O governo de Jair Bolsonaro mudou o tom de seu discurso sobre a preservação da Amazônia brasileira diante da forte pressão dos investidores, que reivindicaram mais esforços contra o desmatamento, mas ainda se esperam resultados concretos.
O simples fato de o vice-presidente Hamilton Mourão, a cargo do Conselho da Amazônia, se comprometer na quarta-feira a “reduzir a um mínimo aceitável” o desmatamento e os incêndios na maior floresta tropical do planeta é visto como uma pequena revolução.
Há pouco menos de um ano, Bolsonaro ficou furioso quando a comunidade internacional, com o presidente francês, Emmanuel Macron, à frente, alarmou-se ao ver que a Amazônia, um “bem comum da humanidade”, era devorada por incêndios.
Bolsonaro optou por minimizar o problema e denunciar um complô “colonialista” que ameaçava a soberania do Brasil.
No fim de junho, porém, quando os fundos de investimento de Europa, Ásia e América do Sul que administram cerca de quatro trilhões de dólares ameaçaram retirar os investimentos do Brasil, a reação foi bem diferente.
“Agora, essa pressão que tem, não vindo de um chefe de Estado, mas vindo de empresários, dá outro tom”, disse à AFP André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimentos.
Durante videoconferência na semana passada, os investidores expressaram suas preocupações e o vice-presidente Mourão reconheceu que belas palavras não são suficientes.
“Em nenhum momento investidores se comprometeram com investimento, eles querem ver resultados, uma redução do desmatamento”, disse Mourão após a reunião.
Sem mudança de conduta
A ameaça dos investidores foi levada muito a sério pelo governo Bolsonaro, mais do que nunca necessitado destes recursos para impulsionar uma economia fortemente afetada pela crise do novo coronavírus.
“O governo, preparando a saída da crise, está contando com investimentos estrangeiros. Esses investimentos estrangeiros são importantes para uma série de áreas, saneamento, infraestrutura”, avalia Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos e presidente do Instituto de Relações Internacionais e de Comércio Exterior (IRICE).
Cerca de 20 ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central do Brasil publicaram uma carta aberta na semana passada, afirmando que a falta de esforços contra o aquecimento global poderia ter consequências “bem maiores que os da atual pandemia”.
Os ambientalistas não têm muitas expectativas com a mudança de discurso do governo, que já se disse disposto a abrir terras indígenas e reservas naturais protegidas à exploração agrícola e mineral.
“Qual é a meta? Não existe. Qual é o orçamento? Não existe… Qual é a forma de trabalhar? Não existe”, critica Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, que reúne ONGs que combatem o aquecimento global.
“Não existe nenhuma mudança de conduta que nos dê um mínimo de esperança de que o governo vai mudar seu comportamento”, acrescenta.
As cifras revelam um desmatamento recorde no primeiro semestre de 2020, 25% maior que o do mesmo período de 2019.
Em maio, o governo enviou as Forças a Armadas para a Amazônia para combater os incêndios que arrasam a cada ano na estação seca.
No entanto, o próprio vice-presidente Mourão admitiu que as operações começaram tarde.
O Brasil teve seu pior mês de junho em 13 anos de incêndios florestais, geralmente provocados por agricultores que queimam a vegetação em áreas desmatadas para cultivar a terra ou alimentar o gado.
“Contra a correnteza”
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, assegurou recentemente que o Brasil “não precisa” desmatar a Amazônia para desenvolver seu imenso potencial agrícola, que faz do país um dos maiores celeiros do planeta.
Defensora ferrenha dos interesses dos gigantes do agronegócio brasileiro, a ministra é consciente de que o setor depende das exportações para países que são cada vez mais reticentes a comprar produtos vinculados ao desmatamento.
Um quinto das exportações de soja e carne bovina do Brasil à União Europeia (UE) provém de terras desmatadas ilegalmente, segundo estudo publicado nesta quinta-feira na revista científica americana Science.
“O Brasil não pode ficar isolado dessa posição, vai ter que se ajustar também para essas mudanças que estão acontecendo no mundo”, ressalta Rubens Barbosa.
“Nunca se questionou a soberania brasileira sobre o território da Amazônia (…) O próprio acordo com a União Europeia [e o Mercosul] tem um capítulo sobre desenvolvimento sustentável [que] o governo Bolsonaro aceitou”, acrescenta.
“O mundo mudou, quem não captou essa mudança e vem nadando contra a correnteza é o governo Bolsonaro”, emenda Marcio Astrini.
Fonte: Estado de Minas
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