Desde a divulgação da nova Lei Nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012, que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, os Municípios brasileiros passaram a dispor de um instrumento referencial para debater, identificar seus gargalos da vida social e propor a reinvenção do espaço urbano, pontuando a mobilidade urbana como o ponto nevrálgico desta discussão. Em artigo publicado pela Associação Nacional de Transportes Públicos, ANTP, o Conselheiro do CIEAM, Lucio Flavio Moraes de Oliveira, com o título Sensibilização à Mobilidade Urbana, chamava a atenção, há três anos, para a delicadeza e relevância do problema. “É fundamental, desde o Artigo 1º, perceber na legislação da Política Nacional de Mobilidade Urbana o instrumento referencial da política de desenvolvimento urbano de que trata o inciso XX do art. 21 e o art. 182 da Constituição Federal, objetivando a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do Município”. Para ele, o que todos buscamos é atingir um desenvolvimento urbano sustentável e esse passa a ser um grande desafio que implica em refazer ou reinventar as cidades de forma inteligente e inclusiva. “Se queremos mobilidade temos que ter uma cidade acessível inclusiva e integrada”. E foi exatamente este o espirito das iniciativas tomadas pelo CIEAM, em conjunto com professores e pesquisadores da academia, para integrar os debates e encaminhamentos do Plan-Mob, o Plano de Mobilidade de Manaus. Formalizamos dois documentos para o poder público com este propósito. Ficamos sem resposta. Buscávamos saber onde entraria o Polo Industrial de Manaus no Plano. Como inserir a mobilidade de 120 mil trabalhadores diretos e 700 mil indiretos, as rotas de leva e traz trabalhadores em 2.500 viaturas de transporte, a inserção destes fatores, vitais e essenciais para a municipalidade, a região e o país. Afinal, aqui funciona o III PIB Industrial do Brasil. O Plan-Mob deixou de lado este fato como tem feito o poder público no enfrentamento deste e de outros desafios que constrangem trabalhadores, empresários e usuários das vias públicas assustadoramente esburacadas do Distrito Industrial. Em entrevista à Follow-Up, o professor Augusto Rocha, da Ufam, e empresário associado desta Entidade, enumera algumas questões, destaca cenários e convida o bom senso a pensar o espaço urbano, onde vivemos e convivemos, em harmonia com o ambiente e as peculiaridades socioeconômicas de Manaus, adotando boas práticas e soluções harmoniosas e simples para os cidadãos. Confira.
- Follow-Up: O poder público adotou padrões urbanos consagrados em outras metrópoles para pensar soluções para Manaus. O que é mobilidade urbana para uma cidade como está, cercada de florestas e cortadas por Igarapés?
Augusto Rocha: Mobilidade urbana é um conceito bem amplo. Em síntese o que se espera com uma política de mobilidade urbana é que o custo econômico para as necessidades de movimentação dos habitantes de uma cidade seja o menor possível, no que diz respeito ao custo financeiro e ao tempo das pessoas. Assim, se uma pessoa conseguir fazer uma viagem não motorizada diária, como uma caminhada entre sua casa e o trabalho, será muito melhor para a economia e para a cidade do que ela fazer um percurso no mesmo tempo de carro. Para isso ser viável e interessante para o morador faz-se necessário que o movimento pendular diário casa-trabalho-casa ou casa-escola-casa seja inferior a uma hora ou não muito mais que isso. Assim, será adotado o modo de transporte mais apropriado. Até 2km: a pé. Até 6km de bicicleta, ônibus ou outro transporte coletivo, preferencialmente, para que tenha um menor custo para a economia. Distâncias superiores a 6km podem indicar ônibus ou outros modos, uma vez que combinações também são válidas – parte a pé, parte de bicicleta, parte de ônibus. Não é uma conta rígida – o grande objetivo é buscar o menor custo com sustentabilidade. Isso indica: sempre que possível não usar motores. Quando motores forem necessários – sempre que possível para transportes públicos de capacidade compatível com o volume de pessoas a serem transportadas, com grande frequência e rápido e, em último caso, usar automóveis.
Precisamos pensar na mobilidade urbana considerando nossa geografia. Desta forma, a política deve buscar induzir o habitante a utilizar o modelo mais sustentável possível. Com isso faria todo o sentido a nossa política de mobilidade adotar múltiplas soluções de transporte, pois é um problema sistêmico e problemas sistêmicos demandam soluções diversas. Não será possível ter apenas um modo de transporte. Barcos, catraias, bicicletas, carros, caminhadas etc. Tudo deve ser considerado. Outras formas devem também ser consideradas, como trens, metrôs, VLT, BRT, BRS… há espaço para múltiplas soluções em Manaus. As discussões têm sido bem pequenas… como se Manaus ainda fosse um Porto de Lenha. Não parece que temos um legítimo debate técnico, onde se é duro com os problemas e leve com as pessoas. Estamos sendo duros com as pessoas e leves com os problemas ou mesmo leve com as pessoas e leve com os problemas. Não temos enfrentado os problemas. Entendo que a academia poderia contribuir muito para este debate, se houvesse interesse real em ouvir nossos especialistas, mas parece que nossa sociedade não parece reconhecer a ciência… precisamos chegar a um Iluminismo Amazônico…
- FUp: Manaus é uma cidade eminentemente industrial, mesmo sem chaminés. Como compatibilizar as demandas urbanas de desenvolvimento com fragilidades ambientais?
AR: Este é o desafio. É um trabalho hercúleo. Se juntássemos UFAM, UEA, PMM, entidades industriais e comerciais (CIEAM, FIEAM, FECOMERCIO, ACA, CDL, CREA, CRA…) com nossos melhores especialistas e que conhecem nossa realidade já seria um desafio grande. Este esforço poderia ser moderado por alguma empresa de consultoria hábil nesta integração. Se todos estes atores olhassem para a mesma massa de dados de pesquisa primária seria um método que teríamos boas chances de sucesso. Qualquer coisa longe disso é pouco provável, pois não temos entre nós (por enquanto) nenhum Jaime Lerner ou Jan Gehl amazonense. Assim, é preciso trazer todos os especialistas para trabalhar o tema. Em conjunto. De um grupo assim, emergirá a solução. Não consigo perceber outra forma para este tipo de problema, pois é um problema técnico e problemas técnicos precisam de especialistas para resolver. Você usaria um Clínico Geral sozinho para resolver um problema em todo o seu sistema circulatório e sistema nervoso? Sozinho? Ou usarias uma junta médica com diferentes profissionais? Por que para o corpo temos tanto cuidado e tanto desleixo para as cidades? Temos um problema multidisciplinar que exigem, no mínimo, especialistas de Arquitetura, Engenharia Civil, Pesquisa Operacional e Urbanismo. Não há respostas prontas e nossa atividade industrial precisa ser respeitada. Por exemplo, não vejo como restringir tráfego de caretas em muitas vias de Manaus, pois este tráfego faz parte de nossa principal atividade econômica. Não vejo como não aproveitar nossos igarapés e suas margens – deveríamos ter ciclovias por margens bosqueadas dos igarapés. Precisamos explorar nossa belíssima natureza. Poderíamos ter diversos parques pela cidade ao lado de todos os igarapés, com vias construídas com custo baixo e não com montanhas de concreto. É preciso aprender com as soluções de outros lugares: econômicas e simples.
- FUp – Os 2500 veículos que levam e trazem trabalhadores de casa para as fábricas ficam estacionados entre os turnos. Como incluir esta distorção num plano integrado e sustentável de mobilidade?
AR: Há diversas oportunidades. É um desperdício esta enorme frota ficar parada a maior parte do dia. É muito caro para as empresas de transporte e empresas industriais. Precisamos chegar à modelos rentáveis para empresas de transporte. O modelo atual é pouco eficiente. Manaus possui apenas 20km entre o Teatro Amazonas e a Reserva Ducke! Em linha reta seria possível fazer este percurso em cerca de uma hora de bicicleta. Não me parece ter sentido permitir que continuemos em um sistema que para viagens de 10km nosso concidadão precise levar mais de uma hora de ônibus. É muito desperdício de vida e de dinheiro. Um exemplo do que poderia ser feito para melhorar o modelo atual: uma regulamentação onde as empresas de transporte coletivo levassem todos os funcionários para um terminal no Distrito Industrial (DI) e deste terminal existissem ônibus urbanos para as diferentes áreas do Distrito Industrial. Com uns 15 terminais pela cidade poderiam existir ônibus não paradores com destino a este grande terminal no DI. Um ativo muito menor, com um custo muito menor para os empresários e com lucro para as empresas do setor. Empresas maiores poderiam interferir nos horários das linhas, pois poderia existir uma passagem mais barata, com descontos associados ao volume de bilhetes. O modelo atual está deixando as empresas sem lucro e o pior… as pessoas começam a torcer contra as empresas, o que é um contrassenso, pois precisamos de emprego, renda e impostos. A busca é um modelo para todos ganharem. Hoje estamos em uma época onde ainda se pensa que para um ganhar o outro deve perder. Precisamos chegar ao século XXI neste patamar de convivência social coerente e inteligente para o bem estar geral.
DEBATES PRODUTIVOS II – Produção de Alimentos
Com o Objetivo de mobilizar atores públicos e privados para debater viabilidade de produção de alimentos no Estado, CIEAM. FIEAM, FAEA e AFEAM realizam nesta sexta-feira, das 9:00 às 12:00, na sede do CIEAM, o II DEBATES PRODUTIVOS, focando as alternativas de produção agroindustrial – modelo demonstrativo – no município de Presidente Figueiredo para abastecer o mercado local e regional. Identificar, organizar e propor mecanismos institucionais e de inovação tecnológica para reduzir a dependência de Manaus e Amazonas dos alimentos importados de outras praças, cerca de 90% do que aqui é consumido.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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