Brasil descarrega no mar 1,3 milhão de toneladas de plástico anualmente, ocupando a oitava posição no ranking global de poluição marinha, sendo o maior poluidor da América Latina.
O Brasil, maior nação da América Latina, detém um título alarmante: o de maior poluidor da região no que diz respeito ao descarte de plástico nos oceanos. O país ocupa a oitava posição no ranking global de poluição marinha por plásticos, despejando anualmente 1,3 milhão de toneladas de resíduos plásticos no mar. Esse volume equivale a 8% de toda a poluição plástica marinha mundial. Essas constatações foram reveladas pelo relatório “Fragmentos da Destruição: impacto do plástico à biodiversidade marinha brasileira”, publicado na última quinta-feira (17) pela Organização Não Governamental (ONG) Oceana.
De acordo com Ademilson Zamboni, oceanólogo e diretor-geral da Oceana, o relatório foi desenvolvido como uma ferramenta para dimensionar a magnitude da crise de poluição plástica no Brasil e inspirar políticas públicas que possam enfrentar o problema. “O plástico que polui nossos mares chega lá por conta de um modelo de produção e descarte que precisa ser urgentemente substituído”, afirmou Zamboni. Segundo ele, é imperativo que o Brasil adote práticas que possam não apenas mitigar, mas reverter os danos ambientais, econômicos e sociais causados pelo descarte desenfreado de plásticos.
Impactos profundos na biodiversidade marinha
Os efeitos dessa poluição são devastadores, afetando diretamente a biodiversidade marinha do país. Segundo o estudo, mais de 200 espécies marinhas foram encontradas com plástico em seus sistemas digestivos, sendo que 85% dessas espécies estão em risco de extinção. O relatório destaca que a presença de plásticos no organismo de animais marinhos não só compromete sua alimentação e reprodução, como também os expõe a compostos químicos altamente nocivos.
Esses compostos podem levar à desnutrição, queda na imunidade e até a morte dos animais. Dados extraídos dos Projetos de Monitoramento de Praias da Bacia de Santos e da Bacia de Campos, que incluíram a análise do conteúdo estomacal de 12.280 aves, répteis e mamíferos marinhos, revelaram a presença de plástico em 49 das 99 espécies investigadas. As tartarugas marinhas, por exemplo, são as mais afetadas: 82,2% das amostras de tartarugas continham resíduos sólidos.
Tartarugas e peixes amazônicos entre os mais afetados
A situação é ainda mais crítica para algumas espécies, como as tartarugas-verdes. Em determinadas regiões, 100% dos indivíduos analisados apresentavam plástico no sistema digestivo. Entre os 250 exemplares de tartarugas-verdes estudados, 70% haviam ingerido algum tipo de resíduo plástico, revelando uma contaminação quase generalizada.
Outro dado alarmante diz respeito às espécies de peixes amazônicos. Em 98% das 14 espécies analisadas em riachos da Amazônia, os cientistas detectaram a presença de plástico ou microplástico tanto no sistema digestivo quanto nas brânquias dos peixes. Este resultado levanta preocupações sobre os impactos dessa contaminação para o bioma amazônico e para as comunidades que dependem desses peixes como fonte de alimento.
A contaminação não se limita aos peixes: os moluscos também foram fortemente afetados. Espécies consumidas regularmente por humanos, como ostras e mexilhões, apresentaram altos níveis de microplásticos, indicando que a cadeia alimentar está contaminada e que os seres humanos também podem estar ingerindo esses materiais. Segundo o relatório, o consumo de moluscos contaminados por plásticos é uma das principais vias de exposição de microplásticos para os humanos.
Consequências para o ecossistema e para a saúde humana
O impacto do plástico no oceano vai além dos danos imediatos à fauna marinha. Ao entrar na cadeia alimentar, o plástico prejudica não apenas os ecossistemas, mas também representa um risco à saúde humana. Estudos apontam que compostos químicos presentes nos plásticos, como os aditivos usados para dar durabilidade e flexibilidade ao material, podem atuar como desreguladores endócrinos, interferindo no sistema hormonal de animais e humanos.
A ingestão contínua de microplásticos pode causar efeitos adversos na saúde, incluindo inflamações, toxicidade celular e até problemas neurológicos. Embora os efeitos de longo prazo ainda estejam sendo estudados, a contaminação generalizada de espécies marinhas sugere que a população humana pode estar exposta a riscos significativos por meio do consumo de frutos do mar.
Diante de um cenário tão alarmante, o relatório da Oceana enfatiza a urgência de ações concretas para enfrentar a crise de poluição plástica.
- A primeira e mais direta recomendação é a redução significativa da quantidade de resíduos plásticos lançados nos oceanos. Para isso, os pesquisadores sugerem que o poder público invista em pesquisa e desenvolvimento de alternativas ao plástico, como materiais biodegradáveis e compostáveis.
- Além disso, é crucial a criação de uma legislação específica voltada para a regulação da produção e descarte de plásticos, com foco especial nos plásticos descartáveis, que são os principais responsáveis pela poluição dos mares. O relatório sugere que políticas públicas promovam a substituição gradual dos plásticos por alternativas mais sustentáveis e que tornem esses materiais acessíveis economicamente para a população em geral.
- Outra recomendação é a implementação de sistemas de reciclagem mais eficientes e a criação de incentivos para a economia circular, que visa a reutilização de materiais e a redução do desperdício. Para Zamboni, a adoção de tais medidas não é apenas uma necessidade ambiental, mas também uma oportunidade econômica para o Brasil: “O combate à poluição plástica pode gerar empregos verdes e abrir novos mercados para produtos sustentáveis”, ressaltou.
Apesar das soluções propostas, o caminho para a implementação de uma economia mais sustentável enfrenta desafios. A indústria do plástico, com forte presença no Brasil, é uma das principais barreiras para mudanças rápidas e eficazes. Além disso, a falta de conscientização por parte da população e a dificuldade de fiscalização e controle de poluentes são entraves adicionais para um futuro mais limpo.
Contudo, o relatório “Fragmentos da Destruição” deixa claro que, sem uma mudança urgente no modelo de produção e descarte, o impacto do plástico no meio ambiente continuará a crescer, ameaçando não apenas a biodiversidade marinha, mas também a saúde humana e a economia. A adoção de políticas públicas fortes e a conscientização da sociedade serão fundamentais para reverter esse quadro e garantir a preservação dos oceanos para as futuras gerações.
Comentários