A morte do artista plástico Moacir Andrade simboliza uma perda para o Amazonas, para sua divulgação, debate e importância global. Ele foi reconhecido pelo Governo Francês, nos anos 70, como artista plástico de referência amazônica global e teve suas obras espalhadas por todo o planeta na divulgação de alto nível da Pátria das Águas ou do Último Jardim do Mundo. Numa de suas recentes investidas na defesa do Amazonas, integrou uma comitiva local que desembarcou em Brasília, para dizer a então ministra da Cultura, Ana de Holanda, responsável pela assinatura do Tombamento do Encontro das Águas, interpostos pelo Iphan, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que a medida tinha por única e exclusiva razão evitar a construção do Porto das Lajes, evitando, assim, a modernização portuária e a competitividade do polo industrial de Manaus. A quem poderia interessar isso? Moacir juntou-se a OBA-Am, Cieam, Fieam, Universidade Federal do Amazonas, órgãos ambientais e de planejamento do Estado, Assembleia Legislativa, Câmara Municipal e Suframa. Na decisão da escolha da área a ser tombada, a poligonal imposta pelo Iphan foi propositalmente modificada para escolher a área onde seria construído o novo porto, a 2.4 km rio abaixo da área central de contemplação do fenômeno. Ali, durante mais de 6 décadas, ancoram os navios petroleiros da refinaria de Manaus e não há notícia de destruição do fenômeno, como se alegou. Resultado, aqueduto dorme nos escaninhos da justiça e Manaus continua entregue ao duopólio portuário e suas taxas assustadoras. Obrigado, Moacir!!!
Filho bastardo
Este é um Brasil bastardo, enquanto o Brasil do Planalto Central, beneficiário da exportação líquida e generosa de recursos da ZFM, fica debatendo se um emprego na Amazônia Ocidental custa 120 mil ou 210 mil reais de renúncia fiscal, em comparação a outros mecanismos de redução das incômodas desigualdades regionais desta nação. Este Brasil desconhecido e apartado segue tratado como parente de segundo grau numa consanguinidade risível, ou constrangedora, que o discurso da integração esqueceu. A Zona Franca de Manaus, nesse meio tempo, se recompõe, a duras penas, castigada por greves, descaso na contrapartida de infraestrutura para a receita que recolhe aos cofres federais. Numa entrevista célebre, corajosa e paradigmática do General Villas Bôas, então Comandante Militar da Amazônia, em 2012, hoje ocupando o ministério das Forças Armadas, ele denunciava este descaso. “As reais necessidades da população da Amazônia chegam ao centro-sul de maneira distorcida. Com isso, monta-se uma base de conhecimento desfocada, com soluções não apropriadas. A população, principalmente no interior, não tem necessidades básicas atingidas. Em grande parte, não há nenhuma presença do governo do Estado. Em algumas áreas as Forças Armadas são essa única presença.”
“Somos tratados como Colônia”
E esse distanciamento, dizia Villas Bôas, se reverte em grande vulnerabilidade que afeta o país como um todo. Estamos no século 21 e o Brasil com sua dimensão continental não tem um satélite. “Não vamos ter autonomia total enquanto não tivermos nossos satélites.” Indagado sobre o papel das ONGs, ele destacou aquelas que, efetivamente, ajudam e aquelas que agem sem controle e focadas em outros interesses. “Veja a dificuldade para asfaltar a BR-319 que liga Manaus e Porto Velho. Em 2009, o braço brasileiro da ONG americana Conservation Strategy Fund divulgou estudo afirmando que a reforma da estrada traria prejuízo. É uma rodovia que já existiu, não gerou desflorestamento, não houve prejuízo ambiental. Mas o governo não consegue fazer… é um absurdo. Manaus está conectada à Venezuela, mas não ao restante do Brasil. É extremamente difícil viabilizar a recuperação dessa rodovia, são forças que realmente têm capacidade de intervir e inibir isso. E muito por causa do fundamentalismo ecológico. Não se faz omelete sem quebrar o ovo, se vou lançar um gasoduto, alguma árvore vou derrubar. É uma visão pragmática.” E deu o grito de denúncia mais eloquente: “Somos tratados como Colônia”. Outra informação para ilustrar a denúncia do general, diz respeito a brincadeira com que o ministério dos Transportes tem tratado historicamente o Amazonas, com seus sucessivos atrasos na realização da dragagem do rio Madeira, uma hidrovia vital parava economia da ZFM. A construção aloprada de hidrelétricas, muito mais interessadas nos acordos sombrios com as empreiteiras, preocupam cada vez mais o setor da navegação do Amazonas e a competitividade do polo industrial de Manaus. Agora, o processo de dragagem efetivo do rio só deve acontecer a partir de maio de 2017 com um contrato de 5 anos, que poderá ser prorrogado pelo mesmo período, segundo fontes do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação, uma brincadeira atrás da outra.
Tesouro ignorado
Nesta quarta-feira, durante o Curso de Pioneirismo e Empreendedorismo da Faculdade de Economia e Administração da USP, FEAUSP, na unidade Pioneiros do Amazonas em Sala de Aula, denunciamos que Instituto Nacional do Câncer, nos Estados Unidos, estima que 25% de todas as substâncias usadas para tratamento de tumores no mundo, hoje, venham de florestas tropicais. Aqui, também, adormece na expectativa de investimentos, a cura da Aids, da tuberculose, o retardo e gestão da velhice do organismo humano. Apesar disso, só temos 500 cientistas, quase todos idosos e em vias de aposentar. E somente o campus da USP – Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto, tem mais pesquisadores do que todo o estado do Amazonas. Enquanto a unidade de Piracicaba põe no mercado dezenas de itens da floresta amazônica, aqui quase nada acontece, pois a estrutura de gestão academia, pesquisa e mercado na região é simplória. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul tem mais que o dobro do número de pesquisadores do Pará, o estado líder na região em matéria de cientistas qualificados. A Universidade de São Paulo tem o triplo de doutores de toda a Amazônia. A região é cenário de 18% das pesquisas em biodiversidade no Brasil, contra 36% da Mata Atlântica, embora essa última represente 2% da Amazônia. Com seus insumos para cosméticos e fármacos, além da aquicultura, uma indústria de proteína de primeira qualidade e sabor inigualável, a Amazônia está à espera do seu descobrimento, meio milênio depois que os Viajantes Europeus entenderam sua dimensão e valor.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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