Entrevista com o cientista Niro Higuchi – Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)
Niro nasceu no Paraná, em 1952, e trabalha em Manaus, no Inpa, desde 1980. É Engenheiro Florestal (UFPR 1975), Mestre (UFPR -1978), Doutor (Michigan State University 1987) e Pós-Doutor (University of Oxford 1998). Pesquisador em Recursos Florestais e Engenharia Florestal, com ênfase em Inventário e Manejo Florestal, é membro titular da Academia Nacional de Engenharia (ANE) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Único brasileiro a receber o prêmio Nobel da Paz, em 2007, com outros cientistas que trabalham na ONU, para estudos e defesa do Clima.
1) Follow Up – Sua premiação pela Fundação Nobel reconheceu seus estudos da floresta amazônica como fator de discussão vital das mudanças climáticas. Como compatibilizar a questão ambiental com o desenvolvimento socioeconômico da Amazônia?
Niro Higuchi – Não há incompatibilidade entre desenvolvimento e meio ambiente quando existe um plano de longo prazo para orientar as iniciativas de intervenção na floresta. Infelizmente a Amazônia só entra em pauta mediante pressões da imprensa e da comunidade internacional. Uma discussão pontual se instala aqui e ali e depois é esquecida. Esse vai e vem sinaliza descaso, falta de rigor no trato com esse patrimônio monumental que todos os países do mundo gostariam de possuir. Precisamos de um plano persistente, consistente e eficiente de longo prazo para exportar as soluções que a humanidade precisa nessa relação emblemática do homem com a biodiversidade.
2) FUp – Em dezembro último, o Ministério do Meio Ambiente publicou as proibições da flora e da fauna supostamente ameaçadas de extinção no Brasil. Na área de floresta são quase 300 espécies que estão em risco, portanto, são proibidas de manejo. As instituições de pesquisa da Amazônia foram ouvidas na composição da “Lista Nacional Oficial de Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção”?
NH – Temos na Amazônia os dois maiores herbários do país, o do Inpa e o do Museu Botânico Emílio Goeldi. Não me consta que tenham sido consultados e isso é mais um indicador da distância existente entre os órgãos de gestão e os interesses do cotidiano amazônico. Essa lista das espécies florestais seleciona alguns itens e, indiretamente, autoriza a utilização sem critérios de outras espécies. Permitir tudo ou permitir nada não é caminho. É preciso cautela quando está em jogo o bioma amazônico, pois falta muito conhecimento, equipamento de Botânica e de Engenharia Genética para amparar decisões. Será que os autores dessa proibição, a definição da lista, conhecem satisfatoriamente as espécies? A identificação botânica, a ocorrência, as coleções, os protocolos, tudo isso leva anos para definir. Certamente os nativos não foram consultados. Medidas como essa exigem audiência pública, a oitiva dos mateiros, dos empresários, dos engenheiros florestais. O INPA está produzindo um documento para discutir as razões, critérios e implicações dessa decisão.
3) FUp – Às vésperas dos 48 anos da ZFM, o que a comunidade científica tem a dizer sobre este modelo de desenvolvimento?
NH – Essa zoada política dos inimigos ou da prorrogação da ZFM carece de sentido. Uma grande bobagem. Os paulistas são maioria no polo industrial e eles não vão querer acabar com o próprio negócio. Com a prorrogação o risco agora é novamente o da acomodação, sobretudo da classe politica e, em parte, de alguns empresários. Por isso é preciso definir um novo modelo, a destinação dos recursos aqui produzidos para consolidar um modelo alternativo. E eu tenho um sonho a respeito, fundado numa nova indústria, a indústria do conhecimento. Algo similar ao Vale do Silício, cuja matéria prima gerou aquela experiência de êxitos. Nossa matéria prima, além da madeiras, dos genomas e dos minérios, é a do conhecimento do processo evolutivo de milhões de anos na biodiversidade. Entender esse processo, acompanhar e partilhar as operações ocorridas no bioma amazônico, é extrair a chave de milhares de enigmas no cotidiano da humanidade. O projeto Genoma, do qual cientistas do Brasil participaram, é um exemplo singular do que estou falando. Assim como no Vale do Silício, a premissa é colocar gente talentosa, e inteligente para produzir soluções, exportar conhecimento, a partir dos talentos e da bagagem de mais de 20 mil anos de relacionamento entre o homem e a floresta. O vale da Biotecnologia, da bioengenharia genética, para equacionar os enigmas que atormentam a espécie humana é nossa maior vocação de negócios.
4) FUp – Que outras alternativas econômicas são coerentes com a vocação de negócios da região?
NH – Essa indústria do conhecimento, por si, atrairia múltiplos negócios e muitos segmentos de estudos e de novas oportunidades, para diversificar este modelo que pouco tem agregado em termos de inovação na rotina produtiva. Atrelado a essa atração de novos segmentos, está um nicho de múltiplos negócios que o turismo representa em suas várias modalidades, além do turismo do conhecimento, o de aventuras, de gastronomia, lazer, o naturismo, entre outras vocações sem similar em outras partes do mundo. Não podemos descuidar também dos fitoterápicos da andiroba, copaíba, entre tantos outros, a indústria das fibras, celuloses e nanoceluloses, resinas. Para isso, porém, é preciso estimular talentos e novas pesquisas.
5) FUp – Você representa a comunidade científica no CAPDA, o comitê que responde pela aplicação das verbas de P&D para a região. O que fazer com esses recursos pagos pela indústria e desviado para outros fins?
NH É preciso parar para acertar. Os membros deste Comitê não têm poder de decisão, as matérias já vêm decididas à nossa revelia. E a grande saída para a Amazônia é o investimento na indústria do conhecimento de seu bioma. Até esta semana pensávamos que o fio da seda de aranha era o material biológico mais forte, com maior potencial para ser aplicado em tudo, de coletes à prova de balas a materiais eletrônicos. Cientistas ingleses, porém, descobriram que o dente de molusco tem uma força potencialmente maior. Suas estruturas podem ser copiadas para fazer carros, navios e aviões do futuro. Moluscos têm uma língua de cerdas com pequenos dentes para coletar comida de rochas e levá-la à boca, muitas vezes engolindo partículas rochosas no processo. O conhecimento acerca dos moluscos de água doce na região amazônica está longe de ser considerado satisfatório. Desde 2004, porém, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Lago do Tupé, no Negro e o lago Tupé, pesquisadores do Inpa estudam a diversidade de espécies nestes ambientes, com o objetivo de expandir o conhecimento a respeito da distribuição dos moluscos na Amazônia, ampliar o acervo da Coleção de Moluscos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Já foram encontradas quatro espécies de moluscos, ampliando para 33 o número de coleções da espécie.
6) FUp – Que outras linhas de pesquisa merecem atenção ou prioridade de investimentos para novos negócios na região?
NH – Os cientistas não estão focados nos negócios, essa é uma função do gestor público, que tem a obrigação de aproximar academia e setor produtivo. Nos estudos do Clima, aqui no departamento, estamos estudando os compostos orgânicos voláteis, da sigla inglesa, VOCs, os componentes químicos e bioquímicos presentes em diversos tipos de materiais sintéticos ou odores naturais que se caracterizam por possuírem alta pressão de vapor, o que faz com que se transformem em gás ao entrar em contato com a atmosfera através de um processo conhecido como fotorreação. Vamos caminhar para estudar as emissões da floresta, seus odores, eventuais danos ou benefícios à saúde das pessoas e do clima no curto ou longo prazo. Por outro lado, nesse momento de escassez da água no Sudeste e de ilações apressadas que associam o fenômeno à floresta amazônica, precisamos ampliar os investimentos na gestão da água na região, sua evapotranspiração e dinâmica efetiva e não discursiva, ou acusatória, um instrumento clássico e enganoso de responsabilizar a floresta pelos desequilíbrios climáticos incontornáveis. Em suma, é preciso pesquisar, e ficar de olho nas oportunidades à disposição.
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Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM.
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