“A crise econômica pode ser um bom jeito de acordar quem está dormindo ou de pôr para dormir quem já deveria ter sido tragado pela história”
Augusto César Barreto Rocha (*)
“Como mentir com estatística” é uma publicação de Darrel Huff, de 1954. Tenho a sensação de que ela deveria integrar as leituras obrigatórias do ensino médio do Brasil. Depois, deveria voltar em versão para adultos nas faculdades, onde a matemática e a estatística entrariam para o ciclo básico das disciplinas dos bacharelados. Não na linha do bacharelismo das Raízes do Brasil, discutida pelo Sérgio Buarque de Holanda, mas na linha da prática e do pragmatismo de David Hume, lembrado sagazmente pelo Pedro Malan, em seu artigo do Estado de São Paulo de 10/05/2020: “o homem sábio ajusta suas crenças às evidências”.
Especulações Gratuitas
O que vem depois da pandemia? Não tenho ideia concreta e quem se arvorar a tê-las está fazendo uma especulação. Acreditando no que disse, faço algumas previsões. Os que sobreviverem construirão uma nova realidade, temperada pela esperança, solidariedade e medo. Previsões possuem uma boa dose de risco, mas acredito que é impossível recuperarmos a cultura de relacionamentos que tínhamos. No ambiente empresarial, não existirão mais tantas reuniões presenciais quanto no passado, além de pouco produtivas em uma parte, serão pouco seguras por outra e o contato virtual reduzirá o problema do tempo perdido no deslocamento. A adoção de ferramentas de teletrabalho ganhará uma escala muito maior e ajustará o sem sentido para o planeta de dois dias de viagem para duas horas de reunião.
Novos tempos, novos modos
As regras de convívio social serão outras. Será impossível voltar a liberdade de comportamento e pouco cuidado com limpeza. Também é bem improvável que tenhamos nos próximos 12 meses tantos empregos quanto existiam antes da pandemia e será a assustadora a quantidade de empresas e empregos perdidos no mundo inteiro. Um enorme retrocesso e uma incomensurável oportunidade para um novo ambiente competitivo nos negócios, com menos recursos disponíveis para todos e uma redução expressiva na confiança.
A hora e a vez das indústrias nacionais
A globalização e a interação com outras regiões do mundo perderão o vigor. O desconhecido é atraente quando há confiança e nos afastamos do desconhecido quando existe medo. A telemedicina e as consultas médicas remotas passarão a fazer parte de nosso cotidiano. As ruas tendem a ficar menos congestionadas, por conta da menor circulação de veículos, tanto pela redução da atividade econômica, quanto pela menor necessidade de encontros pessoais. Menos globalização é igual a mais indústrias nacionais. Que bom.
Ajudas federais ou agiotagem disfarçada
Muitas empresas aéreas não suportarão passar pela crise. Até agora não há um acordo fechado para o socorro tão necessário ao setor no Brasil. Aliás, não costumamos ter apoios reais para nada. A linha de crédito para salários, liberada pelo Governo Federal, teve baixíssima adesão, em um modelo que endivida as empresas, ao invés de socorrer empregos, fazendo com que nosso Agiota de plantão faça o que mais lhe apraz. Após a pandemia, todos terão muito mais cuidado para se endividar. As idas ao comércio serão muito mais comedidas, o que deve levar a uma redução na compra por impulso e de supérfluo, salvo para os sempre abastados, que ficarão ainda mais abastados.
A era do disse-me-disse
Ou talvez nos percamos nas fofocas e superficialidades do que Fulano disse, Beltrano contrapôs ou Sicrano pensou. As fofocas talvez passem a dominar o “pensamento”, chamando de “bastidores” e “notícia” apenas um conjunto de disse-que-disse, para disfarçar interesses inconfessáveis e dissimulações para engabelar os 200 milhões de trouxas. A crise econômica pode ser um bom jeito de acordar quem está dormindo ou de pôr para dormir quem já deveria ter sido tragado pela história. Ainda bem que todos morreremos e a pandemia nos lembrou disso, pois parece que algumas pessoas tinham esquecido.
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