Uso da espécie nativa de microcrustáceo em estudos ecotoxicológicos de laboratório tem potencial para avaliação de efeitos da ação humana no ecossistema amazônico
Após coletar um microcrustáceo que acreditava ser de uma espécie já conhecida, o pesquisador da USP Diego Gomes teve a surpresa de descobrir que tratava-se de uma espécie ainda não descrita. Após as verificações de taxonomia realizadas por pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB), o grupo envolvido no estudo confirmou a descoberta do microcrustáceo, que recebeu o nome de Strandesia rondoniensis. A nova espécie, coletada no norte da cidade de Porto Velho, em Rondônia, demonstrou grande potencial para uso em estudos de laboratório, constataram os pesquisadores da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) e da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), da USP.
Conhecendo o microcrustáceo
O Strandesia rondoniensis é um ostrácode – microcrustáceo que possui o corpo formado por uma concha de duas partes. Os ostracodes são bentônicos, ou seja, vivem no fundo do mar, e constituem um dos grupos taxonômicos mais diversos em ecossistemas aquáticos. Eles podem ocorrer em ambientes marinhos ou de água doce e são classificados em duas subclasses: Myodocopa e Podocopa.
Segundo o artigo que aborda a descoberta da espécie, publicado na revista internacional Limnologica, foram analisadas as taxas de crescimento e reprodução de onze indivíduos adultos de S. rondoniensis n. sp. Os resultados mostraram uma alta semelhança morfológica com as espécies Neostrandesia striata e Bradleytriebella lineata, embora a nova espécie pertença ao gênero Strandesia, indicando convergência evolutiva.
Como explica Raquel Moreira, docente do Departamento de Ciências Básicas da FZEA-USP e co-orientadora do trabalho, a convergência evolutiva “é um fenômeno que é observado em seres vivos quando estes desenvolvem características semelhantes, mas que são de origens diferentes”. Ou seja, apesar de ter alta similaridade com os outros exemplares em relação à carapaça, o Strandesia rondoniensis possui particularidades que o caracterizam como uma nova espécie.
Potencial como organismo teste
Características da espécie como rápido crescimento, altas taxas de reprodução e facilidade na manutenção contribuem para seu uso como um organismo teste, ou seja, aqueles que podem ser utilizados por pesquisadores como ferramentas de avaliação dos impactos no meio ambiente causados por diferentes poluentes, como por exemplo na contaminação da água.
Os microcrustáceos têm a importante função de transferir matéria e energia para níveis superiores da cadeia alimentar, como peixes e insetos, se alimentando de detritos presentes no substrato de ambientes aquáticos. Por isso, sinais de contaminação nessas espécies podem mostrar que os efeitos serão sentidos em toda o ecossistema. “Na Amazônia, hoje, não existe nenhum organismo teste padronizado para estudos ecotoxicológicos”, lembra Diego Gomes.
O uso do Strandesia rondoniensis é uma boa oportunidade para refletir o que acontece no ecossistema amazônico em laboratório. “Nós adicionamos realismo ecológico quando conseguimos utilizar espécies nativas e que estão sendo impactadas por atividades antrópicas [do ser humano]”, explica Raquel Moreira.
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