“Vejo sim a necessidade de sempre se traçar novas políticas públicas com preocupação social para o cenário descrito, que até pode ser melhor desenhado, buscando o desenvolvimento desejado por todos, mas de forma alguma há 23 milhões de brasileiros na Amazônia com problemas causados pelo descaso com a Amazônia aguardando ações do governo.“
Juarez Baldoino da Costa
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Concordo e esperava pelas várias medidas, em geral, já felizmente tomadas por Bolsonaro e torço por sua reeleição, a continuar nesta linha.
No curso destes 20 meses de governo, o PR ajustou algumas promessas e recuou de outras, me parece prudentemente, certamente inclusive por razões que nem
temos como alcançar, meros eleitores que somos.
No caso da Amazônia, e provavelmente por tê-la conhecido um pouco mais somente a partir do comando do país (não foi possível antes por ter vivido entre
Brasília e RJ por 27 anos como deputado federal, com outras temáticas em sua pauta legislativa), Bolsonaro também ajustou sua visão, e não é o caso de entrar no mérito, mas é fato que houve uma revisão de suas falas e atitudes.
Já o discurso do vídeo de Ricardo Salles, que também não conhecia a Amazônia tanto como agora conhece pelo cargo que ocupa (é um advogado e político paulista com passagem pela área de meio ambiente em SP com ênfase em saneamento, portanto, sem se ocupar de Amazônia), entendo que não reflete em suas colocações a realidade sobre a população e a situação social dos amazônidas quando vincula suas mazelas ao fato suposto de que são causadas por políticas inexistentes para a Amazônia, como se no resto do país fosse diferente.
Não são como foi dito aos 18s “23 milhões de pessoas” abandonadas na floresta e sem atividade; é um grande (e comum) equívoco.
Há na verdade, segundo o IBGE, 27,5 milhões de pessoas, das quais 20 milhões de amazônidas estão nas capitais e áreas urbanas, preponderantemente com atividades que independem de existir floresta, em trabalhos normais no setor industrial, no comércio e nos serviços como em qualquer outra parte do país, e que não estão esperando por nenhuma política para a floresta; esperam apenas políticas nacionais comuns a todos os demais brasileiros, e que nada tem a ver com a Amazônia.
Estes 20 milhões vivem da Zona Franca de Manaus, da criação de gado nos vários municípios, da plantação de grãos, da mineração, da criação de peixes, conjunto este de atividades econômicas que não precisa e não se utiliza de floresta, a exemplo de como também se realizam as mesmas atividades na China que não tem
Amazônia.
O gado de Mato Grosso ou suas plantações de soja removeram a floresta para poderem existir e produzem seus produtos da mesma forma que se produz no Rio
Grande do Sul ou na Bahia. A multinacional Vale explora ferro em Carajás no Pará do mesmo modo que opera em Minas Gerais a Samarco, sem utilizar a floresta amazônica, assim como a mina de Pitinga no Amazonas (nióbio, ferro e tântalo) e os diamantes de Rondônia, todos sem uso de floresta. A Amazônia é apenas um
endereço.
Os problemas urbanos apontados por Salles com a segurança pública, nutrição, IDH, saneamento, transporte, educação e moradia destes 20 milhões de pessoas (e
não 23 milhões) são exatamente os mesmos das periferias de Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, e nada têm a ver com políticas da Amazônia. Há uma leitura incorreta sobre esta Amazônia urbana.
A citação feita pelo ministro, da frase de seu colega o ministro Paulo Guedes em Davos, de que “a miséria é o maior inimigo do meio ambiente”, e em seguida, aos 47s, citar a periferia de Manaus, está correta, mas nada tem a ver com a Amazônia; Paulo Guedes se referiu às periferias faveladas que existem na quase totalidade das capitais de todo o mundo, e não há novidade nisto.
Ricardo Salles mencionou realidades vistas em sua visita a Manaus e falou das palafitas, dos moradores sobre o esgoto e das meninas grávidas ainda na adolescência – nada disto tem a ver com Amazônia, mas tudo a ver com questões outras nacionais. A ligação destas mazelas com a temática Amazônia não é apropriada. Meninas adolescentes grávidas e moradia sobre esgoto temos aos milhares pelo Brasil afora, sem Amazônia. Não é justo estigmatizar a Amazônia
como se ela fosse causadora de fragilidades sociais sistêmicas próprias e exclusivas.
A degradação ambiental nas favelas das capitais do Brasil é a mesma das cidades da Amazônia e decorrem todas elas da política nacional até então praticada, não tendo nada a ver com queimadas ou desflorestamento da floresta.
Já para os outros 7,5 milhões de amazônidas que habitam fora das áreas urbanas nos mais de 750 municípios da Amazônia e em mais de 10 mil comunidades (só no Amazonas são mais de 5 mil comunidades como mostrou o Cel Lauro Pastor do CMA – Comando Militar da Amazônia em recente live pela PanAmazônia), o cenário é outro.
A coleta de frutos, a plantação das roças, a caça de animais, a pesca, a construção de embarcações, os fármacos tradicionais para tratamento de doenças diversas e outros produtos e serviços oriundos da floresta, têm um valor substancial e não são computados em nenhum cálculo de IDH.
O baixo IDH da Amazônia é agravado quando o amazônida do interior por motivos diversos, tenta a vida no meio urbano.
Este meio tem tido problemas de ordem econômica e consequente baixa oferta de empregos há vários anos, e não é somente na Amazônia, mas em todo o Brasil.
Quando oferece empregos, prefere naturalmente a população mais bem preparada, empurrando este contingente menos preparado de migrantes para a linha às vezes abaixo da pobreza em muitos casos.
Este amazônida que se deslocou para a cidade não mais produz seu alimento e não consegue renda para sobreviver dignamente na cidade, e por vezes, sequer se
alimentar – um caos social perfeito, gerando automaticamente um IDH indigno.
Como a riqueza biológica da Amazônia é ainda uma atividade incipiente, o resultado de curto prazo para reverter benefícios ao amazônida do interior não está
no horizonte.
O ministro Salles disse ainda (1:14s) que não há nenhuma empresa de cosméticos na Amazônia, o que não é verdade – um dos exemplos (mesmo sendo poucos) é a Natura que tem uma unidade com o objetivo de explorar este espectro através do instituto NINA – Núcleo de Inovação Natura Amazônia sediado em Manaus no bairro Vieiralves, que abriga vários mestres e doutores na área e envolvimento de comunidades no interior, e o outro é a Phebo Cosméticos que explora produtos
florestais desde 1930 em Belém, ambos com baixíssima capacidade de ampliação da oferta de mão de obra.
A madeira e os cultivos extensivos de grãos exigem presença nas áreas de exploração, principalmente mais ao Norte do Mato Grosso e ao Sul do Pará e Amazonas, e prescindem de floresta, que economicamente é na verdade um custo indesejável já que é preciso remover a cobertura vegetal, embora haja geração de receita na fase de extração da madeira para os primeiros agentes do processo (e os amazônidas do interior apenas recebem salários que são os mais baixos da cadeia produtiva).
Na mineração é preciso morar próximo a mina, o que pode ser um problema para trabalhadores com família, daí a preferência por pessoas sem vínculo familiar e que se adaptem a ambientes mais hostis. Diferente do comércio em geral ou até da indústria, não se pode levar a mineração até às sedes municipais, engessando a logística da atividade.
Não há como espalhar mineração localizada pelos 5,5 milhões de KM² da Amazônia.
Há um erro histórico estratégico na política brasileira de repartição de receitas de exploração de minério, incluindo petróleo e gás. A riqueza do subsolo, por ser nacional, deveria ser distribuída para todo o país, mas o critério vigente de aquinhoar as pessoas da área explorada é injusto e discriminatório, provocando anomalias econômicas como em Coari no Amazonas e no Rio de Janeiro, que incluem em seu orçamento valores excessivos absolutamente incompatíveis com sua necessidade estrutural, sendo centro de cobiça e corrupção dos maiores níveis.
Os locais detentores das jazidas deveriam receber apenas os recursos para mitigar eventuais efeitos ambientais e sociais da exploração, e o restante recolhido ao erário brasileiro para uso equânime da população do país.
Na Amazônia, segundo circulam as notícias, os indígenas receberiam recursos da provável exploração de riquezas em suas terras. Os ianomâmis do Norte da Amazônia, por exemplo, que sequer tem noção do que é comércio, e não têm qualquer mecanismo social para tratar desta possibilidade, receberiam recursos que certamente não serão utilizados em seu benefício, ou porque não demandam utilização, ou porque a velha corrupção se encarregará de se locupletar.
Vejo sim a necessidade de sempre se traçar novas políticas públicas com preocupação social para o cenário descrito, que até pode ser melhor desenhado, buscando o desenvolvimento desejado por todos, mas de forma alguma há 23 milhões de brasileiros na Amazônia com problemas causados pelo descaso
com a Amazônia aguardando ações do governo.
As políticas não podem deixar de reconhecer o cenário de sua aplicação, e para tanto, o formulador deve conhecer suficientemente o local objeto.
Para conhecer a Amazônia ainda que em parte, Alexandre Ferreira, Djalma Batista, Lobo D’Almada, Samuel Benchimol, Arthur Reis, Euclides da Cunha, Leandro Tocantins, Ozório Fonseca e tantos outros, podem ajudar.
Acompanhe o vídeo:
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