Considerado por seus pares como um dos mais qualificados tributaristas do Brasil, Thomaz Nogueira, ex-secretário de Fazenda e Planejamento do Amazonas, além de ex-superintendente da Suframa, pendurou as chuteiras, mas não deixou de pelejar por sua terra, muito menos abriu mão do sacerdócio de defesa do interesse público, sobretudo quando estão em jogo os interesses do Amazonas, da Amazônia e de sua integração construtiva com o Brasil. Por isso recebeu a Follow Up com a acolhida fraterna de sempre para conversar sobre as lufadas inquietantes do governo liberal. Confira.
Follow Up – Mesmo ausente da vida pública, você permanece na linha de frente da defesa do Amazonas, de nossa economia e futuro. Como você avalia as primeiras estocadas na direção do Amazonas por parte do governo liberal de Paulo Guedes?
Thomaz Nogueira: Minha convicção recomenda que, para enfrentar e endereçar bem os problemas, precisamos conhecê-los a fundo. O primeiro ponto é que é preciso reconhecer a coerência do ministro Paulo Guedes, que sempre expôs claramente sua visão econômica. Precisamos conhecer seu pensamento. Minhas críticas sempre foram para alertar sobre esse conjunto de ideias. O que tornou nossa vida mais difícil é que a visão liberal academicista do ministro – onde não há espaço para uma área econômica especial, como a que nos define -, foi reforçada por um conjunto de dados e informações infundadas sobre Manaus, que nem de longe refletem nossa realidade. O ministro se deixou contaminar por uma visão distorcida, manipulada e irreal sobre o modelo Zona Franca. Nosso esforço tem de ser no sentido de estabelecer os canais necessários para dialogar e deixar vir à tona nada mais do que a verdade.
FUp – Você anotou alguns equívocos e distorções na habitual e recente maledicência da mídia paulista contra a ZFM. Sabemos quem promove esses ataques e quem aluga os teclados dos difamadores. O que vc faria se tivesse em suas mãos responder a esses ataques considerando que nos prejudicam na atração de novos investimentos?
T.N. – A tarefa fundamental, tenho alertado, é travar a batalha da informação e da comunicação. Temos de ser capazes de mostrar que este modelo faz sentido para o Brasil, e precisamos ter competência nisso, não há espaço para o amadorismo, que tem permeado algumas de nossas manifestações. Mas essa não é uma batalha simples. E para tanto precisamos cumprir algumas tarefas. A primeira é consolidar a informação, tornar mais robusto nosso discurso. Consolidar os diversos aspectos impactados, positivamente, pelo modelo. O aspecto econômico é fundamental. Mostrar o que fazemos pelo desenvolvimento dos outros estados ao gerar muito mais recursos para a União do que recebemos, o que fazemos pela balança comercial, ao importamos insumos e itens do semi-elaborados ao invés de produtos acabados, etc. Além de tudo isso e mais do que isso são os aspectos sociais envolvidos. Mostrar que o crescimento populacional explosivo de Manaus se deu também pelo acolhimento de uma massa humana de migrantes de outos estados (Pará, Maranhão, Roraima…) em busca de melhores oportunidades de vida. O incontestável papel ambiental representa um benefício não para nós ou para o Brasil, mas para o planeta. Sem contar com a qualificação, de classe mundial, de milhares de profissionais nas diversas áreas de gestão empresarial. É um leque de externalidades que resultam extremamente positivo para o país. Isto tem de ser exposto. Isto vai fundamentar tanto o debate público, quanto aquele travado pelas equipes técnicas nas discussões internas com o Governo Federal e o Parlamento.
FUp – Resta saber se o Brasil está interessado nessa narrativa, por isso ela tem que ser ousada e qualificada…
T.N. Com certeza. Juntamente com essa prestação de contas precisamos promover a articulação de todos os atores. Além do poder público estadual e municipal, temos de envolver as entidades representativas dos trabalhadores e do empresariado, as instituições de ensino e pesquisa, os formadores de opinião, a bancada federal, enfim, toda a sociedade organizada.
Quando a OMC queria originalmente incluir a ZFM no seu painel de questionamento dos incentivos brasileiros, conseguimos mobilizar a participação de um arco complexo de atores sociais que, em uma reunião histórica na Suframa, trouxe a informação correta e luz à discussão. Foi ali que esvaziamos ameaças e questionamentos. Não há nenhum candidato a herói isolado nessa batalha. Precisamos renunciar à egolatria. Por fim, com a informação correta debaixo do braço e compartilhada com todos os atores, precisamos de uma estratégica de atuação para cada segmento. Há que ter uma liderança colegiada, mas eficaz.
FUp – Há uma Reforma Tributária a caminho com riscos objetivos de detonar pelo menos metade das empresas hoje instaladas na ZFM. As entidades de classe do setor produtivo estão propondo que o Amazonas elabore uma proposta para essa Reforma onde, do ponto de vista da ZFM, sejam asseguradas as condições para que possamos continuar funcionando em nossos acertos e avanços.
T.N. É preciso romper com a falsa dualidade Manaus vs. Brasil, que parece ser a narrativa estabelecida. Ou seja, não é verdade que para que o Polo Industrial subsista tenhamos de fazer o Brasil refém. Se conseguirmos demonstrar, se ficar claro, que a produção Industrial em Manaus é um benefício de extrema importância para o Brasil, fica mais fácil construirmos uma solução adequada, não simples, mas possível, sim.
Eu sempre lembro que depois da Constituição de 88, em torno de 8 propostas de reforma tributárias foram discutidas no Congresso, com diversos desenhos, objetivos diversos, com o traço comum da busca da simplificação, para cada uma delas logramos construir uma solução que preservava o modelo.
Podemos fazer esse esforço de propor um modelo, mas corremos o risco da crítica. Nesse ponto sou conservador, deixem que o Governo proponha o modelo que julgue adequado, vamos fazer nosso esforço intelectual para construir uma alternativa de preservação. Tecnicamente, o conveniente seria que a equalização da competitividade se dê pela via do imposto federal, pois essa a determinação constitucional, cabe à União o papel de buscar superar as desigualdades regionais, mas temos de olhar as propostas concretas.
Aliás, é conveniente perguntar: Qual proposta vai prosperar? A de iniciativa da Camara (Proposta Bernard Appy 2) ou a que quer apresentar o Governo Federal? Essa questão de ego matou todas as anteriores, por isso penso que propor algo, seria interessante para o debate, mas teria poucas chances de caminhar. É a opinião de quem trabalhou com isso algum tempo desde 1998.
FUp – O TCU encaminhou há três anos um Acórdão para o MPF-AM apontando as dificuldades de integração entre os órgãos federais presentes no Amazonas e sugeriu que a Suframa fosse o órgão coordenador dessa presença. O que você pensa a respeito e que medidas você recomenda para isso sair do papel e se transformar em benefícios para cidadão e para a economia?
T.N. – Creio que, em termos de ação, pode ser uma opção concreta. Há dualidades desnecessárias e que esbarram no corporativismo. Quer um exemplo? Para fazer jus aos incentivos federais há que se fazer prova de ingresso físico dos insumos e mercadorias no território da Zona Franca, certo? Como se prova isso? Com o registro e fiscalização pela Suframa e Receita Federal, antes dois órgãos do mesmo poder público federal, hoje dois órgãos do mesmo Ministério da Economia. Por que manter? Só de perguntar já se atrai a ira de um sem número de pessoas. Outro exemplo é a possibilidade de se colocar todos os intervenientes do processo de comércio exterior em um mesmo teto. Dependendo do bem importado pode chegar a mais de 13 órgãos distintos. Tem espaço para a racionalização. Há espaço para uma articulação em muitos outros temas.
FUp – A Carta Magna do Brasil nos concede 8% de contrapartida fiscal para a redução das desigualdades regionais. Por que Estado e União, historicamente, se revelam incapazes de respeitar a Lei e aplicar os recursos recolhidos pelas empresas da ZFM nas finalidades previstas?
T.N. – Sempre defendi que temos de buscar duas coisas: Atividade econômica e Receita Pública. Acredito que o preceito constitucional se realiza por esse caminho. Fundos? Sou cético quanto à fluência regular de recursos. Em dados que compilei do ano 2000 até 2016, podemos identificar que recolhemos R$ 116 bilhões de tributos administrados pela Receita Federal no território do Estado e ficamos só com R$ 33,0 bi, entregando à União R$86,0 bi que pode usar em outras Unidades da Federação. Em outras palavras: recolhemos muito mais recursos para a União do que dela recebemos. Se mantivermos a atividade econômica, e com um mínimo ajuste no que recebemos de volta, faremos nosso desenvolvimento e preservaremos a floresta.
FUp – Mas o modelo Zona Franca não nos tornou dependente?
T.N. – Não há dúvida do êxito e eficácia, não há dúvida que devemos implementar alternativas baseadas na nossa diversidade, o Turismo, a Bioeconomia, temos um potencial imenso, mas esse é um caminho que se trilha com as 2 pernas, e o PIM é a mais forte. O Professor Vicente Nogueira costuma lembrar a expressão inglesas “easier said the done”, mais fácil dizer do que fazer. Claro que é uma alternativa e que precisa ser implementada agora, mas temos de dimensioná-la corretamente. O que é equivoco é pensar que não desenvolvemos porque temos o PIM, se isso fosse verdadeiro o Pará e demais estados amazônicos já o teriam feito.
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