“A tragédia do Sudeste expõe o essencial: em tempos de agravamento climático, vence quem constrói soluções, não quem reivindica liderança.”
As tragédias que atingiram o Sudeste Asiático nos últimos dias — enchentes na Indonésia, tufões nas Filipinas, deslizamentos no Vietnã — repetem o padrão observado em praticamente toda a faixa tropical do planeta. A mesma vulnerabilidade que se vê nas monções asiáticas se observa na seca amazônica, nas perdas agrícolas da África Ocidental e na instabilidade hídrica do sul da Índia. O fio condutor é evidente: o Sul Global concentra os maiores impactos climáticos e, portanto, precisa concentrar também as soluções.
A Amazônia entra nesse debate não como candidata a hegemonia, mas como território que oferece ativos essenciais, capazes de fortalecer uma ação coletiva entre os trópicos.
Com 20% da água doce superficial do planeta, 20% da biodiversidade global e a maior captação natural de energia solar da Terra, a floresta integra um sistema de vida que não deve ser exibido como instrumento de poder, mas compartilhado como base de cooperação. O mesmo se aplica às florestas tropicais da Indonésia e do Congo, às bacias hídricas da Ásia e da África, e aos sistemas alimentares que sustentam a maior parte da população mundial.
Essa cooperação se fundamenta em dois pontos principais:
1- primeiro, porque os trópicos são o epicentro das tragédias climáticas — e já não há tempo para esperar que os países desenvolvidos cumpram promessas que se arrastam de COP em COP;
2- segundo, porque os trópicos reúnem os ativos mais estratégicos do século XXI — água, energia limpa, biodiversidade, conhecimento tradicional, juventude e capacidade de adaptação.
Os países ricos reconhecem, nos discursos, as responsabilidades históricas que carregam. Mas entre o anúncio e a entrega há um abismo. Os mecanismos financeiros que deveriam fortalecer adaptação, proteção de florestas e infraestrutura resiliente ainda não chegaram onde são mais necessários. Enquanto isso, as tragédias aumentam, as perdas humanas crescem e a janela de segurança climática do planeta se estreita.
Por isso, a narrativa que emerge não é de competição entre blocos, mas de aliança entre territórios que enfrentam simultaneamente secas extremas, enchentes sem precedentes, perda de biodiversidade, crises sanitárias e ameaças à produção de alimentos. A Amazônia, a Indonésia, o Congo, a Índia e o Sudeste Asiático compartilham riscos e responsabilidades — e podem compartilhar ciência, tecnologias, políticas e respostas rápidas.
A contribuição amazônica para essa aliança não está em reivindicar centralidade, mas em oferecer caminhos: pesquisa biológica e climática, soluções baseadas na floresta em pé, modelos energéticos adaptados às zonas isoladas, conhecimento ancestral para manejo de ecossistemas, bioeconomia de baixo impacto, proteção de nascentes e rios, além de uma visão de desenvolvimento que combina inovação com responsabilidade.
Diante do agravamento das tragédias climáticas, torna-se cada vez mais claro que o futuro não será determinado por quem “lidera o mundo”, e sim por quem constrói as soluções capazes de mantê-lo habitável. E essas soluções não são obra de uma potência isolada, mas de uma aliança tropical, capaz de agir no ritmo da urgência climática — e de cobrar, com legitimidade, que o Norte Global cumpra seu papel.
Em síntese: os trópicos carregam o maior fardo da crise e, ao mesmo tempo, os ativos mais valiosos para enfrentá-la. A sobrevivência humana não será obra de um país, e sim de muitos — conectados por uma mesma faixa de sol, chuva, vulnerabilidade e esperança.