Em tempos de crise, aumento de desemprego, encolhimento da produção e queda da arrecadação, comprometer com a burocracia o início de novas empresas com o embargo de PPB’s ganha nuances de insensatez com implicações de dano social. São 14 projetos de implantação/diversificação para gerar empregos e arrecadação vetados, além de 30 outros projetos perambulando pelos escaninhos, retirados de pautas e cronogramas de trabalho na rotina da burocracia autoritária. São sofisticados embargos de gaveta, adotados pelo grupo de trabalho que analisa os PPB’s, Processos Produtivos Básicos para o modelo ZFM, o GT-PPB. Pela Lei 8.387, de 30/12/1991, essa liberação não pode comprometer a produção por mais de 120 dias e apenas cinco itens não podem receber incentivos da ZFM pela Constituição do Brasil: armas e munições, perfumes, fumo, bebidas alcoólicas e automóveis de passeio. Este é apenas um dos exemplos daquilo que o dicionário Aurélio descreve com a expressão “viver ao arrepio da lei”. Ou seja, aquilo que é “inverso ao natural”. E este natural remete a ideia de ordem, justiça, direito, para dizer que viver ao arrepio da lei significa adentrar ao mundo de desordens e desmandos. Pelo conjunto de ilegalidades dos últimos anos, é por aí que tem caminhado a Zona Franca de Manaus, o mecanismo fiscal mais acertado na história da redução das desigualdades regionais do país. Listar as siglas que detalham os setores, atividades, organizações e colegiados, como Suframa, CAS, TSA, PPB, P&D, significa reportar-se às leis que as criaram e as ilegalidades que hoje as descrevem. Com quase meio século de instalação, a ZFM é o que se pode chamar de organismo ou instituição fora-da-lei. Criada pelo Decreto-Lei nº 288, de 28/02/1967, este modelo, baseado em benefícios fiscais, previa a implantação de polo industrial, comercial e agropecuário, numa área física de 10 mil km² em Manaus. O objetivo original era de conferir à Amazônia o status de brasilidade, para evitar sua apropriação estrangeira. Toda a trama política, organizacional e das demandas crônicas dos atores regionais desembarcou na implantação da ZFM para ser concebida em ambiente legal, constitucional, a saber: “Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais”, diz o artigo 43 da Constituição. Este dispositivo constitucional foi detalhado nas disposições transitórias da Constituição de 1988, prorrogadas e promulgadas em agosto de 2014. Pelos itens que se seguem, a dedução mais lógica para qualquer estagiário de Direito é descobrir que o modelo ZFM representa um amontoado de oportunidades para AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE.
E a Amazônia Ocidental?
Analisar o conjunto dessas ilegalidades, tendo em vista a necessidade de amparo político/parlamentar, remete um olhar mais amplo dos estragos que esse pacote de desacatos em âmbito regional, alcançado pela ação da Suframa, a Superintendência da Zona Franca de Manaus. Por isso, é importante lembrar que ainda em 1967, depois de publicado o Decreto-Lei 288, é formalizada a Governança da Suframa na Amazônia Ocidental através do Decreto-Lei nº 291: a Amazônia Ocidental, abrangendo os estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima – com a inclusão posterior dos municípios de Macapá e Santana – para onde estendeu parte dos benefícios do modelo. Repetimos neste espaço, a informação produzida sob a égide da FEA/USP, a Faculdade de Economia e Administração, da Universidade de São Paulo, segundo a qual, ao longo dos anos, adotando expedientes criativos, a União tem recolhido mais de 54% da riqueza que a ZFM produz. Esta conclusão foi resultante de uma dissertação de doutorado, do auditor fiscal, José Bispo e, obviamente, tem variações ano a ano, incluem ou não os fundos estaduais e dependem dos indicadores de produção do PIM, o polo industrial de Manaus e todo o setor produtivo da economia aí gerada. Por que esse recurso é confiscado nessa magnitude? Por que os atores locais não recorrem à Carta Magna para que a ZFM cumpra sua função constitucional de redução das desigualdades regionais? Por que calar-se diante deste confisco se esta região tem mais da metade dos 50 piores IDHs, Índices de Desenvolvimento Humano do Brasil?
TSA e P&D: os impostos disfarçados
E por falar em desacato legal, basta visitar os artigos da Lei nº 9960 de 28/01/2000 – criada para fazer funcionar o modelo, através da legalização das antigas contribuições exigidas pela Suframa para ajudar na sua rotina administrativa, sobretudo em tempos de penúrias orçamentária. Pois bem, apesar de diversas ações contestatórias, porque essas taxas viraram imposto sem ser imposto, as Taxas de Serviços Administrativos da Suframa (TSA) foram incorporadas legalmente à receita regular da Suframa para ajudar a autarquia cumprir suas obrigações. Criada a Lei, há 15 anos esses recursos são progressivamente confiscados pela União. A ilegalidade dessa pratica reduziu drasticamente as ações de desenvolvimento e de diversificação econômica na região, onde há três anos não são celebrados convênios de infraestrutura com os governos estaduais ou municipais. Essas práticas de parcerias para financiar programas de infraestrutura no interior foram desaparecendo com o confisco desses recursos e foram afastando governadores e bancadas parlamentares do Conselho de Administração da Suframa. No mesmo período, ora argumentando superávit primário, ora repasses para o BNDES, ou programas de outros ministérios. Estima-se que foram igualmente confiscadas 80% das verbas de P&D, recolhidas compulsoriamente pelas empresas fabricantes de bens de informática ao FNDCT (Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico), cuja base representa 0,5% do faturamento bruto, deduzidos os impostos de comercialização, por força da Lei nº 10.176 de 11/01/2001, para criar, através de pesquisas, mudanças no paradigma industrial. Ao todo, além dos impostos de praxe, apesar de controvérsias entre os próprios organismos federais, nos últimos 10, estima-se que R$ 3,5 bilhões foram desviados dos objetivos determinados por Lei.
Em nome da Lei
Não bastasse a ilegalidade, a base de um descaso de um modelo industrial que agoniza, pois padece de competitividade pelos custos elevados da infraestrutura energética, logística e de comunicação, absolutamente precárias, onerosas e de equacionamento improvável, à vista do confisco ilegal de seus recursos. Daí o cenário preocupante. Os indicadores sombrios de desemprego, a redução do faturamento e da própria arrecadação do estado, que responde por saúde, educação, segurança… Etc., são o retrato em branco e preto dessa ilegalidade. Nada, além da Lei, reivindicam as entidades que representam a classe produtora, investidores e trabalhadores. Que se cumpra o marco legal da prorrogação da ZFM, para que este modelo siga devolvendo generosos tributos ao Brasil e siga apostando em novas modelagens econômicas para combater os deploráveis índices de desenvolvimento humano da região. Vale destacar a geração de empregos no interior assegurados com os recursos dos fundos recolhidos pela indústria e usados pela Afeam para promover as cadeias produtivos do interior do Amazonas.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
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