“O que existe são dilemas: manter a dependência asiática ou construir a autonomia Industrial, continental, em blocos de reciprocidade inteligente. Se é para fazer não há tempo a perder nem razão para burocratizar. Basta acreditar, soltar a imaginação criativa e a cumplicidade proativa de que somos capazes!”
Uma semana de visionários em ação, atentos e convictos de intuições, ironias e otimismo, transformados em ingredientes para o enfrentamento da pós-pandemia. Se a ordem é ficar em casa, na ausência do que fazer para antecipar o fim da agonia, Wilson Périco, Augusto Rocha e Nelson Azevedo sintetizaram o espírito reinante que busca decifrar o que virá por aí.
No artigo desta quinta, “O Brasil precisa enxergar o Brasil”, Périco alerta o país, que protela descobrir que tem Norte, sobre as oportunidades que ameaçam inundar o cotidiano em futuro próximo se fizermos o dever de casa. E isto nada mais é do que algo muito próximo do que fizemos e estamos fazendo em termos de união, solidariedade, protótipos e projetos fabris que denotam um portfólio de habilidades e soluções para fazer acontecer o amanhã que queremos e somos capazes de materializar
Em “Um mundo novo repleto de estatísticas”, Augusto Rocha alerta o risco de que sejam usadas estatísticas com o intuito de mascarar a realidade. Para ele, o futuro poderá produzir o medo se isso, assim, se configurar. Mentiras à parte, o texto traz a boa previsão de que teremos um olhar mais colaborativo para dar vez, voz e oportunidades para a indústria nacional. De quebra, ele acentua que isso se dará com menos disse-me-disse e mais solidariedade.
Nessa direção, o otimismo de Nelson Azevedo, o decano dos especialistas em economia do Amazonas e Amazônia, sublinha as chances de recuperarmos, neste momento, o papel de substituição de importações que marcou os primórdios da Zona Franca de Manaus. “Sim, nós já sabemos que podemos!” Para ele, não há mais mistério, o que existe são dilemas: manter a dependência asiática ou construir a autonomia Industrial, continental, em blocos de reciprocidade inteligente. Se é para fazer não há tempo a perder nem razão para burocratizar. Basta acreditar, soltar a imaginação criativa e a cumplicidade proativa de que somos capazes!
Augusto César Barreto Rocha
Um novo mundo repleto de estatísticas
“Como mentir com estatística” é uma publicação de Darrel Huff, de 1954. Tenho a sensação de que ela deveria integrar as leituras obrigatórias do ensino médio do Brasil. Depois, deveria voltar em versão para adultos nas faculdades, onde a matemática e a estatística entrariam para o ciclo básico das disciplinas dos bacharelados. Não na linha do bacharelismo das Raízes do Brasil, discutida pelo Sérgio Buarque de Holanda, mas na linha da prática e do pragmatismo de David Hume, lembrado sagazmente pelo Pedro Malan, em seu artigo do Estado de São Paulo de 10/05/2020: “o homem sábio ajusta suas crenças às evidências”.
Especulações Gratuitas
O que vem depois da pandemia? Não tenho ideia concreta e quem se arvorar a tê-las está fazendo uma especulação. Acreditando no que disse, faço algumas previsões. Os que sobreviverem construirão uma nova realidade, temperada pela esperança, solidariedade e medo. Previsões possuem uma boa dose de risco, mas acredito que é impossível recuperarmos a cultura de relacionamentos que tínhamos. No ambiente empresarial, não existirão mais tantas reuniões presenciais quanto no passado, além de pouco produtivas em uma parte, serão pouco seguras por outra e o contato virtual reduzirá o problema do tempo perdido no deslocamento. A adoção de ferramentas de teletrabalho ganhará uma escala muito maior e ajustará o sem sentido para o planeta de dois dias de viagem para duas horas de reunião.
Novos tempos, novos modos
As regras de convívio social serão outras. Será impossível voltar a liberdade de comportamento e pouco cuidado com limpeza. Também é bem improvável que tenhamos nos próximos 12 meses tantos empregos quanto existiam antes da pandemia e será a assustadora a quantidade de empresas e empregos perdidos no mundo inteiro. Um enorme retrocesso e uma incomensurável oportunidade para um novo ambiente competitivo nos negócios, com menos recursos disponíveis para todos e uma redução expressiva na confiança.
A hora e a vez das indústrias nacionais
A globalização e a interação com outras regiões do mundo perderão o vigor. O desconhecido é atraente quando há confiança e nos afastamos do desconhecido quando existe medo. A telemedicina e as consultas médicas remotas passarão a fazer parte de nosso cotidiano. As ruas tendem a ficar menos congestionadas, por conta da menor circulação de veículos, tanto pela redução da atividade econômica, quanto pela menor necessidade de encontros pessoais. Menos globalização é igual a mais indústrias nacionais. Que bom.
Ajudas federais ou agiotagem disfarçada
Muitas empresas aéreas não suportarão passar pela crise. Até agora não há um acordo fechado para o socorro tão necessário ao setor no Brasil. Aliás, não costumamos ter apoios reais para nada. A linha de crédito para salários, liberada pelo Governo Federal, teve baixíssima adesão, em um modelo que endivida as empresas, ao invés de socorrer empregos, fazendo com que nosso Agiota de plantão faça o que mais lhe apraz. Após a pandemia, todos terão muito mais cuidado para se endividar. As idas ao comércio serão muito mais comedidas, o que deve levar a uma redução na compra por impulso e de supérfluo, salvo para os sempre abastados, que ficarão ainda mais abastados.
A era do disse-me-disse
Ou talvez nos percamos nas fofocas e superficialidades do que Fulano disse, Beltrano contrapôs ou Sicrano pensou. As fofocas talvez passem a dominar o “pensamento”, chamando de “bastidores” e “notícia” apenas um conjunto de disse-que-disse, para disfarçar interesses inconfessáveis e dissimulações para engabelar os 200 milhões de trouxas. A crise econômica pode ser um bom jeito de acordar quem está dormindo ou de pôr para dormir quem já deveria ter sido tragado pela história. Ainda bem que todos morreremos e a pandemia nos lembrou disso, pois parece que algumas pessoas tinham esquecido.
Nelson Azevedo
Sim, nós já sabemos que podemos!
Substituição de importações: qual é a chance do Programa Zona Franca de Manaus ser retomado – no esplendor de seus acertos – e a partir do ponto em que descuidamos essa decisiva missão? Nos anos 70/80, um período em que estávamos focados exclusivamente em substituir insumos e mercadorias importadas, as autoridades econômicas aplaudiam nosso desempenho. Chegamos a extrapolar a tarefa original cumprindo uma pauta de exportações que foi-se mantendo com altos e baixos ao longo do tempo. Podemos ir além
Retomar o desafio original de substituição das importações é uma pergunta de bom senso, considerando os dados da realidade. Os desastres provocados pela desordem do fornecimento, especialmente com os itens necessários ao enfrentamento da pandemia, nos deixaram uníssonos na resposta: sim, temos todas as chances! Podemos ir até além daquilo que nos julgávamos capazes. Depender do mercado em 95% em alguns segmentos industriais não é apenas temeridade. É comodismo, ou preguiça institucionalmente enraizada. Nunca mais devemos aceitar ser mero figurantes na cadeia global dos suprimentos, uma rotina que deu suporte ao Polo Industrial de Manaus nos últimos 10 anos. E não foi só aqui: as plantas industriais se esvaziaram nos quatro cantos do planeta, incluindo um parceiro histórico do Brasil chamado Japão, o primeiro a anunciar a quebra viciosa dessa corrente insana.
Bom Companheiro
Cabe lembrar, também, que os japoneses foram os primeiros a apoiar a ZFM nos primórdios do comércio e depois na consolidação da indústria. Mas também – não podemos esquecer – eles trouxeram a juta e a malva, após a quebra do Ciclo da Borracha, alem de suas tecnologias agrícolas no setor hortifrúti. Eles, certamente, verão com bons olhos trazer de volta para a Amazônia suas empresas à vista da prazerosa acolhida com que são recepcionados nesta região historicamente . Podemos, sim, retomar em novas bases, e com o talento e a obstinação de nossos jovens, familiarizados com a inovação, com a teimosia atávica que nos aproxima rapidamente das utopias quando formamos o mutirão da partilha e da solidariedade.
Parcerias inadiáveis
Isso nos deve, ainda, estimular outras parcerias em nome de nossas vocações adicionais de negócios. Por que não convidar empreendedores canadenses, ou aqueles do Leste Europeu, acostumados às tecnologias de exploração sustentável dos recursos naturais. Sem xenofobia muito menos ingenuidade ou paranóias como a da CPI da Biopirataria que expulsou empresas com renome como a Novartis que tentou fazer de nossa biodiversidade uma cadeia de negócios e de prosperidade como fizeram, depois, em Singapura, empinando seu crescimento e benefícios sociais.
O imperativo da renovação tecnológica
Quando substituímos importações de bens duráveis, nós nos demos conta que era preciso apostar em tecnologias inovadoras, que chamávamos de know-how. Assim, passamos a ajudar o “Milagre Brasileiro” com um crescimento anual de mais 10% do PIB. Tínhamos recursos e necessidades de investimentos, mas aos poucos este Brasil nos vetou porque parou de crescer a partir dos anos 90. Passamos a cumprir uma rotina burocrática e, no final, perversa, chamada PPB, uma exigência formada por representantes de regiões mais abastadas, que nos impunham restrições e vetos disfarçados. Fomos proibidos de fazer e, o que é pior, eles não fizeram.
Não há mistérios, apenas dilemas
Os tempos são outros – e com a pandemia, mudou radicalmente – e nosso portfólio de habilidades e possibilidades também mudaram, para melhor e não havíamos nos dado conta . Ou alguém pode duvidar de nossa capacidade de aprender a fazer EPIs em tempo recorde? Se a necessidade era projetar e fazer respirador mecânico, fizemos. Não há mais mistério o que existe são dilemas: manter a dependência asiática ou construir a autonomia Industrial, continental, em blocos de reciprocidade inteligente. Se é para fazer não há tempo a perder nem razão para burocratizar. Basta acreditar, soltar a imaginação criativa e a cumplicidade proativa de que somos capazes!
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