“A hipocrisia ambiental não pode continuar a escamotear essas questões, protelando eternamente a recuperação de uma rodovia que já integrou os estados de Roraima e Amazonas ao resto do país. É preciso um compromisso real com o desenvolvimento sustentável e com a justiça social para toda a Amazônia Ocidental. Sem balelas nem embromação.”
Por Belmiro Vianez Filho
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Virou rotina a suspensão das obras da BR-319, uma rotina humilhante para os estados isolador, Roraima e Amazonas, que padecem a escassez de água, alimentos e medicamentos por obra e graça da história negligência federal em relação à Amazônia. No final de julho, mais uma vez, a justiça suspendeu as obras de recuperação e manutenção da BR-319. Dessa vez, a justiça se voltou ao próprio órgão oficial responsável pelo licenciamento da obra, o Ibama. A justificativa apresentada é a necessidade de assegurar mecanismos de vigilância e fiscalização que impeçam a continuidade do desmatamento. Até aqui concordamos. Desmatar é a alternativa vesga de acessar as riquezas da floresta.
Gastos inúteis
Formalmente essa justificativa tem razões que poderiam passar por consideráveis à luz do aparato legal. Porém, temos todas as razões para desconfiar de mais um entrave providencial para que tudo continue como está há quatro décadas. Foram gastos verdadeiras fortunas, é importante destacar, em estudos de impacto ambiental, necessários ao licenciamento, apenas para que a burocracia, neste caso, cumpra o dever de inventar motivos para os habituais entraves institucionais.
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Encenação ambientalista
Há dez anos, desmascarei um episódio emblemático que ilustra este espetáculo de encenação barata da recuperação da BR-319. Vale tudo, inclusive narrativas ecológicas hipócritas para disfarçar propósitos sombrios. Uma organização britânica, à época muito badalada pelos xiitas da natureza, satanizou os interesses justos da sociedade amazônida e seu direito de ir e vir.
A alegação era de que a estrada, se voltasse a funcionar, colocaria em risco a existência de uma gralha rara e um macaco-de-cheiro, ameaçados de extinção. Brincadeira tem hora, milorde, essas espécies são abundantes em qualquer quintal deste fim de mundo sem fim amazônico que ofereça alimentos a essas espécies. A bazófia zomba do direito e da necessidade de uma alternativa logística, asfaltada e balizada para atender a população largada à própria sorte pelo poder público. Um instrumento essencial para a região remota da Amazônia Ocidental.
Esclarecimentos definitivos
É hora de mobilizar a tribo e convidar os atores federais para esclarecimentos definitivos, no modo olho no olho. Não se trata do direito de passear de carro entre Manaus, Porto Velho e outras paragens. Isso não é essencial. Tratam-se de vidas humanas que ficarão sem alimentos e sem medicamentos com a urgência que esses produtos representam para as famílias de nossa região. Nos próximos dias, sem estrada e com a vazante extrema dos rios, alguns milhares de pessoas estarão isoladas sem estrada nem rios. Trata-se, pois, do respeito com um dos oito maiores a quem repassa para os cofres públicos 75% da riqueza aqui gerada. Sim, o Amazonas, diferente do que diz a mídia nacional, não é responsável pelo rombo fiscal do país. Na verdade somos o Baú da Felicidade da Receita Federal.
Hipocrisia do ambientalismo maroto
Os recursos arrecadados pelo país para o Fundo Amazônia, repassados teoricamente, para evitar o desmatamento, com muito acerto e resultados, podem fiscalizar e vigiar a floresta. Afinal, a floresta só tem sentido se priorizar as pessoas. São ou não são os seres mais importantes da escala evolutiva? Ou o país, entre o homem e a gralha, prefere o macaco de cheiro? Ou não temos competência de vigiar e proteger nossa maior floresta? Assim como as etnias Atroari Waimiri fazem há mais de meio século.
Ou será que o Estado brasileiro não tem recursos fiscais para, assegurar, ao longo do trajeto, atividades não predatórias que atendam as famílias ao mesmo tempo que conservam as florestas? Essas famílias foram trazidas do Nordeste para projetos de colonização do INCRA. Eles aguardam sentados à beira do caminho.
Vozes corajosas do Amazonas
Ja é hora, também, de colocar o dedo na ferida e desmascarar as proibições e seus motivos inconfessos. Ou não temos liderança suficiente? Temos sim, e entre eles, o senador Eduardo Braga, que tomou para si este bastão. Sozinho, porém, ninguém vai a lugar algum. E se ele assumiu o bastão fica mais fácil engrossar o caldo, ajudar e cobrar. O que não pode é, pelo segundo ano consecutivo, ficarmos isolados e na mão de iniciativas pífias e humilhantes.
Sem balelas nem embromação
A questão da BR-319, portanto, vai além do álibi do desmatamento, pois sem estrada fica mais difícil a vigilância ambiental. Esta novela nos envolve a dignidade e os direitos fundamentais. Há uma de população que há décadas enfrenta o descaso e a negligência.
A hipocrisia ambientalista não pode continuar a escamotear essas questões, protelando eternamente a recuperação de uma rodovia que já integrou os estados de Roraima e Amazonas ao resto do país. É preciso um compromisso real com o desenvolvimento sustentável e com a justiça social para toda a Amazônia Ocidental. Sem balelas nem embromação.
Belmiro Vianez Filho é empresário do comércio, ex-presidente da ACA e colunista do portal BrasilAmazôniaAgora e Jornal do Commércio
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