O clima de beligerância política, que não acaba, não fica pouco e parece se expandir incontrolavelmente, traz à baila a alegoria do Cesto de Caranguejos, descrito na versão da cumplicidade, aquele que pode ficar sempre aberto, porque nenhum caranguejo vai escapar. E se o fizer, isso acontece coletivamente. Todos migram para um lugar melhor. Ou seu contraponto, o Cesto de Caranguejos obtusos, movido pela disputa política tacanha que impede a ascensão do outro, caso ele queira apontar caminhos alternativos, ou tomar iniciativas relevantes. “Onde você pensa que vai? Eu tenho que ir primeiro, se eu não vou, você também não vai”. Ou seja, quando um caranguejo tenta fugir, aparece sempre outro puxando para baixo. Esse paradigma tem travado os avanços em todos os níveis. Há uma recorrência de comparação entre a visão de mundo nativa e a dos nossos vizinhos paraenses, que utiliza a imagem do Cesto de Caranguejos solidários. Lá, nossos irmãos amazônidas costumam ser cúmplices na busca de suas conquistas, portanto, mais fortes e competitivos. Aqui, em muitas circunstâncias, somos o Cesto tacanho de caranguejos obtusos, atrofiados pela beligerância política que impede a cumplicidade fecunda. Há um mês, neste espaço, ao retomar a eficácia do modal logístico da cabotagem, destacamos o desembarque de um navio com óleo de palma no Porto de Santos, um tesouro bioquímico extraído do dendê, uma fruta de mil e uma utilidades na indústria e na culinária. Os empreendedores do Pará celebraram com festa o papel da cabotagem como fator de viabilidade logística da economia regional, pelo desembarque simbólico e histórico proveniente da Amazônia paraense, de 2.600 toneladas, de óleo de dendê. Belém, com sua refinaria de óleo vegetal, a primeira do Brasil, é a maior produtora de óleo de palma do Brasil. O Amazonas, com recursos do BID, Banco Interamericano de Desenvolvimento, criou uma empresa pública para plantar, beneficiar e exportar óleo de palma em Tefé, nos anos 70, a EMADE, Empresa Amazonense de Dendê. Ao longo da troca de governos, o projeto foi para o vinagre, porque a beligerância política desfaz as boas práticas de seu antecessor, se ele é desafeto. Vejamos o caso do Porto Público, que custou a vida de Eduardo Ribeiro no início do século XX, exatamente pela beligerância política de um grupo aliado aos ingleses contra outro, alinhado com os negócios locais. A encrenca se estendeu ao século XXI, os gargalos logísticos da ZFM traduzem a inoperância de nossos gestores, ou sua aliança sombria com a duopolização portuária. Se o dendê achou um caminho no padrão solidário do Pará, aqui ele nada significa por obra e graça dessa miserabilidade política.
Confederação sem Fogo Amigo
Isso se reflete na fragilidade de atuação no setor privado, responsável por uma arrecadação generosa nos três níveis do pacto federativo e muito tímido em exigir a contrapartida da competitividade que a infraestrutura permitiria na Logística dos transportes, na distribuição de energia e na comunicação em padrões adequados. A indústria local, não fosse a insensatez dessa ambientação política, poderia identificar, estudar e equacionar os gargalos de sua Logística de transportes, fazendo um Arco de Alianças, a começar por uma dinamização da Ação Empresarial mais alinhada e permanentemente mobilizado em cima de uma agenda de proposições/realizações, que naturalmente desembarcaria numa Confederação Empresarial Amazônica para tirar do papel, por exemplo, o Norte Competitivo, o projeto de infraestrutura pago pelas entidades regionais a serviço exclusivo do agronegócio, onde está consubstanciados o mais recente diagnóstico dos entraves da competitividade regional. Coesos e alinhados numa agenda produzida coletivamente, a chance de Fogo Amigo, representado por medidas governamentais sem consultas prévias aos interessados, é zero. Não podemos ficar apenas apontando a inoperância política se a desmobilização institucional cumpre o mesmo papel da desarticulação estéril que conduz a lugar algum.
A beligerância nociva
A síndrome baré dos caranguejos medíocres nos impede enxergar a grandeza e a diversidade fecunda de nossa vocação de modernidade e prosperidade. Temos, entretanto, que reconhecer que ela ocorre com a decisiva contribuição de nossa omissão ou conivência. Poderíamos, em havendo essa mobilização proativa de uma bancada parlamentar alinhada por valores dignos, por um altruísmo inteligente, demonstrar, por exemplo, que a renúncia fiscal, além de ser um direito assegurado pela Constituição, para reduzir as desigualdades regionais, se impõe como princípio geral da atividade econômica e como o objetivo fundamental da própria República. É legítimo, portanto, exigir do Estado Brasileiro plena atuação no sentido de acolher a Zona Franca de Manaus e inseri-la com destaque no sumário da política industrial, ambiental, e de ciência e tecnologia do Brasil. E sabe por que isso não acontece? A beligerância política cega os contendores, os impede de descortinar a relevância de nossa previsão constitucional e a consequentemente efetivação jurídico-política da própria Ordem Econômica onde estamos inseridos. A grandeza dessa estupidez se sobrepõe com frequência â grandeza de nossas potencialidades regionais e da obstinação de nossa gente. Por isso, a recuperação da BR319, que nos retiraria do isolamento rodoviário, não prospera. Por isso, deixamos os técnicos da burocracia federal serem mais real que o Rei e autoridades acima da Lei. Tivéssemos uma bancada local e amazônica azeitada, a estória não seria outra. Até quando?
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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