de R$18 bilhões anuais) ou para o Estado do Amazonas (cerca de R$4,7 bilhões) que poderiam ter parcela voltada para o próprio desenvolvimento destas atividades interior adentro da Amazônia.
Com a experiência do agronegócio, por que não incorporar a bioeconomia amazônica nos Planos Safras anunciados anualmente pelo Governo Federal? Recursos da elevada exigibilidade bancária irrigam a atividade agropecuária com financiamento ao investimento e ao custeio, para pequenas, médias e grandes atividades do setor. O próprio Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) já anunciou o Programa Bioeconomia Brasil – Sociobiodiversidade. Para a safra de 2020/2021, o governo federal alocou R$236 bilhões para a atividade agropecuária brasileira. A inclusão da bioeconomia Amazônica sustentável neste Plano Safra seria mais um gesto relevante de que o “agronegócio não precisa desmatar”, como disse a Ministra Teresa Cristina. Ao contrário, pode-se cuidar, preservar e promover atividades sustentáveis.
Como dito antes, o Brasil também conta com experiências bem sucedidas de constituição e fortalecimento de boas instituições de pesquisa. Esse é o caso da Embrapa, um de nossos mais bem sucedidos exemplos de que PD&I combinado com nossas vocações naturais pode dar muito certo. Uma Embrapa Bioeconomia, fortalecida a partir de parcerias com centros de excelência internacionais e nacionais, seria o pilar deste modelo. Mas, não se pode isentar o setor privado de realizar gastos em PD&I e de ter assegurado seus direitos de propriedade intelectual e registros de patentes.
O Brasil tem tido boas experiências de desenvolvimento regional focado em atividades econômicas a partir de suas vocações naturais. Sabemos que a Região Norte não é igual. Os diversos estados que a compreendem têm atividades econômicas distintas. Por exemplo, o Pará é baseado em extrativismo vegetal e mineral, além de agropecuária mais extensiva e onde se observa o maior volume de desmatamento. Talvez por isso, sua população é mais esparramada pelo estado, sendo que apenas 17% dos habitantes residem na capital, Belém. O estado do Amazonas é baseado no Polo Industrial de Manaus (PIM), gerador de média de 100 mil empregos diretos, e de mais de R$20 bilhões em receitas tributárias e contribuições para os fundos FTI e FMPES, além de sustentar integralmente a Universidade Estadual do Amazonas (UEA). Por isso, conta com 50% de sua população residindo na sua capital, Manaus.
Ambos, contudo, tem as mesmas vocações naturais. São plenamente ricos em recursos da Floresta Amazônica e são também altamente desiguais em termos de renda, como observado nos índices de Gini e nos IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de diversos de seus municípios. Da mesma forma, o custo de oportunidade de desmatar pode aumentar com manutenção e expansão de empregos em cadeias produtivas limpas de alto valor adicionado.
A bioeconomia pode, em uma só tacada, promover atividades econômicas altamente rentáveis ao setor privado e, ao mesmo tempo, ampliar acesso a emprego de qualidade, como aqueles gerados no PIM, renda e bem-estar para todas as comunidades amazônicas. Sem exageros, associado ao agronegócio, a bioeconomia e a biotecnologia pode ser o grande motor de desenvolvimento socioeconômico brasileiro para as próximas décadas. Está passando da hora de a sociedade e o Estado brasileiro fazer essa escolha.
Wilson Périco é Presidente da CIEAM (Centro da Indústria do Estado do Amazonas) e Márcio Holland é professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EESP), onde coordena o programa Master de Pós-Graduação em Finanças e Economia.
Fonte: Valor Econômico | Publicação autorizada pelos autores
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