Em editorial sobre a conjuntura política e econômica do país, a Folha publicou, nesta quarta-feira, um panorama sombrio das dificuldades estruturais que atormentam as empresas instaladas no Brasil. O texto comenta o último relatório do Banco Mundial, sobre os obstáculos à atuação dos empreendedores, que põe o País “…em lençóis um pouco piores que os de 2014”: uma queda de cinco posições, da 111ª para a 116ª entre 189 países analisados. Ou seja, o que era ruim ficou ainda pior. Recessão e desemprego já corroem comércio e serviços, além da indústria. A única maneira decente de gerar riqueza e tirar o país do buraco em que a má política o enfiou é tolhida por crescentes embaraços, que se agravam com o aumento das tarifas públicas e a expectativa de ampliação da cangalha tributária, radicalizando a desesperadora estrutura de compulsão fiscal em vigor. Hoje, no Brasil, cada empresa precisa alocar 2.600 horas (108 dias inteiros) a cada ano para processar, declarar e recolher um emaranhado de impostos, taxas e contribuições. O estudo considera vários fatores que atormentam o investidor desde o momento em que decide abrir sua empresa. O tempo despendido e o número de procedimentos necessários para fazê-lo é um absurdo. A legislação e os burocratas nacionais impõem 11 passos a quem quiser ajudar o país a crescer, o que consome em média 83 dias. Por isso não é de se estranhar que o Brasil, nesse quesito, ocupe o 174º lugar na lista do Banco Mundial. O primeiro posto é de Cingapura, onde bastam três providências e menos de três dias para constituir uma companhia. A liberação de mercadorias que, nos portos de Manaus, está associada a despesas de armazenagem pelo padrão tartaruga adotado, naquele país se dá por leitura digital, portanto, instantânea, dos contêineres. Se o empreendedor estreante precisar erguer instalações, no Brasil, recomenda-se que tenha nervos de aço. Gastará mais de um ano (426 dias) só para obter alvarás de construção, o que deixa o país na não menos humilhante 169ª colocação. E, se tiver que fazer EIA/RIMA, estudos e relatórios de impacto ambiental, ou empreender em infraestrutura que estabeleça livre concorrência com atores locais, como mandam as leis do mercado, pode esquecer. Está mais do que na hora de virar esse jogo.
É tempo de somar
Engana-se quem diz que tais problemas são culturais. A burocracia tributária não é uma herança ibérica. Se no Brasil gastamos 2600 horas para atender a cangalha tributária, a média da América Latina, afinal, é bem inferior: 361 horas. Basta de hipocrisia: nossos problemas não são lusitanos e sim cartoriais, a fulanização, o clientelismo, o patrimonialismo e o corporativismo encravado como carrapato nas veias do Estado. Essa canalhice de voltar a CPMF, para fazer caixa com novos impostos é a reprise de um filme estrelado por bandidagem exclusiva, que obriga o cidadão a pagar um pato que ele não criou, e embalar um Mateus que a sociedade não pariu. Inquieta mais ainda, nesse contexto, a qualidade política dos integrantes do Congresso Nacional, com honrosas exceções, majoritariamente focada nos limites estreitos do umbigo eleitoreiro e da compulsão pecuniária. Daí a necessidade da mobilização cívica, da composição estratégica com forças políticas comprovadamente empenhadas na resistência e obstinadas pela identificação de saídas. Nos limites da economia local, é hora de ampliar os laços de solidariedade e de reciprocidade de proposições, debatendo sugestões comuns de enfrentamento das dificuldades. O clima de apreensão atinge a todos, tanto na esfera pública como no setor produtivo. As perspectivas de fim de ano, onde o comércio e os serviços tradicionalmente buscam equilibrar resultados, são sombrias e preocupantes. O governo prepara mudanças na gestão tributária e as entidades da ação empresarial se movimentam para fazê-lo conjuntamente. É hora de somar.
Política com maiúscula
Temos obrigação de entender o jogo perverso em que a gestão inepta e obscura enfiou o país. Ninguém pode mais adotar o padrão avestruz de análise. Os problemas se acumularam – no caso da Zona Franca de Manaus, por mais tempo do que possa parecer – e demoramos a intervir em sua interdição. São sequelas que podem perdurar ad aeternum se a lógica do oportunismo e do imediatismo seguir imperando sobre o espírito público. No início do ano, na primeira reunião das entidades do setor produtivo, tivemos o compromisso do governo estadual em abrir as portas do novo mandato para estudar medidas de redução da burocracia. Que medidas práticas foram tomadas a pulso por parte das entidades? Poucas, pelo que consta. Não temos estatísticas rigorosas das perdas efetivas com a cangalha burocrática, com os prejuízos decorrentes dos apagões diários, frutos da incompetência do setor responsável em transformar os altos custos das tarifas energéticas em contrapartida de serviços com qualidade. Cobramos transparência das ações públicas, mas somos tímidos em socializar informações que ajudem a definir perfis, fundamentar demandas, consolidar indicadores de desempenho, emprego, prejuízos e ganhos. Andamos às cegas por conta do receio em trocar os dados dos avanços e recuos de nossa rotina diária de trabalho. É muito importante aproveitar a crise para passar a limpo as condutas inadequadas, em todos os segmentos, aprendendo com os erros, adotando novas práticas, promovendo não apenas os paradigmas da eficiência, como também as práticas ambientais e sociais efetivas, estratégias mais produtivas de resistência e as lições que traduzam criatividade e capacidade de adaptação ao novo cenário. De quebra, vamos dispensar melhor atenção ao fator político, escolhendo com mais critério cívico, com o paradigma do espírito público, aqueles que apoiamos para representar a sociedade. A política não pode ser confundida com politicagem, o jeito sujo de ordenar a polis, o tecido social. A Política, com maiúscula, é o único caminho da transformação, de resguardo das instituições, do exercício da Democracia e de garantia da ordem social, para podermos avançar, avançar…
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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