Heróis da resistência. Literalmente aos trancos e barrancos, o Inpa viceja nos anos 50 com o adubo da boa vontade e a criatividade que os momentos de penúria impõem. Graças ao desprendimento do botânico Renato Jaccoud, por exemplo, o primeiro pesquisador contratado pelo Instituto, junto com seu microscópio, deu-se início a investigação das espécies na montagem do herbário, de acordo com o relato sentimental de William Rodrigues, um pioneiro. O Hospital da Santa Casa de Misericórdia, a Secretaria de Saúde do Amazonas, o Laboratório de Veterinária, do Departamento de Economia Agrícola do Estado do Amazonas, cederam seus laboratórios e equipamentos para o setor médico e de veterinária do Inpa poderem iniciar provisoriamente os inventários. A maioria dos auxiliares técnicos eram estudantes do Colégio Estadual do Amazonas e Instituto de Educação, depois treinados por toda a equipe de pesquisadores do Inpa para trabalharem nos laboratórios de então. Muitos deles acabaram se destacando mais tarde como pesquisadores. Alguns professores da cidade foram convidados, o bioquímico Bastos Lira, o historiador e advogado Mário Ypiranga Monteiro, o advogado Afonso Nina, o advogado e físico Octávio Mourão e médicos como Djalma Batista, entre outros. Sempre sob o signo da escassez de recursos, ameaçado várias vezes, por isso mesmo, de ser extinto por falta condições mínimas de trabalho. Olympio da Fonseca Filho e Arthur Reis, os primeiros diretores, descrevem em seus relatórios, o desafio de dar conta do riscado: “…promover o estudo científico do meio físico e das condições de vida da região amazônica, tendo em vista o bem-estar humano e os reclamos da cultura, da economia e da segurança nacional”. Adolpho Ducke, por sua vez, foi o responsável direto pela criação da Reserva Florestal do Inpa que acabou recebendo o seu nome. Foi dele a escolha da sede do Inpa em Manaus, sob o argumento de que a região central em que se encontra sintetiza a flora e fauna amazônicas. Celebrar, pois, a comunhão de esforços e resgatar a cumplicidade fecunda de propósitos dessa obstinação guerreira, muitas vezes anônima, é festejar a afirmação de respostas pra reinventar a Amazônia, na perspectiva do compromisso de transformação que o Inpa e seus operários do saber, estão a construir!
O Instituto e as novas matrizes
Em fevereiro último, o cientista Niro Higuchi, do Inpa, uma de nossas autoridades e vaidades quando o assunto é economia florestal, silvicultura e clima, numa entrevista à esta Follow Up, sobre alternativas econômicas mais coerentes com a vocação de negócios da região, insistia na questão de mais pesquisas sobre o bioma: “Essa indústria do conhecimento, por si, atrairia múltiplos negócios e muitos segmentos de estudos e de novas oportunidades, para diversificar este modelo que pouco tem agregado em termos de inovação na rotina produtiva. Atrelado a essa atração de novos segmentos, está um nicho de múltiplos negócios que o turismo representa em suas várias modalidades, além do turismo do conhecimento, o de aventuras, de gastronomia, lazer, o naturismo, entre outras vocações sem similar em outras partes do mundo. Não podemos descuidar também dos fitoterápicos da andiroba, copaíba, entre tantos outros, a indústria das fibras, celuloses e nanoceluloses, resinas. Para isso, porém, é preciso estimular talentos e novas pesquisas.”
Verbas de P&D
Ele insiste, a propósito, na revisão dos critérios para uso das verbas de P&D. O pesquisador Niro Higuchi, representa a comunidade científica no CAPDA, o comitê que responde pela aplicação das verbas de P&D para a região. Em novembro último, ele testemunhou o repasse das verbas do FNDCT, o fundo federal de pesquisas, recursos pagos pela indústria e desviado para outros fins. Para Higuchi, com mais de três décadas de pesquisa no Inpa, “… é preciso parar para acertar. Os membros deste Comitê não têm poder de decisão, as matérias já vêm decididas à nossa revelia. E a grande saída para a Amazônia é o investimento na indústria do conhecimento de seu bioma. Até esta semana pensávamos que o fio da seda de aranha era o material biológico mais forte, com maior potencial para ser aplicado em tudo, de coletes à prova de balas a materiais eletrônicos. Cientistas ingleses, porém, descobriram que o dente de molusco tem uma força potencialmente maior. Suas estruturas podem ser copiadas para fazer carros, navios e aviões do futuro. Moluscos têm uma língua de cerdas com pequenos dentes para coletar comida de rochas e levá-la à boca, muitas vezes engolindo partículas rochosas no processo. O conhecimento acerca dos moluscos de água doce na região amazônica está longe de ser considerado satisfatório. Desde 2004, porém, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Lago do Tupé, no Negro e o lago Tupé, pesquisadores do Inpa estudam a diversidade de espécies nestes ambientes, com o objetivo de expandir o conhecimento a respeito da distribuição dos moluscos na Amazônia, ampliar o acervo da Coleção de Moluscos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Já foram encontradas quatro espécies de moluscos, ampliando para 33 o número de coleções da espécie”.
A floresta e o clima
Em pauta, a questão do clima, com reunião global prevista para dezembro, em Paris, o pesquisador arremata seu posicionamento sobre outras linhas de pesquisa que merecem atenção ou prioridade de investimentos para novos negócios na região. “Os cientistas não estão focados nos negócios, essa é uma função do gestor público, que tem a obrigação de aproximar academia e setor produtivo. Nos estudos do Clima, aqui no departamento, estamos estudando os compostos orgânicos voláteis, da sigla inglesa, VOCs, os componentes químicos e bioquímicos presentes em diversos tipos de materiais sintéticos ou odores naturais que se caracterizam por possuírem alta pressão de vapor, o que faz com que se transformem em gás ao entrar em contato com a atmosfera através de um processo conhecido como fotorreação. Vamos caminhar para estudar as emissões da floresta, seus odores, eventuais danos ou benefícios à saúde das pessoas e do clima no curto ou longo prazo. Por outro lado, nesse momento de escassez da água no Sudeste e de ilações apressadas que associam o fenômeno à floresta amazônica, precisamos ampliar os investimentos na gestão da água na região, sua evapotranspiração e dinâmica efetiva e não discursiva, ou acusatória, um instrumento clássico e enganoso de responsabilizar a floresta pelos desequilíbrios climáticos incontornáveis. Em suma, é preciso pesquisar, e ficar de olho nas oportunidades à disposição.”
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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