Em agosto de 2008, a Anglo American Brasil, filial da mineradora britânica, recebeu um financiamento de R$ 64 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Esse montante fazia parte de um empréstimo total de R$ 2,3 bilhões destinado à exploração de minério de ferro no Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais, e à construção de um mineroduto de aproximadamente 550 quilômetros. O financiamento era vinculado ao BNDES Finem – Meio Ambiente, focado em investimentos sustentáveis.
Contudo, o projeto enfrentou críticas devido a uma série de violações ambientais. De 2013 a 2018, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) impôs multas totalizando R$ 79,1 milhões à Anglo American, relacionadas apenas ao projeto financiado pelo BNDES. Foram registrados dez autos de infração, com multas variando de R$ 50,5 mil a R$ 17,5 milhões, devido ao descumprimento de condicionantes ambientais e falhas na licença de instalação.
Os problemas se intensificaram entre abril e maio de 2018, após dois rompimentos no Mineroduto Minas-Rio, operado pela Anglo American. Esse duto transporta ferro de Conceição do Mato Dentro, a 160 km de Belo Horizonte, até o Porto do Açu, no litoral norte do Rio de Janeiro.
Investigações da Agência Pública indicam que o BNDES, autodenominado “banco nacional do desenvolvimento sustentável”, concedeu mais de R$ 1,8 bilhão em empréstimos sustentáveis para empresas acumulando R$ 590 milhões em multas ambientais pelo Ibama. Entre as companhias financiadas e posteriormente multadas estão grandes nomes como Vale e Braskem, ambos envolvidos em escândalos ambientais.
Impactos e controvérsias ambientais intensificam escrutínio sobre a Anglo American
A mineradora Anglo American enfrenta críticas severas após o vazamento de quase mil toneladas de minério de ferro que contaminou os rios próximos a Santo Antônio do Grama, Minas Gerais. Este incidente comprometeu o fornecimento de água potável para as comunidades locais, já afetadas pela poeira e ruído originados pelo mineroduto. Além do dano ambiental, famílias que processaram a empresa foram ameaçadas, resultando na necessidade de proteção através de programas estaduais de defesa de direitos humanos.
Apesar dos lucros bilionários e de ser uma das principais beneficiárias dos recursos do BNDES, a Anglo American ainda não quitou nenhuma das multas impostas. A empresa defende-se alegando que as obrigações do empréstimo, quitado antecipadamente em 2016, foram cumpridas, incluindo os programas ambientais estabelecidos no licenciamento. Entretanto, a razão para a liquidação antecipada do empréstimo permanece não esclarecida.
Em resposta às acusações, a Anglo American declarou manter monitoramentos ambientais rigorosos e sustentar um relacionamento aberto com as comunidades locais. Ainda assim, o caso levanta questões sobre a eficácia dos investimentos do BNDES em sustentabilidade, dado que quase R$ 2 bilhões foram destinados a empresas que acumularam significativas multas ambientais.
Este cenário reflete uma parcela considerável do total investido pelo BNDES em iniciativas sustentáveis entre 2006 e novembro de 2023, onde empresas penalizadas utilizaram R$ 976 milhões dos fundos. O levantamento excluiu multas que foram canceladas, prescritas, suspensas ou modificadas por recursos deferidos.
BNDES reforça critérios ambientais em concessões de crédito
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) esclarece que seus financiamentos na modalidade “Meio Ambiente” são destinados a projetos que favoreçam a sustentabilidade.
Estes incluem a redução no uso de recursos naturais, recuperação de ecossistemas, gestão ambiental, remediação de passivos ambientais, eficiência energética e aquisição de equipamentos eficientes. Além disso, o banco anunciou a reativação do Fundo Clima, com mais de R$ 10 bilhões disponíveis para desenvolvimento tecnológico, mitigação de emissões de gases de efeito estufa e adaptação às mudanças climáticas.
O BNDES enfatiza que não apoia financeiramente entidades condenadas por crimes ambientais. A política do banco proíbe o financiamento a clientes com condenações em âmbito administrativo ou judicial por delitos contra o meio ambiente, exigindo a regularização das pendências para a concessão de crédito. Essa posição foi reafirmada após o escrutínio sobre o empréstimo à Anglo American, cujos recursos foram alocados para iniciativas ambientais, acompanhadas até a liquidação do financiamento em 2017.
Luciane Moessa, da associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), ressalta a importância de um monitoramento efetivo para assegurar o impacto positivo de produtos financeiros verdes, sugerindo que o crédito deveria favorecer entidades com melhor desempenho ambiental.
A SIS, que desenvolve o Ranking de Atuação Socioambiental de instituições financeiras (Rasa), defende que as políticas de crédito devem estar alinhadas a compromissos de sustentabilidade, enfatizando que práticas socioambientais responsáveis tendem a resultar em melhor performance financeira.
Financiamentos “verdes” do BNDES sob escrutínio devido a infrações ambientais das beneficiárias
A Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, acumulou multas de R$ 447,4 milhões pelo Ibama entre 1996 e o último ano, mesmo tendo sido beneficiada com R$ 50,4 milhões em financiamentos “verdes” do BNDES. Essas multas incluem 25 infrações superiores a R$ 1 milhão, destacando-se as relacionadas ao trágico rompimento da barragem em Brumadinho (MG) em 2019, que resultou em 270 mortes e séria contaminação ambiental.
Outra mineradora, a Mineração Rio do Norte (MRN), também foi beneficiada pelo BNDES com R$ 17,5 milhões para projetos ambientais, apesar de ter sido multada em R$ 3,4 milhões por infrações prévias e aumentar seu passivo ambiental em R$ 28,6 milhões após o financiamento.
A Braskem, por sua vez, recebeu cerca de R$ 120 milhões do BNDES para projetos ambientais e de eficiência energética, apesar de ter sido multada em R$ 2,07 milhões pelo Ibama entre 2011 e 2015, e enfrentando graves acusações ambientais em Maceió (AL) devido ao colapso de minas de sal-gema que causaram desastres urbanos significativos.
As empresas defendem suas práticas e investimentos ambientais, destacando esforços para contestar ou cumprir as penalidades impostas. No entanto, esses casos levantam questões sobre a eficácia e o monitoramento dos critérios de sustentabilidade adotados pelo BNDES em seus financiamentos “verdes”.
*Com informações A PÚBLICA
Leia a reportagem completa aqui
Comentários