“Juiz ganhando R$ 40 mil “dentro da legalidade”? A Constituição fala em teto, mas o sistema abre ralos por onde escorrem auxílios, bônus e gratificações que transformam exceções em regra. Enquanto isso, super emendas alimentam feudos eleitorais sob o manto da legalidade orçamentária. Tudo isso amparado por uma reforma proibida — aquela que nunca toca nos de cima”
Dizem que o Brasil precisa de reformas. Repetem isso em discursos inflamados, entrevistas bem editadas, lives patrióticas e editoriais assépticos. Mas há uma reforma que nenhum deles quer: a reforma administrativa. Não a reforma feita para cortar gastos com saúde, educação ou segurança — essas, sim, avançam com facilidade. Falo da reforma que mexe nos privilégios dos altos escalões do Estado.
Aquela que ousa tocar nos supersalários, nas superaposentadorias, nos superbenefícios e nas superemendas que irrigam uma casta de servidores, parlamentares e magistrados blindados pela moral do “merecimento”. Sim, é proibido falar disso. Mais ainda: é perigoso. O poder não gosta de ser confrontado — especialmente quando está acostumado a se proteger com toga, mandato ou gabinete refrigerado com verba indenizatória.
A reforma da mentira
A atual proposta de reforma administrativa foi empurrada para debaixo do tapete assim que sugeriu algo incômodo: que os próprios poderes propusessem cortes para si mesmos. O Congresso reagiu com silêncio oblíquo. O Judiciário olhou para o teto de mármore. O Executivo, como sempre, ensaiou uma retórica vazia, sem tocar nos “penduricalhos” que transformam salários em fortunas mensais. E enquanto isso, os brasileiros reais — professores, enfermeiros, policiais, jovens sem horizonte e aposentados humilhados — seguem pagando a conta do banquete.
Super salários, super emendas, super silêncio
Você já ouviu falar de um juiz ganhando R$ 40 mil por mês “dentro da legalidade”? Pois é. A Constituição fala em teto, mas o sistema cria ralos por onde escorrem auxílios, verbas, bônus, gratificações e acúmulos que transformam a exceção em regra. As super emendas parlamentares, por sua vez, viraram moeda de chantagem institucional, alimentando feudos eleitorais sob o manto da legalidade orçamentária. São bilhões repassados sem transparência, distribuídos entre os “defensores da pátria” que juram amar o Brasil — mas amam ainda mais suas emendas, seus cargos e seus mistérios.
O Brasil real não cabe nos privilégios
O discurso da “austeridade” só vale para os de baixo. Para quem anda de ônibus, paga imposto em tudo, enfrenta fila no hospital e estuda com goteira no teto. Para os de cima, não. Para eles, há sempre um “direito adquirido”, uma “jurisprudência protetiva”, um “reajuste técnico” ou um “novo auxílio emergencial para os emergentes do topo”. É por isso que a reforma administrativa virou uma ficção de péssima literatura: ninguém quer escrever os capítulos que envolvam o próprio bolso, o próprio poder ou o próprio castelo.
Reforma de verdade começa com coragem
Reformar o Brasil exige muito mais que slogans de campanha ou projetos engavetados. Exige nomear os privilégios, denunciar os abusos e enfrentar os donos da máquina pública que vivem da máquina, mas não para ela. Reforma de verdade não é contra o servidor público honesto, que sustenta a escola, o posto de saúde ou o cartório da cidade do interior. A reforma que precisamos é contra o cinismo de quem se diz patriota, mas age como parasita institucional.
Enfim, ou se reforma, ou se repete o colapso
Sem coragem para fazer a reforma que importa, o Brasil continuará rodando em círculos: cortando onde não deve, poupando quem não precisa e mentindo para quem já não acredita. A pergunta que fica é simples: até quando vamos manter essa farsa de pé? Até quando os Três Poderes fingirão que estão em lados opostos, quando na verdade são só três tentáculos de um mesmo monstro patrimonialista? Não há saída honesta sem mexer no vespeiro. E não há Brasil justo com privilégios intactos. A história nos julgará — e o povo, uma hora dessas — também.