“…nós, juristas, nós, os advogados, não somos os instrumentos mercenários dos interesses das partes. Temos uma alta magistratura, tão elevada quanto os que vestem as togas, presidindo os tribunais; somos os auxiliares naturais e legais da justiça.”
—-Rui Barbosa——
Tivemos tempo, inspirações e experiências para refletir sobre a vida e sobre nossas vidas em sociedade, desde quando o vírus da maldição se espalhou por nosso cotidiano. A economia foi a primeira vítima e os empreendimentos que movimentam 80% dos negócios no Amazonas, como não produzem habitualmente gêneros de primeira necessidade, tiveram de ficar parados, ou seja, os riscos de nova recessão foram impondo-se vertiginosamente. E, como é rotina acontecer, os mais atingidos foram os mais despossuídos, que vivem de empregos da economia informal, postados como pelotão de frente da fome e do desespero. E onde se postou a justiça e sua estrutura nesse cenário de destruição?
E onde se colocou a justiça e todo o seu entorno de profissionais da lei? Pois é . Na hora em que o País mais exige de seus magistrados, a Justiça Suprema do Brasil focou suas energias no conflito politiqueiro que envolve a Nação. Um País, já açoitado pelas beligerância entre seus habitantes, vê sua Corte Suprema tomar parte no jogo eleitoreiro e inconfesso, de parte a parte, que tem adubado o desamor e a cizânia. O autor sagrado é muito incisivo a respeito: “Todo o reino dividido contra si mesmo é devastado; e toda a cidade, ou casa, dividida contra si mesma não subsistirá”.
Ainda bem que a Solidariedade, como sentimento maior da condição humana, aflorou na mesma intensidade das mazelas da Covid-19. Por isso, cabe indagar pela justiça em clima de caos social. E espera-se da Justiça sempre a atitude de quem se volta ao interesse público e apenas sob esse critério, ela pode levanter-se contra as eventuais omissões dos demais Poderes.
Assistir à mais alta estrutura de justiça do Brasil, por isso mesmo, envolvida em questões paroquiais,enquanto a Pátria agonizava e agoniza com os ataques de um vírus, remete ao descompromisso com o caos social, compromisso que todos nós esperávamos de todos os representantes do Judiciário e, obviamente, da classe profissional do Direito, onde estamos incluídos,ou seja, neste momento de dor, morte e fome, temos muito a fazer para mitigar a dor dos mais sofridos.
Ora, nunca é demais lembrar que todos nós estamos ou deveríamos estar a serviço da sociedade, sejam os magistrados e seu exército de auxiliares, sejam os profissionais liberais ou quaisquer cidadãos mais aquinhoados não escala dos abençoados pela desordem social estabelecida. Esse desequilíbrio que vive a sociedade, cedo ou tarde, baterá à nossa porta e, cedo ou tarde, pela própria Lei da Natureza, se voltará contra seus promotores.
A justiça, em tempos de pandemia ou de calmaria, deveestar ao lado dos mais fracos, dos barrados no baile dos bacanas, fiscalizar os desmandos no erário, punir seus mandantes e beneficiários, de quem tem a capacidade desumana de ganhar vantagens em clima de agonia e desesperança. Não há desculpa para os que se explicam na condição de isolamento social e determinados setores trabalharam tanto.
Nós, que atuamos no resguardo da Lei, como instrumento da justiça acessada e acessível aos cidadãos, não podemos gastar nossas energias cominteresses tacanhos, no critério medíocre do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, especialmente quando quase tudo – dos benefícios da modernidade – está a serviço de tão poucos. Parodiando o gênio da literatura inglesa, William Shakespeare, diríamos que há algo de muito podre sob o firmamento tropical.
Temos de fazer nosso mea culpa, reconhecer nossa adesão, quem sabe inconscientemente, a essa desordem desumana e excludente dos direitos dos cidadãos, justamente nós, que optamos por dedicar nossa energia de vida a tais direitos. Lembrando Rui Barbosa, temos de meditar mais coerentemente sobre o caos que conhecemos e juramos defender para afirmar o Direito e a Justiça: “…nós, juristas, nós, os advogados, não somos os instrumentos mercenários dos interesses das partes. Temos uma alta magistratura, tão elevada quanto os que vestem as togas, presidindo os tribunais; somos os auxiliares naturais e legais da justiça.”
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