Coordenador da proposta: “Diagnóstico territorial e potencialidades do Estado do Amazonas”, ora em debate entre as entidades do setor privado e a direção da Universidade do Estado do Amazonas, o professor Paulo Roberto Haddad nos sugere mais uma reflexão sobre os rumos da política econômica do país. A que se destina, quem paga a conta, quais as sequelas das medidas impostas pelo momento crítica da relação política entre poder e sociedade. Confira.
Questões controversas da atual política econômica
Paulo R. Haddad(*)
Há várias maneiras de se avaliar uma política econômica. Em termos pragmáticos, a melhor maneira seria analisar os seus resultados finalísticos, ou seja, se os seus objetivos, consistentes entre si, foram alcançados simultaneamente com relativo sucesso. Uma controvérsia em torno da atual política econômica brasileira se refere precisamente sobre a chamada “controvérsia de objetivos”. Na verdade, o grande esforço dessa política tem sido em torno do equilíbrio fiscal.
Ocorre, porém, que, na concepção de uma política econômica, o equilíbrio fiscal é tão somente uma restrição e não um objetivo no sentido técnico da lexicografia de planejamento.
Crescimento, distribuição e sustentabilidade
O equilíbrio fiscal pode ser considerado um resultado intermediário ou uma condição necessária para se atingirem os objetivos ou metas quando é possível quantificá-los. Os objetivos, por outro lado, relacionam-se geralmente com três questões fundamentais do desenvolvimento de toda a sociedade: uma taxa de crescimento econômico sustentado para gerar emprego e renda com estabilidade monetária; uma distribuição mais justa da renda e da riqueza produzidas ou acumuladas; a preservação, a conservação e a reabilitação dos ecossistemas onde as pessoas vivem.
A atual política econômica está centrada na redução das restrições e não nos objetivos de desenvolvimento da sociedade. Isso fica claro quando é chegada a hora de serem realizados cortes das despesas, necessários para o ajuste fiscal. Como não há objetivos explícitos na política econômica é impossível estabelecer prioridades ou avaliar o que se denomina de ‘trade-offs’ ou conflitos de escolhas.
Onde fica a saída?
Os cortes de gastos públicos acabam sendo realizados por critérios de conveniências burocráticas ou de oportunismo político. Em geral, eles ocorrem nos objetivos de políticas, programas e projetos quando não há vocalidade política organizada para defendê-los ou blindá-los. Esse contexto lembra um trecho de Alice no País das Maravilhas: “Onde fica a saída?”, perguntou Alice ao gato que ria; “Depende”, respondeu o gato. “De quê?”, replicou Alice; “Depende de para onde você quer ir…” Sem um projeto de desenvolvimento de médio e de longo prazos para o País, a política de gastos públicos deixa de ser orientada por objetivos e passa a ser uma sucessão inconsequente de decisões casuísticas. Provoca uma grande desorganização no funcionamento da administração pública dos três níveis de governo e o desmonte de instituições que levaram décadas para se consolidarem.
Decadência inevitável
A ausência desse projeto não resulta de uma miopia conceitual ou metodológica da tecnoburocracia que formula, implementa e controla as políticas econômicas. Há no fundo uma dimensão ideológica indizível em torno dessa questão: qual concepção de Estado deveria presidir os critérios de decisão para definir as prioridades dos cortes das despesas ou qual a prevalência de decisões no ajuste fiscal entre cortes de despesas basilares versus aumentos de impostos e taxas sobre a riqueza financeira e os dividendos das aplicações especulativas?
Essas questões tendem a nortear as diretrizes da equipe econômica implicitamente, sem que se possa debatê-las de forma crítica com uma base aliada arregimentada primordialmente para a perpetuação do poder político estabelecido e eivada de contradições ideológicas e doutrinárias.
Aparentemente, quando se mira apenas alguns indicadores macroeconômicos, tem-se a impressão de que tudo vai indo bem até que um dia se percebe que estamos envoltos num processo inexorável de decadência histórica. De novo lembra-nos Alice: “Ficou ali sentada, os olhos fechados, e quase acreditou estar no País das Maravilhas, embora soubesse que bastaria abri-los e tudo se transformaria em insípida realidade”.
(*) Haddad é professor emérito da UFMG, foi ministro da Fazenda e Planejamento do governo Itamar Franco, especialista em desenvolvimento regional, e autor de diversos livros sobre economia, ecologia e sustentabilidade.
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