A interlocução das entidades locais com os atores nacionais de todos os setores, não apenas da economia, mas da geopolítica, da história ou da cultura, entre outras áreas, é um benefício de mão dupla e um exercício de transparência e ensaio de integração deste país com dimensões continentais. Ganha o país e ganham os ocupantes desta região ignota que – considerando as dimensões da Amazônia Legal – representa 2/3 de seu território e uma parcela inimaginável de ignorância a seu respeito. Por isso, ainda retomando o III Debate Produtivo, devemos olhar com muita atenção para todos os momentos preciosos de reunir a tribo para refletir sobre seu cotidiano, desempenho, lugar e importância na paisagem nacional. E é neste contexto, que vale a pena retomar as anotações de Denis Minev, encarregado pelos organizadores de alinhar alguns pontos que representam a trajetória amazônica, a memória de resistência e o pioneirismo de empreender na floresta, que o Brasil parece desconhecer e, por incrível que pareça, os nativos costumam descuidar ou esconder na explicitação da identidade amazônica. Minev destacou comuns dados como verdadeiros, que são transformados em fatos na percepção da opinião pública do país em relação a Amazônia. Há um brado retumbante, por exemplo, segundo o qual os militares são os guardiões da Floresta. Este brado ressoa, ironicamente, a partir de gabinetes confortáveis na orla maravilhosa da cidade do Rio de Janeiro, Urca e Praia Vermelha, onde se concentram militares, despesas e o grosso do orçamento da instituição. O general Guilherme Theóphilo, que está deixando o Comando Militar da Amazônia, leva na bagagem a densidade de seus projetos e deixa na lembrança frustrada a escassez dos necessários recursos para sua materialização. Com dados do Ministério da Defesa em 2015, é possível concluir que as Forças Armadas do país subinvestem na Amazônia desde a independência do Brasil. De um contingente de 327 mil servidores das três Forças Armadas, a Amazônia (Comando Militar da Amazônia em Manaus e Comando Militar do Norte em Belém) tem 22 mil, ou seja, menos de 7%. Não foi possível separar os orçamentos, mas considerando-se que não há grandes instituições militares de ensino ou pesquisa na região, é provável que também menos de 7% dos orçamentos sejam aqui gastos. Ora, o que fazem tantos militares no Sudeste enquanto falta contingente e investimentos numa área em que todo o planeta tem olhar e cobiça permanente? Não é necessário ser um estudioso de assuntos militares ou de defesa para entender que, num país continental como o Brasil, ter menos de 7% dos seus investimentos em uma região que é reconhecidamente a mais delicada de soberania nacional e que cobre mais da metade do território e tem 54% das fronteiras (mesmo contando a fronteira com o oceano Atlântico) não é boa política pública ou militar. Em 2015 o orçamento de defesa do Brasil foi de R$ 80 bilhões. Se repartíssemos corretamente por área, a Amazônia receberia R$ 28 bilhões a mais (que os R$ 56 bilhões atualmente estimados). O Amazonas receberia R$ 13 bilhões a mais, o que aumentaria o PIB estadual em quase 20%. Considerando que a indústria amazonense contribui com cerca de 35% a 40% do PIB estadual, o justo investimento militar na região seria suficiente para cobrir metade da Zona Franca. É claro que para isso, os militares teriam de deixar o glamour da Cidade Maravilhosa. Esta talvez seja uma briga política até mais dura do que defender a Zona Franca.
Esquizofrenia Nacional
Minev discorre ainda sobre as distorções estruturais de uma Geografia capciosa, citando o professor de Harvard e ex-Ministro Roberto Mangabeira Unger, segundo o qual a visão a partir de Sudeste é que o Brasil se divide em Nordeste, onde os temas são sociais; No Sudeste, onde os temas são econômicos; e Amazônia, onde os temas são ambientais. Sob este aspecto, é fácil compreender a escassez dos investimentos nacionais na Amazônia. Os verdadeiros investimentos de grande porte na região são: hidrelétricas, que servem para produzir energia que é prontamente transmitida ao Sudeste. A hidrelétrica de Santo Antônio, por exemplo, construída em frente a Porto Velho, não fornece energia em Rondônia e se destina a empreendimentos estranhos ao interesse regional. Estradas e portos, desde que estes se destinem a escoar riquezas de outras regiões (soja do Mato Grosso, por exemplo). Se buscarmos na mais recente iteração de investimento nacional, o PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, é o que há de medida pública federal focada na região. Investimentos para viabilizar a atividade produtiva na Amazônia são poucos, se é que existem. Portos de contêineres, aeroportos, hidrovias, estradas, onde estão? O IBAMA acaba de reiterar o embargo da BR 319. Eles exigem novo EIA/RIMA para o “trecho do meio”. Já foram gastos mais de R$ 200 milhões nestes estudos, considerados “insuficientes” pelos burocratas poderosos e a estrada, que só precisa de manutenção, segue intransitável. Tomando apenas o Amazonas, quantos km de rodovias foram construídos no Estado nos últimos 20 anos? Zero. Ferrovias? Zero.
Cavalos de Tróia
Portos para contêineres? Zero. Quilômetros de hidrovias balizadas? Zero. Mesmo os três investimentos que recebemos nos últimos 20 anos foram entregues como presentes de grego, verdadeiros Cavalos de Tróia. 1) Linhão de Tucuruí interligou Manaus ao grid nacional, o que fez com que fosse eliminado o subsídio nacional às usinas de diesel que abasteciam Manaus. Na prática, os benefícios foram diluídos dentre os consumidores nacionais, sendo que os consumidores de Manaus tiveram aumentos de conta de energia ainda maiores que a média nacional, segundo a ANEEL. O último castigou o Estado com um acréscimo de reajuste em 40%. 2) Gasoduto Urucu-Manaus – sob a gestão da “eficientíssima” Petrobrás, um gasoduto inicialmente orçado em R$ 2,4 bilhões que custou R$ 5 bilhões. É uma das obras que, segundo publicação na imprensa, o delator Pedro Barusco indicou como contendo sobrepeso na operação Lava Jato, feito pelas empreiteiras Andrade Gutierrez e Camargo Correa, dentre outras. Pelo contrato com a empresa que detém a concessão da distribuição do gás natural no Amazonas (CIGÁS), a Petrobrás dilui o investimento (e, portanto, a gratificação sombria) e juros do investimento no total de gás que é consumido. Dado o ainda baixo consumo de gás, o preço é proibitivo para qualquer atividade petroquímica ou de maior volume de fundição (cimento, vidro, etc.), que poderia representar nova matriz econômica ao estado. Na prática, o consumidor e produtor amazonense continuamente pagam a propina das empreiteiras. 3) Aeroporto de Manaus – o redesenho do aeroporto feito para receber a Copa do Mundo e apresentado à FIFA tinha 14 fingers, os dedos de conexão com as aeronaves, e duas pistas de pouso, sendo que uma ampliada para receber os maiores aviões em viagens longas (como para Europa) com tanque cheio. O antigo aeroporto tinha uma pista curta demais para os maiores modelos e apenas 6 fingers. Após repetidos cortes, o “novo” aeroporto tem 8 fingers e manteve a mesma pista. Foi feito pela empreiteira Engevix (incluída na Operação Lava Jato), que nunca oficialmente terminou a obra. Já hoje tem limitações de capacidade, mesmo recém De costas e de cócoras
Até mesmo os recursos minerais no estado são ignorados e nunca disponibilizados à iniciativa privada, a despeito de investidores interessados. Dois casos chamam a atenção: a reserva de potássio da Petrobrás no município de Nova Olinda do Norte (a Petrobrás se recusa a investir ou a ceder já há 40 anos) e a reserva de nióbio em São Gabriel da Cachoeira. O Estado tem a maior província mineral do planeta em diversos itens da tabela periódica e o Brasil se mostra incompetente para gerenciar este ativo. Em São Gabriel da Cachoeira, a ausência do Estado, no sentido pátrio, tem sido oportunidade de contravenções e desequilíbrios graves no âmbito socioambiental. Apenas a título de exemplo, em 2014, o governo federal brada que investiu R$ 77,5 bilhões. O Amazonas tem 2% da população, 2% do PIB e 18% do território nacional. Dando peso 5 à população, 5 ao PIB e 1 ao território nesta equação (justo?), o valor adequado ao Amazonas seria da ordem de 3,5% do total nacional, ou R$ 2,7 bilhões. Um prêmio a qualquer um que encontre mais de R$ 1 bilhão de presença empreendedora da União no bioma Amazonense. Voltaremos ao assunto.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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