“A agenda ESG é mais do que um conjunto de normas. Ela é um compromisso ético e estratégico com a construção de um mundo mais equilibrado e resiliente. Retirá-la do centro das políticas públicas e corporativas é um risco que nenhuma nação, empresa ou sociedade pode se dar ao luxo de assumir.”
Por Régia Moreira Leite
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A recente proposta do governo francês de suspender temporariamente normas ambientais e de direitos humanos na União Europeia para aliviar a pressão sobre as empresas lança um alerta sobre os rumos da agenda ESG (Ambiental, Social e Governança) no cenário global. A ideia de flexibilizar regulamentos fundamentais, como os previstos na Diretiva sobre Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD), reflete um movimento que, ao priorizar o alívio de encargos econômicos de curto prazo, pode colocar em risco compromissos climáticos cruciais, como o Acordo de Paris.
O contexto em que essa proposta surge não pode ser ignorado. A França enfrenta atualmente uma crise política e econômica que tem colocado o governo de Emmanuel Macron sob forte pressão. Protestos populares, impulsionados por medidas impopulares, como a reforma previdenciária, têm desgastado a liderança do presidente. Além disso, a inflação crescente, especialmente no setor de energia, e os impactos econômicos da guerra na Ucrânia estão agravando o cenário econômico do país.
Esses fatores estão intimamente ligados à estratégia de Macron de aliviar a carga regulatória sobre as empresas como forma de manter a competitividade da economia francesa no cenário europeu e global. Entretanto, essa decisão também reflete uma crise de credibilidade do governo francês, que enfrenta dificuldades em equilibrar demandas populares, interesses econômicos e compromissos climáticos.
Essa abordagem pragmática, descrita como uma tentativa de evitar um “inferno administrativo” para as empresas, revela tensões crescentes entre os interesses econômicos de curto prazo e as exigências de sustentabilidade. Contudo, a essência do ESG vai além de medidas administrativas. Ela representa um modelo de desenvolvimento integrado, onde as dimensões ambiental e social não são obstáculos, mas pilares para o crescimento econômico sustentável.
A flexibilização das normas propostas ameaça não apenas a liderança europeia em sustentabilidade, mas também o equilíbrio global na luta contra as mudanças climáticas. Como um dos blocos mais influentes nas negociações internacionais, a União Europeia exerce um papel central na pressão por compromissos mais ambiciosos de outros grandes emissores globais. Um retrocesso nesse contexto pode desestruturar iniciativas globais, enfraquecer os mecanismos de governança ambiental e abrir precedentes para o desmonte de políticas climáticas em outras nações.
Os reflexos dessa postura se estendem também ao mercado global. A suspensão ou redução de padrões ambientais enfraquece o sistema de incentivos para empresas adotarem práticas sustentáveis, prejudicando cadeias produtivas que vêm se alinhando à bioeconomia e à descarbonização. Para países como o Brasil, que apostam em modelos de desenvolvimento baseados na sustentabilidade – com destaque para a bioeconomia da Amazônia –, esse movimento é especialmente preocupante.
O Acordo de Paris, que busca limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C, depende de esforços conjuntos e compromissos consistentes. A flexibilização de normas ESG enfraquece o cumprimento das metas estabelecidas e pode gerar desconfiança nos mercados internacionais e entre investidores que priorizam práticas responsáveis.
O desafio está em equilibrar as demandas legítimas de simplificação administrativa com a responsabilidade de manter os avanços em sustentabilidade e inclusão social. Não se trata de escolher entre crescimento econômico e preservação ambiental, mas de integrar essas dimensões em um modelo que ofereça prosperidade no presente sem comprometer o futuro.
A crise política e econômica enfrentada pela França, embora sirva como justificativa para o alívio de normas regulatórias, não pode ser usada como desculpa para enfraquecer compromissos globais com a sustentabilidade. Pelo contrário, a reafirmação da Agenda ESG deve ser encarada como uma opção política e oportunidade para reforçar a liderança europeia e demonstrar que o desenvolvimento econômico e o respeito ao meio ambiente podem coexistir.
A agenda ESG é mais do que um conjunto de normas. Ela é um compromisso ético e estratégico com a construção de um mundo mais equilibrado e resiliente. Retirá-la do centro das políticas públicas e corporativas é um risco que nenhuma nação, empresa ou sociedade pode se dar ao luxo de assumir. A ameaça que paira sobre ela exige uma resposta firme e coletiva para garantir que a sustentabilidade siga sendo o norte de nossas decisões.
Régia é economista, administradora, empresária, coordenadora da Comissão ESG e conselheira do CIEAM, Centro da Indústria do Estado do Amazonas