Numa reunião “pública”, a diretoria da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) aprovou, nesta terça-feira, 27, um novo reajuste tarifário da energia elétrica para o Amazonas. O conceito de reunião pública da diretoria, usado na Nota entregue à imprensa, é tão nebuloso como o resto do informativo. A falta de transparência é a mesma dos argumentos sugestivamente incoerentes e inconsistentes a confundir o contribuinte, aquele que dá suporte material ao acinte. Um percentual que varia de 38,8% para baixa tensão – que será aplicado a 900 unidades consumidoras, a maioria residências – a 42,55%, para consumidores de alta tensão, ou seja, das indústrias. Quem dormirá com mais esse barulho ensurdecedor e agressivo? Como o aumento passa a ser aplicado pela Concessionária Eletrobrás Amazonas Energia no próximo domingo, cabe indagar a quem recorrer contra o arbítrio, a inépcia e o desacato cívico que a medida representa? “Encargos setoriais, custos de energia, Conta ACR, empréstimos passados não repassados…” Estas são as razões esfarrapadas do abuso. Quem endossou essa negligência que implode planilhas, orçamentos e planejamentos? Como aceitar uma arbitrariedade chamada de “pública”, de fato, porém, sorrateira, decidida na calada sinistra da escuridão inconsequente, para ser efetivada quatro dias após sua irrupção? E o mais grave de tudo é a contrapartida desse arbítrio, os serviços de má qualidade, de um apagão constante, de prejuízos incalculáveis em função do descaso. Há ocorrências de empresas tradicionais que fecharam linhas inteiras com prejuízos flagrados no controle de qualidade por conta dos apagões, dois ou até três por dia. Quando o país se assombra a cada dia com a revelação insistente e diárias de contravenção no setor público, emerge com firmeza a clareza de que é preciso parar para acertar, para sacudir a inépcia, a gestão obscura, o desperdício de todas as ordens, sobretudo da dignidade e da decência no trato da coisa pública, um conceito que precisa de revisão elucidativa: a res pública, diziam os latinos, a coisa pública, remete necessariamente ao interesse da polis, a saber, de todo o tecido social.
Homo homini lupus
Quem conhece um pouco do cotidiano britânico, entende o papel determinante da cultura filosófica na conduta que assimilou a visão de mundo do inglês Thomas Hobbes, do século XVII, o primeiro filósofo da modernidade e um dos mais influentes na consolidação da visão liberal do mundo. Ali, a autoridade do Contrato Social é levada ao pé da letra. Ao menos no zelo e guarda do patrimônio público. Foi Hobbes que atualizou a frasea do dramaturgo romano Plauto, do século III, AC, segundo, a qual “o homem é o lobo do homem” Hobbes modernizou a assertiva Homo, homini lupus, mostrando que no Estado Natural impera à vontade, o desejo e a liberdade do homem, fonte de disputas, conflitos e distorções, daí as guerras. Por isso a necessidade de um Contrato Social, onde o homem abdica de sua liberdade em nome da ordem que é regida pela Lei. E quem gerencia este contrato é um poder moderador. Os ingleses, nesse contexto, são paradigmas de respeito à Lei, sempre na perspectiva da cidadania, e do bem comum. E é exatamente no âmbito da discussão do conceito de coisa pública, para que o Estado Natural não seja naturalmente transformado no Contrato Social dos mais espertos, onde a manobra das consciências privilegiem os mais aptos a explorar os demais, é que vale a pena retomar – no âmbito, insistimos, do Contrato Social, ou seja, do aparato legal, – o imbróglio dos buracos, precisamente as crateras que persistem nas ruas do polo industrial de Manaus, bem como nos demais equipamentos públicos sob a gestão da Suframa. Retomar este assunto é refletir sobre o paradoxo de sua responsabilidade e apontar as contradições que persistem na interpretação dos zeladores e guardiões da Lei. E avançar neste contrassenso que faz persistir o axioma de Plauto.
A lei, o espírito e os buracos
Nesta quarta-feira, em três quartos de página na imprensa local, a Suframa voltou a ser alvo de bombardeio por conta de suas iniciativas para gerenciar um dos mais graves e prosaicos problemas de suas atribuições de gerente do modelo Zona Franca de Manaus, os buracos das vias do polo industrial. Curiosa é uma veiculação com tanto destaque num momento em que a justiça federal deve reconhecer a lisura de propósitos e conduta desta Entidade na tentativa desesperada de encontrar saídas para este drama urbano constrangedor é inaceitável, quase tão antigo quanto a instalação do Distrito Industrial. Alegando um tal de Princípio de Especialidade, uma jurisprudência inóspita num mundo transdisciplinar e na vigência das preocupações holísticas, para dar conta da compreensão e intervenção no mundo real, o Ministério Público recomenda que a Suframa “se abstenha de assinar novos convênios para recuperação das ruas do polo industrial”. É estranho que este mesmo zelador se mostre ausente e indiferente às determinações legais que poderiam impedir que mortes que ali ocorreram por conta dos buracos. A função viária, em parte, é do município, que recolhem as taxas de serviços e territoriais da área, mas cujas finanças foram tolhidas por razões sobejamente conhecidas de uma política rasteira que privilegia a querela politiqueira em detrimento do tecido social. Aqui a miséria humana impera igualmente ao arrepio do Contrato Social, ou seja, da Lei tendo em vista o resguardo do munícipe, isto é, do cidadão. O zelador do estatuto legal jamais se manifestou contra o confisco das verbas da Suframa e, apenas recentemente, tomou interesse pela fuga das verbas de P&D, ambas amparadas por Lei para fazer funcionar o modelo e sua relação com a promoção do cidadão. No raciocínio meramente legalista, cabe lembrar aos zeladores da Lex o Art. 6º, da Lei 9960, de janeiro de 2000, segundo o qual, “Os recursos provenientes da TSA serão destinados exclusivamente ao custeio e às atividades fins da Suframa, obedecidas as prioridades por ela estabelecidas”. Todo o espalhafato midiático desacata este estatuto legal e claramente definido. Dentro da Lei, vale insistir, o Convênio ora vigente, firmado entre a Suframa e o Estado, teve origem, precisamente, numa determinação do prefeito municipal, autorizando, em nome dos poderes que lhe são conferidos, que os entes federativos da União e do Estado cumprissem o ofício de reparar os buracos. A Lei, vista pelo legalismo do avestruz, decididamente, mata, enquanto o Espirito, diz o texto bíblico, vivifica.
À luz do Bem comum
A Constituição de 1988 é uma conquista de toda a sociedade brasileira, assim como as Leis Trabalhistas, da CLT de Getúlio Vargas, que normatizam o interesse do fator trabalho, essencial e sagrado na dinâmica da economia e do tecido social. Ambas, porém, como toda a legislação e instituições, a despeito da universalidade de seus princípios, precisam de permanentes ajustes, adaptações e revisões na aplicação cotidiana de seus postulados. Daí a importância do entendimento, da oitiva entre as partes e da negociação solidária. Diante da constatação do problema da discriminação e da homofobia, que oprime o homossexualismo no cotidiano e nas instituições, o Papa Francisco, mesmo conhecendo a Lei – titular da mais sólida instituição da História, e a despeito de poder invocar a infalibilidade do cargo em matéria de fé e dogma – foi enfático: “Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”. A magnanimidade da postura do Pontífice sinaliza e ilustra a sabedoria do entendimento, a grandeza de olhar mais longe quando alguém chega mais perto de uma questão. Isso permite retomar o preceito segundo o qual a Lei, do ponto de vista do legalismo intransigente e autoritário, pode aniquilar a pessoa ou um agrupamento social, enquanto o espírito de entendimento dialogal é capaz de achar saídas para o que mais importa: o BEM COMUM, no sentido da acolhida, da negociação transparente e positiva da boa vontade. Isso nada tem a ver com anarquia ou anomia de valores ou adoção da amoralidade, muito pelo contrário. Ensaia-se aqui a defesa e a procura de um humanismo sadio, que transcenda o autoritarismo legalista e afirme a ética solidária da conversação fecunda.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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