A discussão do Orçamento para o próximo ano traz à luz a nudez de um Brasil que precisa urgentemente reinventar o Brasil, aproveitando o fracasso das modelagens recentes da gestão improvisada das questões cruciais do Estado. Não transparente, eivado de contradições o Orçamento vai à discussão com o penduricalho perverso de mais imposto, a maneira mais negligente e inócua de resolver tais questões. Um estudo recente com 30 países divulgado pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação) mostra que o Brasil é o país onde os impostos arrecadados menos se convertem em serviços para a população. Para calcular as posições de cada país, o IBPT criou um índice, o IRBES (Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade). As posições de cada país no IRBES foram calculadas com base em dados econômicos (carga tributária) e sociais (IDH). É a 5ª vez consecutiva que o Brasil aparece em último no ranking. O que fazer – além da montagem de trincheiras organizacionais e criativas de resistência e enfrentamento – depende da classe política e da atenção aos reclames da sociedade. Afinal, a duras penas retomamos o Estado de Direito, temos as instituições funcionando, vamos acompanhar para que assim permaneçam e se fortaleçam. Cabe-nos lutar pela transparência, repudiar a tentação danosa de mais impostos e exigir que a Lei seja cumprida, na extensão de sua dureza e função. Dura Lex Sed Lex, diriam os antigos para provar que “fora da Lei não há salvação”! E é neste contexto que surge a sabedoria inglesa na proposição da preciosa ferramenta do compliance!
De acordo com a Lei
Para refutar mais imposto, sobre cheques, condutas, permutas e como instrumento para equacionar contravenções, os ingleses adotaram as ferramentas do compliance, cuja etimologia significa agir de acordo com uma regra, uma instrução interna, ou corporativa, um comando ou um pedido, ou seja, estar em “compliance” é estar em conformidade com leis e regulamentos externos e internos de grupos, empresas e organizações. A hora é esta. Manter a rotina empresarial em conformidade significa atender aos normativos dos órgãos reguladores, de acordo com as atividades desenvolvidas e as regras do jogo combinadas antes de seu início. Não é honesto mudá-las depois que o juiz trilou o apito inicial. E que brilhem, a propósito, as instituições, os advogados, a classe política e o interesse público, afinal, a única munição deste confronto bélico em que se transformou a gestão da cidadania é a Lei. Dizem os teólogos que a Lei não pode se sobrepor ao Espírito, mas ela foi criada exatamente para resolver as lacunas de seus frutos, a fraternidade e o respeito mútuo. Por isso cabe perguntar, na gestão do modelo ZFM, falando em compliance, quais mecanismos devemos adotar, como organizar processos de sua defesa e fortalecimento, promovendo o mapeamento detalhado de seus gargalos, os embaraços de sua gestão, para buscar suas melhorias, interiorizar e regionalizar seus benefícios, consolidar suas demandas para diversificar as fontes de suas bases econômicas?
Benefícios e reconhecimentos
Os mais antigos devem lembrar das raízes do compliance, a extinta O&M nas grandes organizações, um conjunto de procedimentos que formavam o VADE-MÉCUM da gestão empresarial, institucional, a engenharia da governabilidade organizacional. A recuperação da Suframa, a redução da burocracia, o acompanhamento e a administração dos fundos federais e estaduais das empresas precisariam, por exemplo, da prosaica O&M, a adoção de suas boas práticas, a eficácia de seus processos e os benefícios de seus resultados para cumprir, não apenas o que manda a Lei, mas para mudar a paisagem e glosar os estragos da má gestão. Para aproveitar a crise, fazer do azedo do limão incômodo, uma limonada de soluções coletivas, ou seja, assegurar que as organizações e instituições estejam em conformidade, isto é, em compliance. De quebra, além do reconhecimento do mercado, esse conjunto de boas práticas costumam carregar outros benefícios, particularmente um que soa como sinfonia aos ouvidos da classe política: o reconhecimento eleitoral.
Boas práticas
Em recente artigo, o economista Michael Lira, ao destacar o papel do compliance, dos profissionais que as empresas ou as entidades públicas e privadas escalam para tomar conta dessa ferramenta, alerta que as recomendações de conduta para adoção de BOAS PRATICAS vão além de elaborar e publicar padrões de procedimentos, direcionando as responsabilidades de cada um. “Eles necessitarão entender o que está sendo cobrado e como podemos melhorar as atividades e proporcionar maiores índices de eficiência, eficácia e confiabilidade das informações, que é a base de toda decisão”. Em outras palavras, a confiabilidade das informações remetem a TRANSPARÊNCIA de conduta, de valores, de compromissos e de resultados. Senão, o jogo fica pela metade, é de faz de conta e leva a lugar algum. Imaginem na rotina de uma empresa se alguém descuida da importância dos controles internos e contábeis e descuida dos padrões de conformidade que as práticas de governança corporativa impõem. Compliance, em sentido cotidiano ou amplo, geral e irrestrito precisa considerar permanentemente: “a prevenção a fraudes; segurança da informação; plano de continuidade de negócios na perspectiva fiscal e gerencial; gestão de riscos e de pessoas; atendimento a auditorias internas e externas; dentre outras”. Ou seja, um leque de ferramentas, conhecimentos sobre o negócio, as instituições, as oportunidades de aproveitamento da crise, de todas as crises.
Falta-nos conformidade
Em abril último, num dos primeiros encontros do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com as lideranças empresariais do Brasil, o presidente do Cieam, Wilson Périco, pôs o dedo na ferida no início dos debates, ao perguntar se o governo iria manter as 39 pastas na Esplanada dos Ministérios e iria continuar financiando com os recursos do BNDES obras de Infraestrutura na Venezuela, Bolívia e Cuba. A resposta não veio, mas os estragos dessas medidas serão revelados com inclemente dureza na discussão orçamentária para o próximo ano. Naquela ocasião, Périco mostrou que o governo gasta mais do que arrecada e isso era e é a raiz do desastre fiscal e de credibilidade que atingiu a governança federal. Não adianta ressuscitar a CPMF ou ampliar a cangalha tributária já extorsiva e deletéria do setor produtivo e da rotina diária do trabalhador. Aumentar imposto e adotar o padrão avestruz, de quem se recusa ao espelho da auto-avaliação e da interlocução proativa que busca saídas coletivas e definitivas pelo bem comum. Cabe aqui lembrar a sabedoria milenar das boas práticas alcançadas pela civilização com o estudo e o aperfeiçoamento da rotina produtiva do bicho-da-seda, a primeira indústria em série na história da manufatura mundial. Eles aparentemente abriram mão de suas asas libertárias que se transformaram nestes séculos de estudos em benefícios efetivos dos melhores híbridos que desembarcam no fantástico e inimitável mundo das sedas, fonte de orgulho e trabalho para um universo infindo de pessoas e grupos sociais, numa cadeia produtiva de bem estar e civilização. Falta-nos adotar novas conformidades, numa palavra, compliance, no sentido amplo, da clareza de propósitos, na conformidade objetiva de inteligência das boas práticas, para gestão do interesse público, esta fórmula infalível do ganha-ganha geral.
Esta Coluna é publicada às quartas, quintas e sextas-feiras, de responsabilidade do CIEAM. Editor responsável: Alfredo MR Lopes. [email protected]
Comentários