Engenheiro florestal reconhecido e respeitado internacionalmente, o paranaense caboclo Niro Higuchi estuda a Floresta Amazônica há mais de 30 anos. Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), hoje responde pelo Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA) – um programa multidisciplinar, interinstitucional e internacional, que busca entender o funcionamento dos ecossistemas amazônicos em todas as suas vertentes e estudar o sistema amazônico como uma entidade regional no sistema Terra, assim como as causas e efeitos das mudanças em curso na região. Uma autoridade que a ONU, Organização das Nações Unidas reconhece e assina embaixo de suas recomendações. “O grande esforço da pesquisa na Amazônia brasileira tem sido no sentido de entender como a Floresta Amazônica responde aos eventos extremos atribuídos à mudança climática pretérita. Mesmo sem condições de reverter este quadro, este tipo de estudo ajuda a definir as estratégias de mitigação da mudança climática”. Na semana passada, numa palestra concorrida e estarrecida, propôs um pacto para as empresas que queiram participar dos cuidados da floresta e gerar novas opções econômicas para dar suporte a este desafio e, como recomenda a Agenda 21, atender às demandas sociais. Um pacto sem mudanças de leis. Neste momento de desafio econômico, antes que aventureiros se aproveitem, diz ele, “…caberia um pacto em favor do manejo florestal envolvendo empresários, órgãos de licenciamento e fiscalização, Ministério Público, estadual e federal, poder executivo, legislativo, ONGs, representação de academias de pesquisa científica. Produzir madeira como atividade econômica inteligente aplicando as leis existentes com os mesmos paradigmas de um experimento de pesquisa. Podemos estabelecer graus de dificuldades e verificar níveis de efetividade por meio de análises discriminatórias. Temos que aprender praticando. Todos ganharão com isso, principalmente, a floresta. ”
Mercado não é problema, é solução
Em seu artigo semanal, o economista e agroinvestidor, Osiris Silva, lembrou as oportunidades, destacando a sustentabilidade das ponderações do cientista, lembrando a demanda mundial e a realidade do mercado de madeiras no Brasil e, em especial, na Amazônia: “em menos de dez anos, o mercado internacional de madeira tropical entrará em colapso; os dois principais fornecedores Malásia e Indonésia já esgotaram seus estoques e desaparecerão do mercado; e, o Brasil, com sua Amazônia quase intacta, não tem tecnologia para substituí-los”. Nas contas de Higuchi, as reservas da região alcançam 2,3 a 3,5 bilhões de metros cúbicos, o que daria para abastecer o mundo, adotando manejo florestal sustentável, por alguns séculos, resguardando os estoques e adensando a floresta. Hoje, o CBA – Centro de Biotecnologia da Amazônia tem instrumentos para produzir, com tecnologia de propagação, em escala racional, as espécies de alto valor comercial, como mogno, pau-rosa, castanheira… “Refiz as contas apresentadas na FIEAM e concluí que, deduzidas as áreas de proteção permanente, terras indígenas e unidades de conservação, na floresta remanescente do Amazonas, estaria disponível 1/3 de floresta para MFS – Manejo Florestal Sustentável. O que significa? Baseado na safra anual de madeira de 367 mil m³ de madeira em toras do AM, a floresta remanescente tem estoques para mais de 2 mil safras. Mercado, portanto, não é problema. É solução para a floresta.”
Janela de oportunidades
Niro Higuchi relatou em suas recentes entrevistas, pontuando saídas para a região, com a crise que se abate sobre a ZFM, as oportunidades em nosso alcance. Em 2013, a Amazônia Legal contribuiu com 8,45% do PIB nacional. Partes do Maranhão e do Mato Grosso fazem parte da Amazônia Legal. Retirando do cálculo do PIB, a agropecuária, turismo e serviços em regiões não consideradas “floresta amazônica” e o próprio distrito industrial de Manaus, a contribuição fica menor ainda. Neste contexto, a importância direta da “floresta amazônica” no curto prazo é muito pequena. No entanto, o chão da “floresta amazônica” é muito mais do que apenas substrato para a agropecuária; não se pode negligenciar o banco de informações genéticas produzidas ao longo de seu processo de evolução, abrigo da biodiversidade e de outras formas de vida e os seus importantes serviços ambientais. Em ecossistemas heterogêneos, complexos e frágeis como os da Amazônia somente por meio do conhecimento é possível compatibilizar desenvolvimento com equilíbrio ambiental. A área desmatada na Amazônia vem caindo desde 2008. A redução de quase 30 mil km² para os atuais 5 mil km² é uma boa notícia. No entanto, o desmatamento ainda é muito grande se comparado com o retorno à economia nacional. Quanto à preservação do meio-ambiente, este é um valor para a sociedade na medida em que tem base econômica. Na realidade, o único “valor” aceito pela sociedade atual é o valor econômico-financeiro presente, ou seja, aquele contabilizado pelo Produto Interno Bruto (PIB) do ano em curso ou do próximo, pois é esse valor que pode reduzir a pobreza de uma parcela da população, dar ao país o “status” de desenvolvido e, logicamente, enriquecer os responsáveis pelo desmatamento. Os demais valores da floresta beneficiam poucos (como o valor estético – que beneficia principalmente os moradores e os ecoturistas), levarão mais tempo para serem realizados (ou como o uso da biodiversidade que exige investimentos em pesquisa e desenvolvimento) ou simplesmente não são contabilizados no PIB (como os serviços ecológicos – conservação de água e solo, filtragem de poluentes, polinização, etc. – e o valor ético dos direitos à vida dos outros seres vivos da floresta). É evidente que essa visão míope do valor da floresta não reflete seu valor real, nem em curto prazo e muito menos a longo prazo, especialmente se o país pretende ser um membro do primeiro mundo.
Rumo ao sucesso ou ao fracasso?
Num artigo, publicado em 2006, com seu colega do Inpa, Charles Clements, “A floresta amazônica e o futuro do Brasil”, Niro cita o pensador Jared Diamond, que publicou “Colapso – como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso,” sobre o que podemos aprender dos fracassos e sucessos de 14 sociedades grandes e pequenas ao longo dos últimos 3000 anos para reverter as tendências de colapso sócio-ecológico global. As florestas sempre foram e são recursos naturais essenciais para todas as sociedades discutidas, e seu manejo ou desmatamento tem sido vital para o sucesso ou fracasso de cada sociedade (embora raramente tenha sido o principal motivo). Em grandes sociedades, como a do Brasil, o governo precisa tomar a iniciativa para organizar o manejo e a conservação das florestas, como aconteceu na Alemanha medieval (1500s), no Japão da era Tokugawa (1635-1853) e na China moderna. Uma diferença entre estes três exemplos e o nosso país é que o Brasil é uma democracia, e o governo e os formadores de opinião precisam convencer a população que as medidas tomadas são para o benefício de todos. Outra diferença é que nos dois exemplos históricos ainda não havia os benefícios do comércio livre da era de globalização e a sociedade teve que aprender a replantar e manejar ao mesmo tempo em que continuava a usar a floresta, enquanto que a China simplesmente proibiu o desmatamento e começou a comprar madeira, especialmente tropical, no mercado global. Embora a China atualmente tenha um programa nacional de reflorestamento, compra sua madeira nos países tropicais, que ficam com a degradação ambiental resultante do desmatamento, o que é uma das grandes vantagens da globalização para os compradores. Observe que dois dos três exemplos são de países desenvolvidos, e a China recentemente passou à frente do Brasil na corrida desenvolvimentista. O Japão e a Alemanha possuem uma maior cobertura florestal em relação ao que tinham quando se tornaram conscientes da importância de suas florestas e são democracias cujos cidadãos estão convencidos da importância das florestas e do ambiente. A China está diminuindo sua taxa de desmatamento rapidamente com base na tomada de consciência da importância da floresta para seu desenvolvimento futuro.
E o Brasil?
A Mata Atlântica quase desapareceu ao longo do século XX e o Cerrado é o bioma brasileiro mais ameaçado de todos. Ainda que o regime militar (1964-85) tenha editado uma Lei Florestal que exigia uma parcela de conservação em cada propriedade e um plano de manejo florestal para a comercialização de produtos da floresta, a Floresta Amazônica começou a ser desmatada aceleradamente durante esse regime. Desde então, os governos federais adotaram discursos conservacionistas conforme aumentavam as pressões por governos e ONGs do Primeiro Mundo, mas não revisaram a maioria dos incentivos ao desmatamento. O atual governo decretou uma quase moratória ao desmatamento no chamado “arco de desmatamento”, ao sul da bacia amazônica, e investiu na diminuição da taxa de desmatamento em 2005. No entanto, a maioria dos incentivos continua a existir na Amazônia Legal (2), especialmente para a construção de rodovias federais e outros tipos de infraestrutura, necessários para o “desenvolvimento” Num país ainda subdesenvolvido, como o Brasil, a contradição entre discurso e realidade exige que os formadores de opinião demonstrem claramente a existência de outros valores de importância para a própria sociedade para que a floresta passe a ter valor na percepção da grande maioria, pois não bastam leis e decretos que proíbam se a população não está de acordo. Isto é especialmente importante e ainda mais difícil num país agrícola como o Brasil, pois, por definição, a agricultura é o cultivo dos campos. Em nível mundial, toda sociedade bem sucedida é agrícola, embora as florestas sejam recursos essenciais para o sucesso da sociedade. Além da orientação agrícola da sociedade brasileira, um outro fator dificulta a valorização da floresta: sua diversidade. Esta diversidade é a razão pela qual o Brasil está incluído entre os países mega-diversos, mas o corolário dessa diversidade é a baixa densidade econômica, o que significa que existem poucos recursos naturais com valor econômico-financeiro imediato num hectare qualquer de floresta.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected] |
Comentários