Produção em alta, consumo em retração: o desafio do estoque no Polo Industrial de Manaus

“Para que o Polo Industrial de Manaus continue sendo motor de desenvolvimento e inovação, será fundamental calibrar decisões e evitar que a empolgação produtiva se converta em fragilidade econômica”

Após quase 48 meses de crescimento contínuo no emprego e na renda da população brasileira, o Polo Industrial de Manaus (PIM) celebra resultados expressivos: investimentos de US$ 9,5 bilhões até julho de 2025, já próximos de todo o volume realizado em 2024, e um faturamento quase 12% maior no mesmo período.

No entanto, a euforia produtiva começa a se chocar com a realidade do mercado consumidor. Relatórios da Suframa e do ANA revelam que a produção tem superado a capacidade de absorção da demanda, gerando um excedente perigoso. Apenas no primeiro semestre, o excesso de fabricação chegou a R$ 2,5 bilhões — patamar quase 60 vezes maior que os R$ 40 milhões de igual período em 2024. Em julho, o desequilíbrio subiu para R$ 2,78 bilhões, confirmando a tendência de acúmulo.

POLO INDUSTRIAL DE MANAUS
Fábrica da Mondial (Mondial/Divulgação)

O sinal de alerta

Até junho, o problema estava concentrado em televisores e aparelhos de ar-condicionado, enquanto motocicletas mantinham o equilíbrio ideal e os celulares seguiam em baixa. Mas em julho até as motocicletas, tradicionalmente o carro-chefe do PIM, entraram no campo do excesso. Foram produzidas 154,7 mil unidades no mês contra 148 mil vendidas, gerando um acúmulo de 6 mil motos. Pode parecer pouco, mas, com preço médio de R$ 16,9 mil, isso significou um impacto de R$ 112 milhões no resultado — o maior responsável pelo salto mensal no excesso total.

Outros produtos também ampliaram o desequilíbrio:


Monitores: de R$ 215 milhões para R$ 266 milhões.
• Bicicletas: de R$ 280 milhões para R$ 302 milhões.
• Ar-condicionado (split, condensador, evaporador e janela): piora de R$ 27,5 milhões.

A exceção positiva continua sendo a linha de celulares, que até junho registrava uma lacuna de R$ 282 milhões (vendas maiores que a produção, consumindo estoques antigos). Em julho, a produção cresceu 15%, reduzindo a lacuna para R$ 216 milhões, sinalizando espaço para retomada gradual.

O risco de repetir erros do passado

O quadro atual lembra, em menor escala, o período entre 2012 e 2015, quando a produção se descolou do consumo interno e gerou desequilíbrios mais graves. A diferença é que, hoje, o ambiente macroeconômico é menos hostil: juros e inflação estão em trajetória mais previsível, e a relação dívida/PIB da União não inspira a mesma preocupação.

Ainda há espaço para recuperação: Black Friday e Natal de 2025 devem impulsionar a demanda, seguidos por um 2026 marcado por eleição e Copa do Mundo — eventos tradicionalmente benéficos ao consumo. Mas é prudente reconhecer que o ajuste mais severo poderá chegar em 2027, exigindo cautela das empresas do PIM.

Preparar é a palavra de ordem

O excesso de produção não é apenas um desafio logístico: compromete margens, pressiona custos de estocagem e ameaça a competitividade das empresas. Para que o Polo Industrial de Manaus continue sendo motor de desenvolvimento e inovação, será fundamental calibrar decisões e evitar que a empolgação produtiva se converta em fragilidade econômica.

O risco não está apenas nos números de hoje, mas na necessidade de aprender com os sinais do mercado e antecipar o futuro. O PIM precisa estar preparado

André Ricardo Costa
André Ricardo Costa
Doutor pela FEA USP e professor da UFAM

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