Desenvolvido com a colaboração de 13 organizações, o documento revela um panorama crítico da crise climática no mundo: dos mais de 120 milhões de deslocados forçados, aproximadamente três quartos – cerca de 90 milhões de pessoas – estão em países altamente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas
Durante a COP29, realizada na última terça-feira (12), o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) apresentou o relatório “Sem escapatória: na linha de frente das mudanças climáticas, conflito e deslocamento forçado”. Desenvolvido com a colaboração de 13 organizações, o relatório revela um panorama crítico: dos mais de 120 milhões de deslocados forçados no mundo, aproximadamente três quartos – cerca de 90 milhões de pessoas – estão em países altamente vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, entre eles Síria, Sudão, Haiti, Mianmar e Etiópia.
O estudo detalha como as alterações climáticas atuam como um fator de risco adicional, afetando pessoas que já enfrentam situações de extrema vulnerabilidade. Nos últimos dez anos, fenômenos climáticos extremos como inundações, secas e furacões resultaram em mais de 220 milhões de deslocamentos internos, uma média diária de 60.000 deslocamentos. Este número ultrapassa a população brasileira total, que o Censo de 2022 estimou em cerca de 210 milhões de habitantes. Conforme enfatiza o relatório, para pessoas já forçadas a fugir devido a conflitos, violência, perseguição e violações de direitos humanos, as mudanças climáticas intensificam seus desafios e agravam as dificuldades de acesso a um abrigo seguro.
A intersecção entre conflito e mudança climática: uma dupla ameaça
O ACNUR aponta que metade das pessoas deslocadas vive atualmente em países que não apenas são altamente suscetíveis a desastres naturais, mas também estão envolvidos em conflitos armados e instabilidade política. Nações como Sudão, Síria, República Democrática do Congo, Líbano, Iêmen e Somália são citadas no relatório como exemplos de regiões onde crises humanitárias estão se agravando devido à combinação de violência e impactos climáticos.
O relatório traz um dado alarmante: se a tendência atual se mantiver, espera-se que, até 2040, o número de países que enfrentarão condições climáticas extremas aumente de três para 65. Grande parte desses países já acolhe populações deslocadas, o que coloca ainda mais pressão sobre sistemas de suporte humanitário e infraestrutura de adaptação climática. Em campos de refugiados, onde as condições já são precárias, estima-se que até 2050 o número de dias com temperaturas extremas de calor dobre, criando desafios adicionais para a sobrevivência e segurança dessas populações.
Países frágeis ficam desamparados
O relatório chama a atenção para a significativa falta de financiamento climático para apoiar as regiões mais afetadas pelas mudanças climáticas. Estados extremamente frágeis e de baixa renda – que muitas vezes abrigam grandes números de refugiados e deslocados internos – recebem, em média, apenas US$ 2,10 per capita anualmente para investimentos em adaptação climática. Essa quantia é insuficiente para responder à magnitude dos desafios que esses países enfrentam e para implementar as infraestruturas necessárias para mitigar os impactos climáticos e se preparar para crises futuras.
Outro dado que evidencia a lacuna nas políticas de adaptação climática está relacionado aos Planos Nacionais de Adaptação (NAPs) e às Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) submetidas pelos países ao Acordo de Paris. Apenas 24 dos 60 Planos Nacionais de Adaptação registrados incluíram disposições concretas para lidar com o deslocamento populacional no contexto das mudanças climáticas e dos desastres naturais. De forma similar, somente 25 das 166 metas climáticas apresentadas nos NDCs abordam a questão dos deslocamentos forçados devido ao clima.
Declarações da ONU reforçam a urgência de soluções integradas
Para o Alto Comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi, a questão das mudanças climáticas está transformando a realidade de milhões de pessoas que já vivem em extrema vulnerabilidade, tornando suas condições ainda mais precárias. “Para as pessoas em situação de maior vulnerabilidade do mundo, as mudanças climáticas são uma realidade dura que afeta profundamente suas vidas,” disse Grandi. Ele destacou que as mudanças climáticas estão intensificando o deslocamento em regiões que já abrigam um grande número de pessoas em situação de refúgio, agravando suas dificuldades e reduzindo suas possibilidades de encontrar um local seguro.
Grandi enfatizou ainda a necessidade de uma resposta humanitária que esteja alinhada com políticas de adaptação climática, além de mais recursos financeiros para proteger essas populações vulneráveis. Ele destacou que as comunidades e governos locais que acolhem esses deslocados precisam urgentemente de suporte para lidar com os desafios adicionais trazidos pela crise climática.
O relatório do ACNUR sublinha que, sem intervenções urgentes e coordenadas, milhões de deslocados forçados estarão cada vez mais vulneráveis em um mundo em que os eventos climáticos extremos e os conflitos estão em expansão. As pessoas que já sofrem com as consequências de guerras e perseguições estão cada vez mais à mercê de um ambiente em mudança que multiplica suas dificuldades.
O ACNUR apela para que a comunidade internacional reforce os compromissos financeiros e políticos em relação às mudanças climáticas e o deslocamento forçado, de forma a responder ao desafio humanitário em expansão.
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